Quando a política virou business
24/9/2012, Jill Lepore, New Yorker
Traduzido pelo pessoal da Vila
Vudu
Jill Lepore |
“Eu, Governador da Califórnia,
e Como Erradiquei a Pobreza”, livro de Upton Sinclair [1],
é provavelmente a mais excitante peça de campanha eleitoral jamais escrita. Em
vez do vazio de sempre, Sinclair, autor de 47 romances, entre os quais, e mais
famoso, “A Selva” [The Jungle] escreveu... um romance, uma peça de
ficção. “Eu, Governador da Califórnia”, publicado em 1933, anunciava a
candidatura de Sinclair sob a forma de uma história ‘no futuro’, na qual
Sinclair é eleito governador em 1934 e, já em 1938 havia erradicado a pobreza.
“Que me conste”, o autor observava, “é a primeira vez que um romancista decidiu
tornar realidade a própria ficção”.
O
livro tinha apenas 64 páginas, mas vendeu 150 mil exemplares em quatro meses.
Capítulo 1: “Numa noite, em agosto de 1933, cinco membros do
Comitê Central do Partido Democrata no Condado reuniram-se para a 16ª Assembleia
Distrital do Estado da Califórnia”. Pode não parecer grande coisa, se você
esqueceu que, naquele momento, a Califórnia era estado de partido único: em
1931, praticamente todas as 120 cadeiras na Assembleia estadual eram ocupadas
por Republicanos; nenhum representante Democrata tinha comitê de alcance
estadual na Califórnia. Vale lembrar também que o desemprego, no estado, estava
em 29%. Voltando àquela reunião, em agosto de 1933: “O objetivo da reunião era
discutir com Upton Sinclair a possibilidade de registrar-se como membro do
Partido Democrata e, nessa condição, apresentar-se como candidato ao Governo da
Califórnia”. E se Sinclair, socialista conhecido, uma vida inteira dedicada ao
socialismo, concorresse como Democrata? Que magnífica virada na trama!
A
coisa realmente esquenta depois que Sinclair adota, como slogan de campanha, a
frase “END POVERTY IN CALIFÓRNIA” [Erradicar a pobreza na Califórnia] (“Alguém
lembrou que com as iniciais dessas palavras podia-se escrever “EPIC” [épico]”);
como emblema de campanha, atropela a águia e o falcão (“pessoalmente, não tenho
nenhuma simpatia por aves de rapina” – o candidato repete) em favor de uma
abelhinha trabalhadeira (“abelhas trabalham duro e, melhor que isso, são muito
bem equipadas para a autodefesa”); expõe seu programa de fábricas e fazendas em
cooperativa que implementaria sua filosofia de “produção para o uso”, não para o
lucro; propõe acabar com os impostos sobre produtos comprados e criar um imposto
sobre a renda, algo como 30% sobre tudo que alguém ganhe acima de 50 mil
dólares/ano; e promete, não só abrir as portas do Inferno, mas, sobretudo, ser
eleito.
Upton Sinclair |
Seja
como for, foi terrível choque para praticamente todo o mundo quando, em agosto
de 1934, Sinclair obteve a indicação do Partido Democrata, com mais votos do que
qualquer candidato em qualquer primária na Califórnia jamais obtivera. Acontece
assim também no romance – que é o que torna a leitura tão excitante (ou, para
muita gente, tão apavorante): constatar que aconteceu, passo a passo, o que
Sinclair imaginara que aconteceria. Capítulo 4: “Notícias de que os eleitores
Democratas da Califórnia associaram o Partido ao plano EPIC causaram furor em
todo o país.” ACONTECEU. “Resultou em ampla discussão do plano em revistas
nacionais, o que levou à constituição de um Comitê EPIC Nacional.” Na prática,
foi isso! “Declaração de apoio a Sinclair para Governador, assinada por uma
centena de grandes autores, e grupos de intelectuais, por todo o país,
recomendando a adoção do plano EPIC para outros estados e municípios. Grupo de
economistas de visão apoiaram o plano e cartas chegavam, de grande grupo de
senadores dos EUA e de cerca de 50 deputados”. OK. Isso jamais aconteceu.
Em 1934, Sinclair explicou o que
acontecera naquele ano eleitoral, numa continuação não ficcional do romance, que
levou o título de “Eu, Candidato a Governador, e Como Fui Detonado” [“I,
Candidate for Governor, and How I Got Licked] [2].
“Quando eu era menino, o presidente da Universidade de Harvard escreveu sobre “o
intelectual na política” – Sinclair começou. “Narro aqui como um intelectual
entrou na política e o que lhe aconteceu”. “Como fui Detonado” foi publicado em
capítulos em 50 jornais. No relato, Sinclair conta como, imediatamente depois da
Convenção Democrata, oLos Angeles Times passou a publicar, na primeira
página, um Box com frases de autoria de Upton Sinclair; e continuou, sem
parar, todos os dias, por seis semanas, até a abertura das urnas. “Lendo aquilo,
todos os dias” – Sinclair escreveu – “compreendi que a eleição estava perdida”.
Sinclair
foi detonado – escreveu ele mesmo – porque a oposição montou o que Sinclair
chamou de “uma fábrica de mentiras”. “Contaram-me que havia uma dúzia de
jornalistas vasculhando bibliotecas e copiando cada palavra que eu algum dia
publicara.” Acharam frases que escreveu em romances, falas de personagens de
ficção, e publicavam, todos os dias, como se o próprio Sinclair as tivesse dito.
