4/9/2012, Yanis Varoufakis, Γιάνης
Βαρουφάκης
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Yanis Varoufakis |
Em
abril de 2011 escrevi artigo sob esse título (It is the German banks
stupid), em que argumentei que a razão primordial pela qual a
Europa deixava crescer uma crise de dívida totalmente evitável que engoliria a
Periferia era o estado lastimável dos bancos alemães, assim como a determinação
do governo alemão de nada fazer que pudesse deixar ver a precária situação
daqueles bancos. Chamei àquilo “a Grande Encruzilhada Bancária”: como lidar com
as dívidas públicas da Periferia, sem deixar descobertos os buracos negros da
banca privada alemã (e, menos ainda, da banca francesa).
Naquele artigo, expus minha opinião
de que os poderes que há em Frankfurt e em Berlim andavam muito ocupados e
preocupados com a banca alemã:
Só que nada transparece, tudo fica
em segredo, portas fechadas [aqueles poderes em Frankfurt e Berlim ]
lutando para encontrar solução para a Grande Encruzilhada Bancária, de costas
para os povos da Europa e bem longe dos olhos da opinião pública. Suas
deliberações entraram agora em nova fase, induzida pela crise da dívida grega.
Ou muito me engano, ou a crise grega, por monstruosa que resulte para os
parâmetros gregos, não passa de pequena preocupação para os países europeus
superavitários. Soma bruta que está entre 200 e 300 bilhões de euros poderia ser
muito facilmente reestruturada ou, pelo menos, dar resultado diferente,
perfeitamente abordável. A relevância dessa dívida tem a ver com a oportunidade
que dá à Alemanha para revisar completamente o desastre que é o sistema bancário
europeu. A reestruturação da dívida grega, com suas repercussões para os bancos
europeus, é útil caso para estudo: um ensaio geral, um pretexto para iniciar um
processo no qual a Grande Encruzilhada Bancária seja, afinal, levada a
sério.
Mário Draghi Presidente do BCE |
Desde
que escrevi isso, muita água correu sob a ponte. A dívida grega foi
reestruturada quase um ano depois (e voltará, em breve, a ser novamente
reestruturada) e, o que é mais importante, as perdas dos bancos foram
massivamente transferidas aos contribuintes da Europa Setentrional pelas
seguintes duas vias:
(a) acordos gangantuescos de “empréstimos” de
resgate a quatro países da Eurozona (Grécia, Irlanda, Portugal e, agora, Chipre;
e mais um, país muito mais significativo, a Espanha); e
(b) as políticas LTROs [1] do Banco Central Europeu (BCE)
bombearam liquidez no montante de 1 bilhão de euros para os bancos da Eurozona,
a maioria dos quais estavam insolventes.
Tragicamente,
essa transferência da “dor” em grande escala, dos bancos para os contribuintes
mediante as instituições da Eurozona em nada contribuíram para deter a crise. E
por que seria diferente? Em vez de instituir as ferramentas institucionais
necessárias para reverter o efeito dominó, uma mera transferência de dor, de uma
entidade insolvente para outra, não proporciona qualquer alívio. De modo, então,
que estamos hoje já em fase adiantada da desintegração da área da moeda comum.
Há alguns dias, o próprio BCE revelou a magnitude da desintegração: as empresas
espanholas pequenas e médias pagam taxas de juro que, em média, estão hoje 210
pontos básicos acima do que pagam as empresas alemãs comparáveis, para obter
empréstimos de até 1 milhão de euros.
Se
se recorda que a ideia de moeda única em mercado único era criar as condições
para que os preços de bens homogêneos convergissem (e a moeda tinha de ser o
mais homogêneo de todos os bens!), a diferença de 210 pontos básicos entre
empresas de rentabilidade comparável, localizadas na mesma zona econômica, não
só beira o completo escândalo: também é manifestamente insustentável. Se os
mercados funcionam adequadamente, o “preço do dinheiro” (a taxa de juros)
deve(ria) ser igual em todas as partes da mesma zona monetária, se os
prestatários resultam semelhantes quanto a credibilidade, rentabilidade,
expectativas, etc. Quando se constata imensa diferença de 210 pontos básicos
entre agentes comparáveis do setor privado, cortesia exclusivamente da
localização geográfica, então se pode ter certeza de que nossa união monetária
deixou de funcionar.
