domingo, 16 de setembro de 2012

Lembrete ao Sr. Draghi: “São os bancos alemães, estúpido!”


4/9/2012, Yanis Varoufakis, Γιάνης Βαρουφάκης
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Yanis Varoufakis
Em abril de 2011 escrevi artigo sob esse título (It is the German banks stupid), em que argumentei que a razão primordial pela qual a Europa deixava crescer uma crise de dívida totalmente evitável que engoliria a Periferia era o estado lastimável dos bancos alemães, assim como a determinação do governo alemão de nada fazer que pudesse deixar ver a precária situação daqueles bancos. Chamei àquilo “a Grande Encruzilhada Bancária”: como lidar com as dívidas públicas da Periferia, sem deixar descobertos os buracos negros da banca privada alemã (e, menos ainda, da banca francesa).

Naquele artigo, expus minha opinião de que os poderes que há em Frankfurt e em Berlim andavam muito ocupados e preocupados com a banca alemã:

Só que nada transparece, tudo fica em segredo, portas fechadas [aqueles poderes em Frankfurt e Berlim] lutando para encontrar solução para a Grande Encruzilhada Bancária, de costas para os povos da Europa e bem longe dos olhos da opinião pública. Suas deliberações entraram agora em nova fase, induzida pela crise da dívida grega. Ou muito me engano, ou a crise grega, por monstruosa que resulte para os parâmetros gregos, não passa de pequena preocupação para os países europeus superavitários. Soma bruta que está entre 200 e 300 bilhões de euros poderia ser muito facilmente reestruturada ou, pelo menos, dar resultado diferente, perfeitamente abordável. A relevância dessa dívida tem a ver com a oportunidade que dá à Alemanha para revisar completamente o desastre que é o sistema bancário europeu. A reestruturação da dívida grega, com suas repercussões para os bancos europeus, é útil caso para estudo: um ensaio geral, um pretexto para iniciar um processo no qual a Grande Encruzilhada Bancária seja, afinal, levada a sério.

Mário Draghi
Presidente do BCE
Desde que escrevi isso, muita água correu sob a ponte. A dívida grega foi reestruturada quase um ano depois (e voltará, em breve, a ser novamente reestruturada) e, o que é mais importante, as perdas dos bancos foram massivamente transferidas aos contribuintes da Europa Setentrional pelas seguintes duas vias:

(a) acordos gangantuescos de “empréstimos” de resgate a quatro países da Eurozona (Grécia, Irlanda, Portugal e, agora, Chipre; e mais um, país muito mais significativo, a Espanha); e
(b) as políticas LTROs [1] do Banco Central Europeu (BCE) bombearam liquidez no montante de 1 bilhão de euros para os bancos da Eurozona, a maioria dos quais estavam insolventes.

Tragicamente, essa transferência da “dor” em grande escala, dos bancos para os contribuintes mediante as instituições da Eurozona em nada contribuíram para deter a crise. E por que seria diferente? Em vez de instituir as ferramentas institucionais necessárias para reverter o efeito dominó, uma mera transferência de dor, de uma entidade insolvente para outra, não proporciona qualquer alívio. De modo, então, que estamos hoje já em fase adiantada da desintegração da área da moeda comum. Há alguns dias, o próprio BCE revelou a magnitude da desintegração: as empresas espanholas pequenas e médias pagam taxas de juro que, em média, estão hoje 210 pontos básicos acima do que pagam as empresas alemãs comparáveis, para obter empréstimos de até 1 milhão de euros.

Se se recorda que a ideia de moeda única em mercado único era criar as condições para que os preços de bens homogêneos convergissem (e a moeda tinha de ser o mais homogêneo de todos os bens!), a diferença de 210 pontos básicos entre empresas de rentabilidade comparável, localizadas na mesma zona econômica, não só beira o completo escândalo: também é manifestamente insustentável. Se os mercados funcionam adequadamente, o “preço do dinheiro” (a taxa de juros) deve(ria) ser igual em todas as partes da mesma zona monetária, se os prestatários resultam semelhantes quanto a credibilidade, rentabilidade, expectativas, etc. Quando se constata imensa diferença de 210 pontos básicos entre agentes comparáveis do setor privado, cortesia exclusivamente da localização geográfica, então se pode ter certeza de que nossa união monetária deixou de funcionar.