“Tinham uma legião de especialistas em química política, fabricando venenos para
lançar nos ares da Califórnia todos os dias, um por dia, por cem dias”. Na
verdade, naquele momento, foram apenas dois jornalistas. E a empresa não se
chamava Fábrica de Mentiras. Chamava-se Campaigns Inc. (Campanhas e Cia.
Ltda.).
Campaigns,
Inc. foi a primeira empresa de consultoria política [chamadas também empresas de “marketing político”, no Brasil (NTs)] – da
história universal, fundada em 1933 por Clem Whitaker e Leone Baxter. Whitaker,
34 anos, começara a vida como jornalista júnior, bem júnior, de fato: começou a
trabalhar como repórter aos 13 anos. Aos 19, já era editor de Cidade, no jornal
Sacramento Union; poucos anos depois, colunista de Política do San
Francisco Examiner. Era extrovertido e enturmável, tinha orelhas enormes,
fumava muito e jamais parava de falar e datilografava só com os dedos
indicadores. Criou uma agência de distribuição de notícias por telégrafo, Capitol News Bureau, e distribuía
matérias para 80 jornais. Em 1930, vendeu sua empresa para a United Press. Três anos depois, foi
contratado, por seu engenho político, por, dentre outros, Sheridan Downey,
Democrata proeminente, para ajudá-lo a derrotar um referendum patrocinado
pela empresa Pacific Gas and
Electric. Downey também contratou Baxter, viúva, 36 anos, que escrevera para
o Portland Oregonian, e sugeriu que se unissem as forças, dela e de
Whitaker.
Leone Baxter e Clem Whitaker |
Baxter
era mignonne, rosto bonito, cabelo ruivo, elegante. Costumava dizer “Oh,
ele foi tão fofo” – de quem gostava. Whitaker usava ternos sempre maiores ou
menores que ele; os vestidos de Baxter caíam nela como cairiam em Audrey Hepburn.
Whitaker e Baxter começaram os negócios da empresa Campaigns,
Inc.. Derrotaram o referendo. Whitaker divorciou-se. Em 1938, casou com Baxter.
Viviam em Marin County, em casa
com piscina aquecida. Começavam o dia com um café da manhã de
duas horas, para planejar o dia. Ela às vezes o chamava de Clem; ele sempre a
chamou de Baxter.
Em 1934, quando Sinclair ganhou a
indicação como candidato dos Democratas, escolheu Downey como candidato a
vice-governador (“Uppie and Downey” [3]
era o apelido da dupla.) Trabalhar para o Democrata Downey fora uma aberração
para Whitaker e Baxter, gente que, como se dizia, “só trabalha no lado
Direita da rua”. A empresa Campaigns, Inc., especializara-se em campanhas
políticas para empresas, sobretudo para monopólios do tamanho da Standard Oil e
Pacific Telephone & Telegraph. A Pacific Gas & Electric ficou tão
impressionada, que contratou Campaigns, Inc. com exclusividade.
A
consultoria política é quase sempre vista como descendente da indústria da
publicidade. Melhor será dizer que a indústria da publicidade é que nasceu como
modalidade da consultoria política. Como o cientista político Stanley Kelley
explicou certa vez, quando a moderna publicidade nasceu, os grandes clientes
tinham tanto interesse em promover uma agenda política quanto uma agenda
comercial. Monopólios como Standard Oil e DuPont tinham péssima imagem junto ao
grande público: eram vistos como gananciosos e cruéis e, no caso da empresa
DuPont, que fabricava munição, sinistra. Então, contrataram empresas de
publicidade para encher a opinião pública com ideias positivas sobre “grandes
corporações” e, não por acaso, também para apressar a aprovação de leis
pró-business. Sinclair falava sobre esse tipo de coisa, quando disse que
a história dos EUA foi uma batalha entre o business e a democracia, e
“Até agora” – escreveu ele – o big business venceu todas as escaramuças”.
Como muitos Republicanos da
Califórnia, Clem Whitaker e Leone Baxter, que eram propagandistas a soldo da
Liga Californiana Contra o Sinclairismo, ficaram horrorizados ante a
possibilidade de ter Sinclair no governo do estado. [4]
Tinham
de trabalhar rápido. Foram contratados apenas dois meses antes das eleições, por
George Hatfield, candidato a vice-governador numa chapa Republicana que levava,
na cabeça, o governador então no cargo, Frank Merriam. Mas não foram contratados
para eleger ninguém. Foram contratados para destruir Sinclair. Começaram por
trancarem-se, os dois, numa sala, por três dias, com tudo que Sinclair algum dia
publicara. “Upton foi derrotado” – disse Whitaker mais tarde, “porque escrevera
livros. Daí nasceram os boxes diários no L.A. Times. Um deles, por
exemplo:
SINCLAIR
SOBRE O CASAMENTO:
“A santidade do matrimônio... Antigamente, cheguei a acreditar... Hoje, não, já
não creio nisso.
A
frase, como Sinclair explicou em “Como Fui Detonado”, foi tirada de uma
passagem, em seu romance de 1911, “Love’s Pilgrimage”, na qual um dos
personagens escreve carta de absoluta depressão a um homem que estava tendo um
caso com sua mulher. (A novela, detalhe que, adiante, gerou terrível embaraço
para Sinclair, é relato autobiográfico de um desastrado primeiro casamento, que
terminara em 1912, quando Sinclair pediu o divórcio e citou um evento de
adultério. Em 1913, casou-se com sua segunda esposa e viveram juntos até a morte
dela, em 1961.) “Claro que as citações não tinham importância alguma” – Baxter
disse mais tarde. “Mas só tínhamos um interesse: impedir que ele chegasse ao
governo do estado”.