Nada
há de discutível ou problemático nessa afirmação. Nossos políticos sabem que a
situação em que estamos é, sim, precisamente essa. Já disseram, bem claro, na
reunião de Cúpula da União Europeia, em junho passado, quando acertaram entre
eles instituir uma união bancária como meio para reverter o processo de
desintegração. Poucas semanas depois, o Sr. Draghi revelou também que não abriga
nenhuma dúvida quanto a isso, declarando, categoricamente, que o BCE atuaria
decisivamente e anunciando um grande... novo anúncio, para 6 de setembro
próximo. A única coisa sobre a qual reina real suspense é a que distância ficará
o anúncio do Sr. Draghi, do que ele quer anunciar?
Não
há dúvida alguma: Draghi quer que o BCE desempenhe papel ativo na supervisão da
união bancária (supervisionando os bancos de toda a Eurozona e, ainda assim,
autoatribuindo-se o poder para liquidar bancos que se considerem insolventes).
Sabemos disso porque ele mesmo disse, porque manifestou também claro desejo de
intervir também nos mercados de ações, especialmente nos da Itália e Espanha,
para por freio às enormes diferenças que impedem o BCE de aumentar a oferta
monetária para (ou reduzir os tipos de juros) da Periferia. Permitirão que
Draghi faça tudo isso? Ou a oposição na Alemanha atravessar-se-á no caminho de
Draghi?
Wolfgang Schäuble, Ministro das Finanças da Alemanha |
Veremos.
Mas já há indícios de que, sim, se atravessarão à frente de Draghi. Dia 30 de
agosto passado, o Ministro alemão das Finanças tomou a rara providência de
publicar coluna assinada no Financial Times intitulada How to protect EU taxpayers against
bank failures [“Como proteger o contribuinte da União
Europeia contra quebra de bancos”]. Leitura apressada poderia confundir o leitor
e levá-lo a concluir que o Sr. Schäuble é completamente a favor de centralizar a
supervisão de todos os bancos sob o patrocínio do BCE do Sr. Draghi. Pois se
trata, exatamente, do contrário disso. Se se lê com atenção, a coluna é um
manifesto a favor de o BCE deixar de ter papel decisivo na supervisão e
liquidação de bancos! “Não se pode esperar que um cão de guarda europeu
supervisione diretamente todas as entidades creditícias regionais – 6.000, só na
Eurozona – de modo efetivo”, escreveu o Ministro das Finanças alemãs.
Artigo
decodificado: a supervisão dos bancos continuará nacional, tal qual é hoje. O
BCE só observará por cima do ombro dos supervisores nacionais, sem ter efetivo
poder para demitir os tais diretores, impor sanções de capital ou, sendo
necessário, liquidar bancos. Dito de outro modo: quando o Sr. Schäuble sugere
que o BCE “deveria centralizar sua direta supervisão sobre bancos que possam
significar risco sistêmico no nível europeu”, é como se dissesse que o Deutsche Bank deve ser supervisionado
pelo BCE, mas não as Caixas de Poupança provinciais, Bankia, Dexia e todos os bancos menores, cujos
destinos estão inextrincavelmente ligados a outros grandes bancos como o Deutsche Bank (incluídas suas próprias
filiais, muitas vezes na penumbra). [A] É o mesmo que sugerir que o BCE
será banco supervisor, só no nome.
Em
uma palavra: o Ministro das Finanças da Alemanha atirou-se às páginas do
Financial Times para paralisar o Sr. Draghi com a seguinte tese,
convenientemente camuflada:
O
BCE terá funções cerimoniais de supervisor de bancos, possivelmente encarregado
de supervisionar os bancos espanhóis, italianos, gregos. Mas, no que tenha a ver
com bancos alemães, já fica dito, inequivocamente, que mantenha distância.
