19/9/2012, Najmuddin A Shaikh*, Down.com, Paquistão
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Najmuddin A
Shaikh* é ex-secretário de
Relações Exteriores do Paquistão.
O
furor no mundo muçulmano disparado pelo trailer do pervertido filme Innocence
of Muslims, que levou à morte do embaixador e de três funcionários da
embaixada dos EUA na Líbia, foi apenas uma faceta da hebdomas horribilis,
semana horrível, que os norte-americanos enfrentaram.
Muito
se poderia escrever sobre o que tudo isso significará para as relações dos EUA
com o mundo muçulmano e, em especial, com o Paquistão, mas cuido aqui de outra
faceta da mesma semana horrível – os eventos no Afeganistão, em dias recentes.
Na
6ª-feira e no sábado, em dois diferentes ataques de soldados afegãos contra
soldados norte-americanos, foram mortos seis soldados da coalizão EUA-OTAN. Com
isso, sobe para 51 o número de soldados da coalizão mortos nesse tipo de ação em
2012, se se somam aos 13 mortos em circunstâncias semelhantes em agosto.
Até
agora, os EUA têm-se mostrado razoavelmente satisfeitos com as providências que
os afegãos tomaram, de promover verificações extras nos antecedentes do
recrutados para o exército afegão e de suspender o recrutamento de suspeitos de
manterem qualquer laço com a resistência. Também se distribuíram folhetos entre
os soldados afegãos sobre “diferenças culturais”, nos quais os soldados afegãos
são instruídos a não se ofenderem excessivamente com algumas coisas que os
norte-americanos façam.
Martin Dempsey |
Mas
a recente onda de novos ataques provocou reação mais irada do comandante do
Estado-Maior das Forças Conjuntas Martin Dempsey que disse, sem dar muita
atenção às diferenças culturais, que os afegãos tratem de resolver o problema.
Exijam
os norte-americanos o que exigirem, fato é que os afegãos pouco têm a fazer,
dadas as dimensões desproporcionais que as forças de segurança já têm hoje no
Afeganistão e dada a insistência dos EUA, que querem ampliar a Polícia Afegã,
fazendo-a passar, dos atuais 16 mil policiais, para 30 mil. Diz-se que o
recrutamento foi suspenso. Mas, uma vez que os norte-americanos entendem que
esse aumento seria indispensável para enfrentar os Talibã nas áreas rurais, o
mais provável é que o recrutamento recomece.
Dia
11/9, provavelmente para marcar o aniversário do 11/9 histórico, os Talibã
destruíram um pesado helicóptero de transporte na base de Bagram, matando três
soldados afegãos e ferindo muitos norte-americanos. Já aconteceram outros
ataques a Bagram vindos de fora da base – o principal aconteceu há um mês,
quando o avião de transporte de Dempsey foi danificado. Dessa vez, contudo, o
que mais parece ter preocupado os norte-americanos foi a precisão do ataque.
Seja
como for, esse ataque foi muitíssimo menos importante que outro, desfechado por
15 guerrilheiros contra a que era considerada “inexpugnável” base britânica,
Camp Bastion, em Helmand. Os guerrillheiros, que usavam uniformes militares
norte-americanos, não apenas penetraram as defesas, mas, pior que isso, o ataque
despertou lembranças tenebrosas do que veio depois da tragédia da base Mehran em
Karachi. Além de terem matado dois Marines, os guerrilheiros destruíram
seis jatos Harrier avaliados em 30
milhões de dólares cada, três unidades de reabastecimento e vários hangares.
Camp Bastion, base britânica no Afeganistão |
Helmand,
é preciso lembrar, é uma das províncias nas quais a “avançada” [orig.
surge] deveria já ter quebrado a espinha dorsal da resistência Talibã.
Os
Talibã, por sua página na internet, já convocaram para ataques cada vez maiores
no Afeganistão, especificamente contra forças dos EUA, para vingar o insulto do
já citado filme antimuçulmano. Se mais nada acontecer, deve-se temer que mais
soldados afegãos desfechem novos ataques contra soldados norte-americanos.