Sinclair
perdeu. Provavelmente, teria sido péssimo governador. Mas não é disso,
absolutamente, que se trata.
*******
Nenhum
evento isolado alterou tanto o modo como opera a democracia nos EUA, no século
20, como a “consultoria política”, “consultoria para políticos”, “consultoria
eleitoral” (ou, como se chama no Brasil,
o “marketing político” [NTs]),
indústria completamente desconhecida antes de Campaigns, Inc. Nas décadas
intermédias do século 20, esses “consultores” políticos (“marketeiros” políticos, no Brasil
[NTs]) tomaram o lugar dos partidos e das cabeças pensantes que haja nos
partidos, como condutores do poder político. Nenhum deles é eleito por votos dos
cidadãos: todos são eleitos pelo dinheiro. Whitaker e Baxter foram os primeiros
a fazer da política, business.
“Um
eleitor, um consumidor” ouvia-se ainda há pouco tempo, como mantra
repetido por uma dessas empresas de consultoria política. A frase também foi
criada por Campaigns Inc..
O
“gerenciamento” político de campanhas eleitorais é hoje indústria diversificada,
de muitos bilhões de dólares, com “coordenadores” de campanha, redatores de
discursos, “pesquisadores”, jornalistas e publicitários que têm papel
definitório em tudo, da campanha para eleger o presidente dos EUA às campanhas
para eleger o Comitê financeiro da escola do quarteirão. (Atualmente, as
campanhas nunca terminam. E os “marketeiros” não têm de se ocupar só das
campanhas: eles também têm de governar! Mitt Romney, perguntado pelo corpo
editorial do Wall Street Journal sobre como selecionaria os membros de
seu Gabinete, disse que, provavelmente, contrataria McKinsey para decidir).
Mas,
por muitos anos, Whitaker e Baxter não tiveram concorrentes, razão pela qual,
entre os anos de 1933
a 1955, venceram 70 das 75 campanhas nas quais
trabalharam. As campanhas para as quais trabalharam, porque escolheram trabalhar
nessas, não em outras, e o modo como conduziram as campanhas modelaram a
história do estado da Califórnia e a história dos EUA. De fato, Campaigns, Inc.
continua, até hoje, a modelar a política nos EUA.
Em
1934, Upton Sinclair foi detonado, mas muitos candidatos da linha “EPIC” de
“Erradicar a Pobreza na Califórnia” foram eleitos, pelo Partido Democrata. A
Califórnia tornou-se estado de dois partidos. 24 candidatos pró-EPIC, entre os
quais um advogado de Los Angeles de nome Culbert Olson, assumiram como deputados
na Assembleia estadual e, quatro anos depois, Olson, já líder da bancada EPIC no
estado, foi eleito governador. Olson nomeou Carey McWilliams, também advogado em
Los Angeles, além de jornalista e autor de livros, para dirigir a Divisão
Estadual na Califórnia para Imigração e Moradia.
Em
1938, McWilliams, amigo de Sinclair, fizera campanha pró-Olson enquanto escrevia
“Factories in the Field: The Story of
Migratory Farm Labor in Califórnia” [Fábricas no Campo: História do Trabalho
Agrícola dos Imigrantes na Califórnia”] – que é como versão
sociológico-histórica científica, não ficcional, de “As vinhas da Ira”. Os dois
livros foram publicados em 1939. O de Steinbeck foi proibido, e os Republicanos
da assembleia estadual da Califórnia tentaram extinguir a Divisão Estadual na
Califórnia para Imigração e Moradia, exclusivamente para conseguir a demissão de
McWilliams.
Em
1942, os Republicanos que apoiavam a candidatura do Advogado Geral do Estado,
Earl Warren, no esforço para tirar Olson do governo do Estado, convenceram
Warren a contratar Whitaker e Baxter para dirigir sua campanha eleitoral. Warren
aceitou, meio relutante. Nos anos posteriores à detonação do sinclairismo,
Whitaker e Baxter haviam incorporado algumas novas ferramentas à sua caixa de
ferramentas de campanha eleitoral. Em 1939, com panfletos como “Enganando os
Famintos”, a empresa Campaigns, Inc. havia liderado o esforço para derrotar um
projeto de lei estadual, para a Califórnia, a “Proposition 1” , objeto de referendo conhecido
como “Ovos com presunto”, que teria criado um imposto de 3% para assegurar
pensão de 30 dólares por semana a todos os cidadãos com mais de 50 anos: “ovos
com presunto às quintas-feiras”.
(Adiante,
Harper noticiou: “Em ação típica de campanha de propaganda, imprimiram
dez milhões de panfletos; enviaram 50 mil cartas para “indivíduos e funcionários
chaves de grupos organizados”; compraram 70 mil polegadas de espaço publicitário
em 700 jornais; produziram 3.000 spots de propaganda que distribuíram por
109 estações de rádio; spots filmados e curtas-metragens para exibir em
salas de 160 cinemas; 1.000 cartazes gigantes e 18-20 mil cartazes menores.”).
Em
1940, produziram material para a campanha presidencial do Republicano Wendell
Willkie, que incluía um manual para oradores, com instruções sobre como
enfrentar Democratas que houvesse entre o público: “em vez de referir-se ao
oponente como “Partido Democrata” ou “Governo do New Deal”, repita
sempre, exclusivamente, o nome do candidato”.
