sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Pepe Escobar: “EUA - a mágica terrorcrática”


26/9/2012, Pepe Escobar, Al-Jazeera
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Pepe Escobar
A guerra ao terror inventada pelo governo Bush é como um maná que não para de cair do céu – por vias não exatamente muito misteriosas.

Na mesma semana da Assembleia Geral da ONU – em que competiam discursadores como o presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad e o primeiro-ministro de Israel Bibi Netanyahu – o governo dos EUA tira da lista dos grupos terroristas o grupo anti-Irã, com base no Iraque, conhecido como Mujahideen-e-Khalq (MEK).

Jamal Abdi
Jamal Abdi, diretor de política do Conselho Nacional Americano Iraniano [orig. National Iranian American Council (NIAC)] não precisou de muitas palavras para explicar do que se trata:

A decisão abre o caminho para que o Congresso aprove envio de dinheiro ao MEK para promover novos ataques terroristas no Irã e tornar muito mais provável a guerra contra o Irã. Além disso, a decisão agride diretamente o movimento pacífico pró-democracia no Irã e destrói alguma boa imagem dos EUA que ainda haja entre os iranianos comuns.  [1]

Segundo o jornal iraniano pró-democracia Kaleme – dirigido pelo Movimento Verde – “não há organização, nem partido, nem culto mais infame que o MEK, na opinião pública da nação iraniana”. Indiscutível. Milhões de iranianos desprezam grupos de fanáticos armados, do tipo MEK, especialmente porque foram aliados de Saddam Hussein durante a guerra Irã-Iraque, de 1980 a 1988.

O Mujahideen-e-Khalq foi definitivamente removido da lista de “organizações terroristas” pelos EUA esta semana 
Durante a guerra, a ideia fixa e obsessiva dos MEK era destruir o Supremo Líder Aiatolá Khomeini. Nunca chegaram nem perto de ter alguma chance, porque não passavam de exército de fanáticos maltrapilhos reunido no Iraque, que lançou ofensiva patética em território do Irã, em 1988.

Depois do cessar-fogo Teerã-Bagdá, negociado pela ONU em 1988, o MEK continuou ativo no Iraque de Saddam durante os anos 1990s – já então dedicado a atacar os curdos iraquianos. Foi quando o governo Clinton incluiu o grupo na lista de “terroristas” – responsável pelo assassinato de cidadãos norte-americanos no Irã, antes da Revolução Islâmica.

Unha e carne com o pessoal do Mossad

Uma das principais razões para a recente “promoção” é que o MEK parece ter concordado em deixar sua base no Iraque em Camp Ashraf  [2] e está de mudança para um novo campo construído pelos EUA próximo a Bagdá.

Camp Ashraf (Iraque) - Vista aérea
Apesar da catarata de desmentidos e negativas, todos os botequins em todo o Oriente Médio sabem que os terroristas do MEK são treinados – e pagos – por Washington e Telavive, o que inclui treinamento em território dos EUA.  

Porque o MEK e seu autodefinido “setor político” – Conselho Nacional de Resistência do Irã [orig. National Council of Resistance of Iran (NCRI) – são fontes conhecidas (extremamente pouco fidedignas) de informação de inteligência, para os EUA, sobre o programa nuclear iraniano.

Dana Rohrabacher
Em fevereiro, a rede de televisão NBC News admitiu que “atentados mortais contra cientistas nucleares iranianos” eram executados por membros do MEK, “financiados, treinados e armados pelo serviço secreto de Israel”. Muito previsivelmente, a rede NBC atentamente não investigou qualquer conexão com os EUA.

Também muito previsivelmente, o Congresso dos EUA – cuja popularidade está em níveis muito baixos – irrompeu em manifestações de alegria e felicidade e saudou a decisão do Departamento de Estado, com especial destaque para os suspeitos de sempre como Dana Rohrabacher (Republicano da California), Ileana Ros-Lehtinen (Republicana da Florida e presidente da Comissão de Relações Internacionais da Câmara de Deputados) e Ted Poe (Republicano do Texas). Todos esses saudaram o MEK como “organização democrática”.

Ileana Ros-Lehtinen
Quer dizer... Como se consegue ser promovido, de terrorista, a democrata? Essa é fácil. Basta contratar a melhor equipe de lobbying que o dinheiro possa comprar e investir pesado em “Relações Públicas” eficazes.

No caso dos ex-terroristas e atuais democratas do MEK, foi serviço de três grandes firmas de lobbying de Washington: DLA Piper; Akin Gump Strauss Hauer & Feld; e DiGenova & Toensing. As três embolsaram cerca de 1,5 milhão de dólares, ano passado, para “democratizar” os MEK a qualquer custo.