Nenhum agente de supervisão que não seja supervisão genuinamente alemã
supervisionará bancos alemães. Ponto final.
O
mesmo acontecerá com as compras de bônus que o Sr. Draghi sabe que são cruciais
para que o BCE recupere algum controle sobre as taxas de juros que a periferia
paga. O governo alemão quer ver o Sr. Draghi fazer o necessário para comprar
mais um ano de sobrevida para a Eurozona (como fez, faz agora um ano, com LTRO).
Mas nem pensar em consertar o sistema de uma vez por todas. Solução definitiva
daria impulso à constituição de uma verdadeira união bancária. Isso é exatamente
o que os bancos privados radicados em Frankfurt não querem, de maneira alguma.
Assim
sendo, que ninguém se surpreenda quando o Sr. Draghi declarar que o BCE:
(a) terá papel limitado na supervisão
bancária; e
(b) comprará só papéis italianos e
espanhóis de curto prazo, tentando fazer baixar os diferenciais da dívida com
vencimentos inferiores a um, dois anos.
É
receita que lhe meteram goela abaixo. E reflete objetivo muito estranho: seguir
o que determinam os banqueiros alemães.
Conclusão
A
área da moeda comum está fraturada. De fato, já nem há área de moeda comum, mas
uma área onde se usa a mesma moeda. Para começar a recompor o sistema
destroçado, sem adotar medidas radicais (como as que sugerimos em Modest Proposal), o
BCE tem de converter-se em equivalente da FDIC
[Federal Deposit Insurance Corporation, a agência federal norte-americana
de garantia de depósitos] e do Federal Reserve; e deve, além disso,
trabalhar para converter os mecanismos europeus de estabilidade financeira
(European Financial Stability Facility-European Stability Mechanism,
EFSF-ESM) num programa TARP (Troubled Asset Relief Program)
europeu. No momento certo, deve lançar um programa de flexibilização
quantitativa assimétrico destinado à Periferia, para restaurar os circuitos de
uma união monetária propriamente dita.
Muito
temo que, desgraçadamente, não será permitido ao BCE fazer nada disso. Ou estou
muito enganado, ou o anúncio do Sr. Draghi, dia 6 de setembro próximo, mostrará
que o papel de supervisão bancária do BCE – crucialmente importante – está sendo
sabotado por uma Alemanha decidida a manter inalterada a relação tão promíscua
quanto pouco saudável, entre a banca privada alemã e os políticos alemães.
No
que tenha a ver com a flexibilização quantitativa, o BCE só será autorizado a
embarcar num programa de compras limitadas. Será o modo de comprar um pouco mais
de tempo de sobrevida para a Eurozona, que continuará estagnada. [2]
__________________
Notas
dos tradutores:
[1] LTRO é a sigla de
Long-Term Refinancing Operation [operação de refinanciamento com prazos
longos]. É sistema de financiamento iniciado pelo Banco Central Europeu (BCE) em
dezembro de 2011, pelo qual o BCE emprestou dinheiro aos bancos europeus que
solicitaram, a ser pago em três anos, com juros de 1%. No final de fevereiro de
2012, o BCE organizou uma segunda oferta de empréstimos a bancos, conhecida como
“LTRO 2” .
Somadas as duas operações, o BCE emprestou a bancos europeus cerca de 1 bilhão
de euros. O objetivo das LTROs foi o BCE oferecer financiamentos a juros baixos
a bancos, para evitar o colapso do sistema bancário europeu, em momento em que
os bancos enfrentavam dificuldades para financiar os mercados [Nota dos
tradutores ao espanhol Minima
Estrella (NTsEME).
[2] Varoufakis acertou
a previsão [NTsEME].
______________________
Nota
de rodapé
[A] Em artigo recente,
publicado depois de essa nota estar escrita e também no Financial Times,
Wolfgang Münchau comenta que o Sr. Schäuble trata a união bancaria como se fosse
instrumento para reforçar a concorrência no setor bancário (por isso se centra
só nos grandes bancos), quando se trata, afinal, de supervisionar as estratégias
especulativas dos bancos e a extensão do estado de insolvência que os bancos
estão escondendo.
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