Whitaker
e Baxter trabalhavam como uma só cabeça, sem falhas. Respondiam junto ao
telefone. Liam a correspondência um do outro. Anualmente trocavam de postos: um
ano, o presidente era Whitaker, com Baxter vice-presidente da empresa; ano
seguinte, o contrário. Ganharam montanhas de dinheiro. Cobravam, por exemplo,
para uma campanha de referendo, algo entre 25 mil e 75 mil dólares. Exigiam
controle completo sobre o orçamento, para despesas de campanha. (Uma de suas
regras: reserve sempre 75% do orçamento que haja para o último mês antes da
votação.) A empresa lucrava algo próximo de 250 mil dólares por ano. E
Campaigns, Inc. era só uma parte do império.
Whitaker
e Baxter também comandavam uma agência de publicidade, Clem Whitaker Advertising Agency, que
cobrava de cada cliente comissão de 15% por anúncio veiculado. Tinham um serviço
de distribuição de releases por telégrafo, Califórnia Feature Service, que
distribuía um clipping de noticiário político semanal, a 1.500
“formadores de opinião”, além de charges, editoriais e artigos para 300 jornais.
Pequenos jornais do interior do estado viviam praticamente de reproduzir o que
quer que recebessem da Agência Califórnia Feature Service; publicavam tudo,
quase sempre press releases mal disfarçados como material de editoria,
sempre a favor da posição política e do político que Campaigns, Inc. estivesse
sendo paga para promover. O truque era distribuir clippings
suficientemente disfarçados para passar pelo controle dos sonolentos editores,
que nem viam que usavam, como se fosse matéria jornalística, o que não passava
de material de propaganda. Um editor de jornal californiano costumava aplicar um
teste aos seus jornalistas: “Onde está a ‘pegadinha’?” Lia o material que
recebia da Feature Service e os jornalistas tinham de detectar a frase de
propaganda.
Whitaker
e Baxter não estavam apenas inventando novas técnicas; estavam escrevendo um
manual de operação para usuários. Jamais gaste dinheiro em lobby: enrole
os eleitores. “Nossa concepção de política prática é que se você constrói um
caso suficientemente sólido para convencer ‘o pessoal lá em casa’, não é preciso
ter o senador na gaveta,” Baxter explicou. Seja pessoal: é mais fácil vender
gente [o candidato], que causas. Se você não tem oposição, se o seu candidato
não tem opositor, invente uma oposição, um opositor.
Uma
vez, trabalhando numa campanha para evitar que o prefeito de San Francisco fosse intimado para depor
à Polícia, Whitaker e Baxter construíram toda a campanha contra “O homem sem
cara” – ideia de Baxter – que assumiria a prefeitura, no caso de o prefeito
sofrer impeachment. Baxter desenhou numa toalha de mesa um homem gordo,
fumando um charuto, que se via por baixo de um chapéu que encobria o rosto; e
fez reproduzir o desenho em milhares de cartazes pela cidade, com a pergunta:
“Quem se esconde por trás da intimação ao Prefeito?”.
Finja
que você é a Voz do Povo. Whitaker e Baxter compraram tempo em rádios,
patrocinado por um “Comitê Contra a Convocação”. Uma voz cavernosa dizia “A
verdade é que a Prefeitura será destruída, trancada, chaveada, cercada, para uso
exclusivo do homem sem cara.” O prefeito não foi intimado a depor.
Ataque,
ataque, ataque, ataque. Whitaker dizia sempre: “Ninguém vence com campanha de
defesa”.
Jamais
subestime a oposição. A primeira coisa que Whitaker e Baxter sempre fizeram, ao
assumir uma campanha, era ‘hibernar’ por uma semana, para escrever um Plano de
Campanha. Depois, escreviam o Plano de Campanha da Oposição, no qual antecipavam
os movimentos de reação à campanha deles. Não há campanha sem “mote”. O “mote”
tem de ser bem simples. Se rimar, melhor. (“For
Jimmy and me, vote ‘yes’ on 3” ). Não dê explicações. “Quanto mais
você se explica, mais difícil arrancar o voto” – dizia Whitaker. Repita sempre a
mesma coisa, repita e repita. “Calculamos que se tenha de atrair sete vezes a
atenção do eleitor, para fechar uma venda”. (Whitaker) Sutilezas jogam contra.
“Palavras curtas, que colam na cabeça: é o que conta.” (Baxter). “Eles têm de
morder a isca”. Simplifique, simplifique, simplifique. “Ergue-se uma muralha” –
Whitaker advertiu –, “se você inventa de fazer o Sr. e a Sra. Eleitor
Norte-americano Médio trabalharem ou pensarem”.
Se
há faísca, assopre. “Esse país precisa de partidarismo” – disse Whitaker. Nunca
fuja da controvérsia. Ao contrário, crie controvérsias, incendeie as
controvérsias. “O norte-americano médio não quer que o eduquem; não quer ser
conscientizado; sequer deseja aplicar algum esforço, mínimo que seja, para ser
um bom cidadão” – saberes de Whitaker. “Mas há dois meios pelos quais você pode
fazê-lo interessar-se na campanha. Só dois, que já comprovamos que funcionam.”
Invente uma guerra (“eles gostam de uma boa briga, socos, pancadaria”), ou,
então, invente um show (“eles gostam de filmes, gostam de mistérios,
gostam de fogos de artifício e desfiles”): “Assim, se não se pode brigar, que
seja o show. Se você armar um circo, um bom show de circo, o Sr. e
Sra. Norte-americano Médio sairão para olhar”.