Mais uma vez se comprova que esse é o meio certo e provado para enterrar história sangrenta de atentados à bomba e assassinatos que mataram, não só empresários norte-americanos e cientistas iranianos mas, também, milhares de civis iranianos jamais contabilizados.

Ted Poe
Nada como o toque cool de um especialista em Relações Públicas – PR, em inglês, por favor, sempre – para reformatar um bando de doidos assassinos e reapresentá-los como leais aliados dos EUA na luta contra o regime de Teerã “do mal”. Deputados, senadores e os proverbiais exércitos de “ex-ministros” e ex-altos funcionários de ex-governos – onipresentes na mídia – são os puxa-sacos e mercenários que se prestam a esse tipo de serviço.

Como é que a al-Qaeda nunca pensou nisso?!

O modo “terrorcrático” de governar

O dinheiro do MEK – doações da diáspora iraniana canalizado por uma rede do organizações de fachada na Florida, no Texas, no Colorado e na California – comprou um gordo portfólio bipartidário.

Lá estão todos, do ex-prefeito de New York e eterno relembrador do 11/9, Rudy Giuliani, ao jornalista Carl Bernstein; no mínimo, dois ex-diretores da CIA; o ex-governador da Pennsylvania, Ed Rendell; o ex-chefe da OTAN, Wesley Clark; o ex-governador do Novo México, Bill Richardson; e o ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas dos EUA, general Hugh Shelton.

Está provado, por exemplo, que Shelton, o ex-diretor do FBI, Louis Freeh e o ex-procurador-geral dos EUA, Michael Mukasey (que examinava casos de terrorismo), dentre outros, comprovadamente receberam dinheiro. Os jornais já publicaram o que se pode aceitar como satisfatória lista dos que se uniram ao bando. [3]

Maryam Rajavi
Em junho, o ex-candidato Republicano à presidência Newt Gingrich foi a Paris para participar de um evento pro-MEK ao lado da co-líder do “movimento”, Maryam Rajavi.

O Departamento do Tesouro iniciou investigação [4] de “contribuições para financiar palestrantes” – algumas contribuições chegam a $40 mil – recolhidas em nome do MEK. Mas nada garante que essa investigação progrida. Em casos que envolviam o Hamás e o Hezbollah, gente foi para a cadeia por oferecer apoio financeiro indireto a essas organizações. Mas, ora... Essas organizações não foram promovidas ao status de “democráticas” nos EUA.

E há o ângulo Clinton, mais estranho a cada minuto.

O MEK foi incluído na lista das organizações terroristas no governo Clinton, porque Bill Clinton tentava seduzir o ex-presidente do Irã, Muhammad Khatami. Agora, como secretária de estado, Hillary Clinton divulgou informação secreta [5] sobre o MEK ao Congresso a qual, certamente, envolve a identidade de cientistas nucleares iranianos. 

Assim, de fantoche de Saddam, o MEK finalmente conseguiu ser promovido a fantoche da CIA e do Mossad. Esperem, doravante, a torrente de “funcionários do governo dos EUA que pediram para não ser identificados” de sempre, a repetir que a promoção não implica que o governo dos EUA tenha passado a apoiar oficialmente os doidos do MEK. Teremos mais um caso de “liderar pela retaguarda”.

Desnecessário dizer que a coisa também opera como golpe de “PR” de valor inestimável a favor da ditadura do mulariato em Teerã – que não poupará ninguém, na operação para provar que Washington amasiou-se com grupo de terroristas conhecidos, que até a inteligência dos EUA já admitiu que agiu como facilitador no assassinato à moda Mossad de cientistas iranianos.

Grupos terroristas do mundo, uni-vos. Nada tendes a perder além da proibição de subir no elevador de uma das empresas-ás de PR de Washington. É mais que hora de reposicionarem as respectivas marcas: todos têm idêntico direito ao título de “organizações terrorcráticas”.

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Notas de rodapé

[1]  21/9/2012, NIAC - National Iranian American Council, em: “MEK Delisting is a Gift to the Regime, a Disaster for the Iranian People and the U.S.

[2]  28/9/2012, The Washington Times (via Camp Ashraf), Ashish Kumar Sem em: U.S. Takes Iranian Dissident Group MeK Off Terrorist List


[4]  20/3/2012, The Hill, Kevin Bogardus em: Federal investigation of Iran dissident group bypasses K Street firms

[5]  22/9/2012, Al Jazeera, em: US set to remove 'terrorist' label on MEK

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