Nada há de discutível ou problemático nessa afirmação. Nossos políticos sabem que a situação em que estamos é, sim, precisamente essa. Já disseram, bem claro, na reunião de Cúpula da União Europeia, em junho passado, quando acertaram entre eles instituir uma união bancária como meio para reverter o processo de desintegração. Poucas semanas depois, o Sr. Draghi revelou também que não abriga nenhuma dúvida quanto a isso, declarando, categoricamente, que o BCE atuaria decisivamente e anunciando um grande... novo anúncio, para 6 de setembro próximo. A única coisa sobre a qual reina real suspense é a que distância ficará o anúncio do Sr. Draghi, do que ele quer anunciar?

Não há dúvida alguma: Draghi quer que o BCE desempenhe papel ativo na supervisão da união bancária (supervisionando os bancos de toda a Eurozona e, ainda assim, autoatribuindo-se o poder para liquidar bancos que se considerem insolventes). Sabemos disso porque ele mesmo disse, porque manifestou também claro desejo de intervir também nos mercados de ações, especialmente nos da Itália e Espanha, para por freio às enormes diferenças que impedem o BCE de aumentar a oferta monetária para (ou reduzir os tipos de juros) da Periferia. Permitirão que Draghi faça tudo isso? Ou a oposição na Alemanha atravessar-se-á no caminho de Draghi?

Wolfgang Schäuble,
Ministro das Finanças
da Alemanha
Veremos. Mas já há indícios de que, sim, se atravessarão à frente de Draghi. Dia 30 de agosto passado, o Ministro alemão das Finanças tomou a rara providência de publicar coluna assinada no Financial Times intitulada How to protect EU taxpayers against bank failures [“Como proteger o contribuinte da União Europeia contra quebra de bancos”]. Leitura apressada poderia confundir o leitor e levá-lo a concluir que o Sr. Schäuble é completamente a favor de centralizar a supervisão de todos os bancos sob o patrocínio do BCE do Sr. Draghi. Pois se trata, exatamente, do contrário disso. Se se lê com atenção, a coluna é um manifesto a favor de o BCE deixar de ter papel decisivo na supervisão e liquidação de bancos! “Não se pode esperar que um cão de guarda europeu supervisione diretamente todas as entidades creditícias regionais – 6.000, só na Eurozona – de modo efetivo”, escreveu o Ministro das Finanças alemãs.

Artigo decodificado: a supervisão dos bancos continuará nacional, tal qual é hoje. O BCE só observará por cima do ombro dos supervisores nacionais, sem ter efetivo poder para demitir os tais diretores, impor sanções de capital ou, sendo necessário, liquidar bancos. Dito de outro modo: quando o Sr. Schäuble sugere que o BCE “deveria centralizar sua direta supervisão sobre bancos que possam significar risco sistêmico no nível europeu”, é como se dissesse que o Deutsche Bank deve ser supervisionado pelo BCE, mas não as Caixas de Poupança provinciais, Bankia, Dexia e todos os bancos menores, cujos destinos estão inextrincavelmente ligados a outros grandes bancos como o Deutsche Bank (incluídas suas próprias filiais, muitas vezes na penumbra). [A] É o mesmo que sugerir que o BCE será banco supervisor, só no nome.

Em uma palavra: o Ministro das Finanças da Alemanha atirou-se às páginas do Financial Times para paralisar o Sr. Draghi com a seguinte tese, convenientemente camuflada:

O BCE terá funções cerimoniais de supervisor de bancos, possivelmente encarregado de supervisionar os bancos espanhóis, italianos, gregos. Mas, no que tenha a ver com bancos alemães, já fica dito, inequivocamente, que mantenha distância. Nenhum agente de supervisão que não seja supervisão genuinamente alemã supervisionará bancos alemães. Ponto final.