Ao
vencedor, tudo. “Se você é contratado para lançar um novo modelo de carro” –
disse Whitaker – “o cliente não espera que, no primeiro ano, ele seja o primeiro
em vendas no país. Mas, em campanhas políticas, ninguém paga placê, não
interessam o segundo colocado nem a beleza do show. É vencer ou vencer.
Se quiser continuar no ramo, vença”.
Em
1942, o problema com Earl Warren era a seriedade. Baxter disse que, para
conseguir o voto das mulheres, ele e a esposa teriam de permitir fotografias de
toda a família, com vasta divulgação. A esposa de Warren, Nina, proibiu. “Não
queria explorar a família” – contou Baxter. “Mas nós sabíamos que, sem a
família, adeus eleição”. A foto foi feita – Earl, Nina e seis filhos. Pareciam o
coral da Família Von Trapp de “A noviça rebelde”. Campaigns, Inc., distribuiu
três milhões de fotos pelo país.
Mesmo
assim, a imagem de Warren, solene, sem jamais sorrir, não ajudava. Vamos usar,
então, a seriedade, se é só o que temos. Baxter passou a dizer que a Califórnia
precisava, isso sim, de um homem sério, resoluto, em tempos de guerra. “Em
tempos de guerra, o eleitor vota anormalmente, movido ainda muito mais pelas
emoções” – Whitaker escreveu. “Nessa campanha, os eleitores terão de ouvir o
rufar dos tambores e o explodir das bombas da guerra... O tema da campanha tem
de ser “Convocação às armas, em defesa da Califórnia !”.
Warren
parecia homem “de defesa”, em parte porque, como advogado geral do estado,
defendera o confinamento, em campos de concentração, dos japoneses-americanos.
“Se os Japs forem soltos”, dizia ele, “ninguém nunca saberá se está
diante de um Jap normal ou de um Jap sabotador”. (Warren adiante,
manifestou profundo remorso por essa política e, em entrevista que deu em 1972,
até chorou). Carey McWilliams era das raras vozes dentro do governo que se
opunha aos campos de concentração para japoneses em território dos EUA. Em
campanha, Warren jurou que, se eleito, seu primeiro ato no governo seria demitir
McWilliams.
Nos
últimos 30 dias antes da eleição, Whitaker e Baxter anunciaram em 400 jornais
impressos e em 500 rádios. Congestionaram o espaço. Puseram caminhões de som nas
ruas, para fazer barulho de buzinas e motores. Atacaram as políticas econômicas
de Olson. Redigiram um manual para discursos a favor de Warren; incluía roteiro
para “Fala de seis minutos” e “Fala de 15 minutos”. (E um conselho: procure
nunca falar mais que 15 minutos – as pessoas ficam entediadas – e em nenhum caso
fale mais que meia hora).
Warren
venceu a eleição, mas não gostou do modo como a campanha fora conduzida.
Imediatamente depois de eleito, depois que Whitaker e Baxter lançaram um
press release sem seu conhecimento, Warren demitiu a dupla, que jamais o
perdoou.
No
outono de 1944, Warren foi acometido de uma grave infecção renal. A doença o fez
pensar sobre os altos custos do atendimento médico, sempre em alta, e os efeitos
catastróficos que uma doença repentina teria sobre uma família menos provida de
recursos que a dele. “Cheguei à conclusão de que o único modo de remediar essa
situação é criar uma espécie de seguro-saúde” – escreveu em suas memórias.
Mandou sua equipe desenvolver uma proposta. “Concluímos que o
seguro-saúde deveria ser recolhido pelo Sistema de Seguridade Social. Depois de
alguns estudos, decidiu-se que empregados e empregadores no SSS teriam de
contribuir com 1% e 1,5% do valor dos salários recebidos e pagos”. Depois de
reunião com a Associação Médica da Califórnia, Warren não esperava oposição dos
médicos. Assim, em janeiro de 1945, no discurso de início de ano, de relatório
de feitos e perspectivas para o futuro do estado do Estado da Califórnia, ele
anunciou sua proposta, de criar um seguro-saúde abrangente e compulsório.
Earl
Warren iniciou sua carreira política como conservador e terminou como
esquerdista, um dos mais odiados da história dos EUA. O que houve? Uma das
respostas é: Whitaker e Baxter.
Contratados
pela Associação Médica da Califórnia com remuneração anual de 25 mil dólares,
para combater o plano do governador Warren, Whitaker e Baxter tomaram uma peça
de lei que todos tinham apreciado muito e ensinou a população da Califórnia a
odiá-la. “Não se pode bater em alguém, sem porrete” – a dupla gostava de dizer.
Lançaram uma campanha a favor de os californianos comprarem, privadamente, cada
cidadão, o seu próprio seguro-saúde. Inventaram uma Semana da Compra do
Seguro-Saúde Voluntário, movida a 40 mil polegadas de publicidade pelos jornais
em mais de 400 jornais. A semana aconteceu em 53 dos 58 condados do estado da
Califórnia. Whitaker e Baxter distribuíram pelo país mais de 9 mil médicos,
todos com discursos preparados. Criaram um slogan: “Medicina politizada não é
boa medicina”.