As
relações com o presidente Karzai atingiram novo pico negativo, quando Karzai
condenou o tal filme e, implicitamente, responsabilizou o governo dos EUA. E não
condenou a ação que vitimou o embaixador dos EUA em Benghazi. Karzai também está
em confronto com os norte-americanos, porque eles continuam a insistir em manter
na prisão de Bagram 60 prisioneiros considerados de alto valor, mesmo depois de
a prisão passar ao controle do Afeganistão.
Hamid Karzai, Presidente do Afeganistão |
E,
como se isso não bastasse, Karzai também criticou duramente o ataque aéreo de
drones na província de Laghman, no domingo, depois que os EUA foram
forçados a reconhecer que, embora os drones mirassem guerrilheiros, houve
vítimas civis, entre as quais, segundo os afegãos, nove mulheres e meninas. A
Força Internacional de Assistência à Segurança assumiu toda a responsabilidade
e, presumivelmente, pagará indenizações, mas foi combustível novo lançado à
fogueira do sentimento antiamericano que parece crescer dia a dia no
Afeganistão, como em outros países muçulmanos.
Philip
Hammond, secretário de Defesa britânico, que estivera em visita à base Camp Bastion apenas poucos dias antes do
ataque dos guerrilheiros, disse, em entrevista ao jornal The Guardian, que
seus comandantes já o estavam aconselhando a apressar a retirada dos soldados,
imprimindo à retirada ritmo mais rápido do que o planejado. É provável que a
maior parte dos 9 mil soldados britânicos hoje no Afeganistão sejam retirados em
2013, deixando lá uma força magérrima, para completar a retirada em 2014.
Interessante
é que Hammond consumiu parte considerável da entrevista falando sobre a urgente
necessidade de reconciliação.
Philip Hammond (camisa azul) em visita à base de Camp Bastion, Afeganistão |
Disse ele ao The Guardian [1]: “O governo afegão
tem de se esforçar mais para chegar a um acordo político com os insurgentes,
porque o esforço diplomático está muito atrasado em relação à campanha militar”.
Disse também que a paz no Afeganistão terá de incluir “abordagem do tipo Irlanda
do Norte dos insurgentes, com pelo menos a parte moderada da insurgência, para
tentar convencê-los mediante reconciliação e integração”.
Sugeriu
também que “o governo afegão tem de fazer mais, e os vizinhos influentes [o
Paquistão] também têm de manter a pressão [sobre os insurgentes moderados] (...)
para que cheguem à mesa”.
Sobre
os objetivos dos britânicos no Afeganistão, insistiu que, agora que a Al-Qaeda
foi “eliminada”, não seria justo pedir que soldados britânicos arrisquem a vida
para “construir nação”. Hammond entende que “mesmo que nada reste do que
conseguimos, cada ano que conseguimos manter ao largo as bombas, cada ano que as
mantemos longe de nossas ruas, é, por si só, conquista significativa. Mas não há
dúvidas de que lançamos as bases de um futuro no qual não haverá espaço no
Afeganistão para os que buscam nos atingir”.
Volta
e meia aparecem diferenças entre britânicos e norte-americanos. Hammond chegou a
dizer que “rastrear e abater gente e removê-los do campo de batalha” não é o
melhor meio para conseguir algum acordo. Trouxe assim à discussão a campanha dos
EUA para assassinar comandantes intermediários.
Pode-se
pressupor que estivesse manifestando o pensamento da OTAN, como um todo. Nesse
caso, mais justo dizer que não só a OTAN sabe que enfrentará maiores
dificuldades nos próximos meses como, também, que é hora de questionar a
manutenção de força norte-americana residual no Afeganistão depois de 2014.
Quanto
ao Paquistão, tudo isso demonstra a urgência de promover a reconciliação,
fazendo tudo que esteja ao nosso alcance para que aconteça, e sem tardança.
Nota dos
tradutores
[1]
The Guardian, 13/9/2012, em:
“Military
plans possible early Afghan withdrawal”
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