O mesmo acontecerá com as compras de bônus que o Sr. Draghi sabe que são cruciais para que o BCE recupere algum controle sobre as taxas de juros que a periferia paga. O governo alemão quer ver o Sr. Draghi fazer o necessário para comprar mais um ano de sobrevida para a Eurozona (como fez, faz agora um ano, com LTRO). Mas nem pensar em consertar o sistema de uma vez por todas. Solução definitiva daria impulso à constituição de uma verdadeira união bancária. Isso é exatamente o que os bancos privados radicados em Frankfurt não querem, de maneira alguma.

Assim sendo, que ninguém se surpreenda quando o Sr. Draghi declarar que o BCE:

(a) terá papel limitado na supervisão bancária; e
(b) comprará só papéis italianos e espanhóis de curto prazo, tentando fazer baixar os diferenciais da dívida com vencimentos inferiores a um, dois anos.

É receita que lhe meteram goela abaixo. E reflete objetivo muito estranho: seguir o que determinam os banqueiros alemães.

Conclusão

A área da moeda comum está fraturada. De fato, já nem há área de moeda comum, mas uma área onde se usa a mesma moeda. Para começar a recompor o sistema destroçado, sem adotar medidas radicais (como as que sugerimos em Modest Proposal), o BCE tem de converter-se em equivalente da FDIC [Federal Deposit Insurance Corporation, a agência federal norte-americana de garantia de depósitos] e do Federal Reserve; e deve, além disso, trabalhar para converter os mecanismos europeus de estabilidade financeira (European Financial Stability Facility-European Stability Mechanism, EFSF-ESM) num programa TARP (Troubled Asset Relief Program) europeu. No momento certo, deve lançar um programa de flexibilização quantitativa assimétrico destinado à Periferia, para restaurar os circuitos de uma união monetária propriamente dita.

Muito temo que, desgraçadamente, não será permitido ao BCE fazer nada disso. Ou estou muito enganado, ou o anúncio do Sr. Draghi, dia 6 de setembro próximo, mostrará que o papel de supervisão bancária do BCE – crucialmente importante – está sendo sabotado por uma Alemanha decidida a manter inalterada a relação tão promíscua quanto pouco saudável, entre a banca privada alemã e os políticos alemães.

No que tenha a ver com a flexibilização quantitativa, o BCE só será autorizado a embarcar num programa de compras limitadas. Será o modo de comprar um pouco mais de tempo de sobrevida para a Eurozona, que continuará estagnada. [2]

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Notas dos tradutores:

[1] LTRO é a sigla de Long-Term Refinancing Operation [operação de refinanciamento com prazos longos]. É sistema de financiamento iniciado pelo Banco Central Europeu (BCE) em dezembro de 2011, pelo qual o BCE emprestou dinheiro aos bancos europeus que solicitaram, a ser pago em três anos, com juros de 1%. No final de fevereiro de 2012, o BCE organizou uma segunda oferta de empréstimos a bancos, conhecida como “LTRO 2”. Somadas as duas operações, o BCE emprestou a bancos europeus cerca de 1 bilhão de euros. O objetivo das LTROs foi o BCE oferecer financiamentos a juros baixos a bancos, para evitar o colapso do sistema bancário europeu, em momento em que os bancos enfrentavam dificuldades para financiar os mercados [Nota dos tradutores ao espanhol Minima Estrella (NTsEME).

[2] Varoufakis acertou a previsão [NTsEME].
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Nota de rodapé

[A] Em artigo recente, publicado depois de essa nota estar escrita e também no Financial Times, Wolfgang Münchau comenta que o Sr. Schäuble trata a união bancaria como se fosse instrumento para reforçar a concorrência no setor bancário (por isso se centra só nos grandes bancos), quando se trata, afinal, de supervisionar as estratégias especulativas dos bancos e a extensão do estado de insolvência que os bancos estão escondendo.

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