Dessa
vez, fizeram lobby direto sobre os editores de jornais. Whitaker se
jactava de que “nosso pessoal telefonou pessoalmente para mais de 500 redações
de jornais”, para convencer os editores a mudar de lado. Muitos daqueles jornais
viviam dos anunciantes que lhes chegavam pela Campaigns, Inc., e recebiam
centenas de artigos gratuitos, semanalmente, enviados pela Agência California
Feature Service. “Em três anos” – Whitaker contabilizou – “o números de jornais
que apoiavam a medicina do Estado caiu, de 50 para 20. O número de jornais que
se opunham ao seguro-saúde compulsório saltou, de cerca de 100, para
432” .
Inventaram
um inimigo. Enviaram 27 mil cópias de um panfleto intitulado “A Questão da
Saúde”, em que se via um homem, uma mulher e uma criança numa selva – “uma
floresta de medo” – ameaçados por esqueletos que tinham na boca, em vez de
dentes, a palavra “LEI”. Whitaker e Baxter distribuíram 2,5 milhões de outro
panfleto, intitulado “Medicina Politicamente Controlada”. Imprimiram cartões
postais para que os eleitores enviassem pelo Correio aos
senadores:
Prezado
Senador:
Por
favor, vote contra todas as propostas de lei que visem a criar o Seguro
Compulsório de Saúde. Há leis demais nesse país. Ninguém tem qualquer interesse
em ouvir opinião de algum “médico do Estado”, nem de pagar a ele mesmo sem estar
doente. Esse sistema foi inventado na Alemanha – é um dos pilares da
monstruosidade contra a qual os nossos rapazes lutam em terras distantes. Não
podemos permitir aqui a mesma monstruosidade.
Em
1945, a
proposta de lei de Warren foi derrotada, por apenas um voto de diferença.
Biógrafo de Warren, G. Edward White anotou: “O desmonte de seu plano de saúde
foi uma confirmação, para Warren da natureza do processo político, onde quem
advogue a favor de programas sociais e humanos, é atropelado pelos interesses
mais mesquinhos, mais baixos, mais vingativos”.
Warren
reapresentou o mesmo projeto de lei. Outra vez Whitaker e Baxter o derrotaram.
“Invadiram como um tufão a Assembleia estadual” – Warren escreveu adiante. –
“Minha lei não mereceu, sequer, enterro decente”. Foi a mais avassaladora
vitória da publicidade política, que o país jamais vira. Evidentemente, não foi
a última.
Em
1945, meses depois de Earl Warren ter apresentado a proposta de seguro-saúde
obrigatório na Califórnia, Harry Truman propôs um programa nacional público de
saúde. “A saúde das crianças norte-americanas, como a educação, têm de ser
reconhecidas como responsabilidade pública bem clara” – disse o presidente.
Quando os Republicanos assumiram o controle do Congresso em 1946, o programa de
seguro-saúde federal de Truman, o qual, como o de Warren, recebia recursos de
imposto a ser cobrado sobre os salários, empacou. No seu discurso do Estado da
União em 1948, ano de eleições, Truman pediu urgência na aprovação de seu plano
– que contava com amplo apoio popular. Em novembro, Truman venceu as
eleições. Dias depois, a Associação Médica Americana telefonou para a sede, em
San Francisco, da empresa Campaigns, Inc. A Associação Médica Americana
contratou Whitaker e Baxter, ao custo de 100 mil dólares anuais, e com orçamento
anual de mais de um milhão de dólares, para detonar o plano de Truman. Para
pagar tudo isso, a Associação Médica Americana passou a recolher contribuição
anual de 25 dólares de todos os médicos associados.
No
início de 1949, Whitaker e Baxter, diretores da Campanha Nacional de Educação da
Associação Médica Americana, avançaram para a política nacional, instalando o
quartel-general da empresa em Chicago, com equipe de 37 profissionais. “Essa
campanha terá de despertar e alertar o povo americano, em todas as
circunstâncias da vida, até gerar uma cruzada pública e luta fundamental pela
liberdade” – lia-se na abertura do plano da campanha. – “Qualquer outro plano de
ação, se se considera a deriva mundial rumo ao socialismo e ao despotismo, nos
arrastará ao desastre”. Mas quando Whitaker disse à imprensa de Washington, num
almoço, que o FBI estava aterrorizando a Associação Médica Americana, o
Washington Post reagiu: melhor que a Associação dos Médicos e os
paus-mandados de Whitaker e Baxter parem, isso sim, de se “autoflagelar em
campanha neurótica, tentando aterrorizar a opinião pública dos EUA, cada vez que
o governo propõe algum plano nacional de Saúde ou uma Secretaria de Bem-estar
Social”.
Whitaker
e Baxter foram a Washington e convenceram 100 congressistas a permitir que
lessem as cartas que recebiam dos eleitores. No início da campanha, Whitaker
contou, as cartas chegavam “na proporção de 4,5 cartas a favor, para uma carta
contra” o plano de Truman. Whitaker e Baxter puseram mãos à obra. “Nove meses
mais tarde, a proporção era de 4 cartas contra, para uma a favor”.
Nessa
altura, a empresa Campaigns, Inc. já era vista, pelo menos por um punhado de
críticos, como empreendimento nebuloso e nefando. “Mas não há mistério algum” –
Whitaker insistiu. Em manobra brilhante, Whitaker redigiu um “Esboço
Simplificado da Campanha Contra o Seguro Compulsório de Saúde” e distribuiu –
centenas de milhares de exemplares – a repórteres e editores, dentre outros
‘formadores de opinião, e a todos os deputados e senadores.
Dentro
do quartel-general de Campaigns, Inc. circulava outro Plano de Campanha, muito
mais detalhado, datilografado e marcado “CONFIDENCIAL. NÃO DEVE SER PUBLICADO”
(Esse plano está hoje arquivado, como outros documentos da empresa, nos Arquivos
do Estado da Califórnia, em Sacramento.) Ali se lê,
dentre outras coisas:
1.
O objetivo imediato é derrotar o programa compulsório de seguro-saúde a ser
votado no Congresso.
2.
O objetivo de longo prazo é por fim, para sempre, na agitação a favor da
medicina socializada nesse país, pelos seguintes meios:
(a)
acordar o povo norte-americano para o perigo que é um sistema de saúde pública,
politicamente controlado e regulado pelo governo;
(b)
convencer o povo, mediante campanha nacional ampla de educação, das superiores
vantagens da medicina privada como é hoje praticada nos EUA, se comparada aos
sistemas médicos dominados pelo Estado em outros países; e
(c)
estimular o crescimento de sistemas de seguro-saúde privados, de adesão
voluntária, para separar doença e choque econômico e aumentar a oferta de
atenção médica para o povo dos EUA.
Como
Whitaker e Baxter escreveram, numa versão prévia do plano:
A
questão básica é se continuaremos a ser nação livre, na qual o indivíduo pode
traçar o próprio destino, ou se daremos os poucos passos que faltam na direção
de nos converter em Estado Socialista ou Comunista. Temos de pintar o quadro,
com palavras vívidas, que absolutamente todos entendam, de Alemanha, Rússia – e
no final, de Inglaterra.
Definiram
o slogan “Medicina bem separada da Política”. E decidiram reutilizar o golpe que
já funcionara contra o plano de Warren: passaram a chamar o plano de Truman de
“medicina socializada”.
No
esforço para doutrinar todos os médicos, enfermeiras e farmacêuticos nos EUA
sobre os perigos da medicina socializada, puseram o pé na estrada. Whitaker,
falando num encontro com 200 médicos do Conselho das Associações Médicas da Nova
Inglaterra, disse:
Hitler
e Stalin e os governos socialistas da Grã-Bretanha todos usaram o ópio da
medicina socializada para suprimir a dor da liberdade perdida e induzir o povo à
passividade e a não resistência. Se permitirmos que o contágio da medicina
socializada que vem do Velho Mundo atinja o Novo Mundo, será o começo do fim de
todas as instituições livres nos EUA. Será simples questão de tempo, até que
todas as estradas de ferro, fábricas de aço, indústrias de energia, bancos,
fazendas e outras propriedades sejam também
estatizadas.
A
propaganda política, disse ele, era a derradeira esperança de salvar a
democracia:
Vamos
levar a julgamento os inimigos da saúde dos norte-americanos, ante o tribunal da
opinião pública. E o povo decidirá.
Para
esse objetivo, a Campanha de Educação Nacional distribuiu milhões de mensagens
por correio. Nem sempre foram bem recebidas. “RECEBI SUA CARTA PARA ME METER
MEDO. RIDÍCULA. DÁ PENA.” – respondeu um irado farmacêutico de Stamford, New
York. – “ESPERO QUE O PRESIDENTE TRUMAN CONSIGA O QUE DESEJA. BOA SORTE AO
PRESIDENTE TRUMAN”.
Whitaker
e Baxter gostavam de referir-se ao trabalho que faziam como “campanhas de base”.
Nesse caso, falavam da luta contra a medicina socializada: “A Associação Médica
Americana nessa campanha está levando a discussão até o povo dos EUA, numa
cruzada de base que esperamos que, com a ajuda de vocês e de dezenas de milhares
de outros, chegará a cada esquina desse país.” Nem todos estavam convencidos de
que uma agência de publicidade, nababescamente remunerada para distribuir 7,5
milhões de panfletos intitulados “O Voluntariado é o American Way” pelos
consultórios médicos dos EUA seria exatamente “movimento de base”. “Prezados
senhores” – um médico escreveu de volta –, “Quanto, mesmo, vocês têm para gastar
nesse “lobby de base” de vocês: 2,5 ou 3,5 milhões de dólares?”.
A
campanha de Whitaker e Baxter contra o projeto de seguro-saúde nacional custou à
Associação Médica Americana quase cinco milhões de dólares e durou mais de três
anos. Mas, sim, converteu a reforma necessária, sensível, popular da saúde
pública nos EUA, em espantalho tão assustador que, mesmo hoje, milhões de
americanos ainda têm medo dela.
Truman
estava furioso. Sobre o que, em seu projeto, pudesse ser apresentado como
“medicina socializada”, Truman disse à imprensa, em 1952, que não fazia nem
alguma remota ideia do que fosse. E tinha mais um comentário a fazer: “Nada,
nesse projeto de lei, é mais parecido com socialismo do que o dinheiro que a
Associação Médica Americana paga à empresa de Whitaker e Baxter para
desmantelar, falsificar e expor à população o meu programa de saúde, pelo que
ele não é”.
Carey
McWilliams jamais tirara os olhos de Whitaker e Baxter, desde “Uppie and
Downey”, desde “Ovos com presunto”, desde Earl Warren. Escreveu o plano de uma
matéria para The Nation, sobre Whitaker e Baxter. Seu editor, Harold
Field, quis publicar imediatamente, mas McWilliams discordou. Disse que
precisava ira a San Francisco e “escavar os fatos”.
Escreveu
para Whitaker e Baxter, solicitando uma entrevista. “As perguntas são a sério,
sem arame farpado e sem truques” – prometeu. “Não tenho intenções ocultas: estou
apenas curioso.” E encontrou-se com o casal. E gostou deles. Não concordava com
a agenda política deles e, mais grave, entendia que o negócio deles era péssimo
para a democracia. Redigiu a matéria e, em maio de 1950, enviou um rascunho para
Whitaker e Baxter. Eles leram e devolveram ao autor, com pequenas mudanças,
correções de detalhes factuais. Mas o texto que revisaram os deixou muito
desapontados.
“Não
somos os tipos diabólicos que você descreveu” – Whitaker escreveu a McWilliams.
“Estou desapontado por vocês terem ficado desapontados” – McWilliams respondeu.
“Vocês não acham que o máximo que se pode esperar nesse assunto é o máximo de
abertura e boa vontade, acuidade factual e respeito aos fundamentos do fair
play?”.
A
matéria “O governo de Whitaker e Baxter” foi publicada em The Nation,
dividida em três partes, em abril e maio de 1951. Whitaker e Baxter escreveram a
McWilliams: “Parece a nós dois que, apesar de você não nos ter poupado de
afirmações pesadas, nos pontos em que supunha que estivesse fazendo o maior bem,
você, com certeza, não fez qualquer injúria pessoal a Whitaker e Baxter. Tudo
considerado, pode ser até um reforço. Agradecemos por tudo, Carey,
profundamente”.
McWilliams,
como Whitaker e Baxter com certeza logo perceberam, jogara por regras diferentes
das suas. Não foi ingênuo nem simplório. Não os agrediu. Explicou demorada e
detalhadamente o que havia a explicar. Não construiu um inimigo. Não tirou de
contexto o que a dupla lhe disse. Não inventou frases. Nenhuma mentira.
“Nos
círculos sindicais e de esquerda na Califórnia as pessoas têm calafrios quando
se menciona os nomes de Whitaker e Baxter” – escreveu em The Nation –
“mas é preciso reconhecer que eles sabem como falar ao povo. Sim, tem
quantidades monstro de dinheiro para gastar; mas não se pode dizer que seus
opositores sejam pés-rapados”. Falou, por exemplo, das quantidades de dinheiro
também monstro com que contam os sindicatos, por exemplo. Mas McWilliams, isso
sim, estava convencido de que Whitaker e Baxter tinham excessivo poder. No caso
da Associação Médica Americana, por exemplo, disse McWilliams, “a dupla escreveu
um roteiro político do qual os médicos, originalmente considerados peso-pesados
na defesa de interesses de uma específica indústria, emergem como cruzados da
saúde do povo”. Inacreditável. E muito perigoso. “Trata-se de gerenciamento de
alta especialização, da política: somos governados por Whitaker e Baxter”.
Vivemos exatamente assim, hoje.
A
matéria não passou totalmente despercebida. Em 1952, muitos médicos
desligaram-se da Associação Médica Americana. James H. Means, professor de
Medicina, na cátedra Jackson, de Harvard, e médico-chefe do Massachusetts
General Hospital, explicou que não queria continuar a pagar contribuições que
haviam sido usadas para apoiar uma atividade que ele considerava “contrária ao
bem-estar público e indigna, como profissão”.
Naquele
outono, a Associação Média Americana dispensou os serviços de Whitaker e Baxter,
explicando que os manter sob contrato comprometeria o status não
partidário da Associação. Whitaker e Baxter não se incomodaram: foram
imediatamente contratados pela campanha presidencial de Eisenhower-Nixon.
Em
1952, a
televisão foi usada, pela primeira vez, numa campanha presidencial. Em 1948,
menos de 3% dos lares norte-americanos tinham aparelho de televisão; em
1952, a
proporção aproximava-se rapidamente dos 50%. Naquele ano, os Republicanos
gastaram $1,5 milhão em anúncios de televisão; os Democratas, $77 mil. Na
televisão, viam-se spots a favor de Eisenhower – “I Like Ike” e “The Man
from Abilene”, temas baseados em pesquisa de George
Gallup , apresentadas como documentários. Eram semelhantes aos
noticiários de “March of Time”.
Eisenhower
era tão pouco habituado a equipamentos de gravação, que uma vez, frente a um
microfone ligado, rugiu: “Como funciona essa merda?” Mas, como todos os
candidatos que concorreram a presidência depois dele, foi ensinado, treinado,
adestrado, empoado e polido. E deu certo. Num spot de TV intitulado “Eisenhower
Responde aos EUA”, um jovem negro diz: “General, os Democratas me dizem que as
coisas nunca andaram tão bem...” Eisenhower responde “E como poderia ser
verdade, se os EUA têm um déficit de milhões, e ainda há combates na Coreia?
Nossa realidade é trágica”. Então, olha reto, firme, direto para a câmera. “É
mais que hora de mudança”.
Em
1953, Earl Warren tornou-se Procurador Geral de Justiça dos EUA. A campanha “Impeach Earl Warren” começou quase
imediatamente depois de Warren ter redigido seu voto no caso Brown vs. Comitê de
Educação, em 1954. O voto declarava inconstitucional a segregação racial nas
escolas. Em 1955, Carey McWilliams assumiu o posto de editor-chefe de The
Nation. Em 1956, Whitaker e Baxter trabalharam nas Relações Públicas para a
Convenção Republicana de Indicação do candidato, em San Francisco. Antes
disso, foram ouvidos numa Comissão Especial do Senado de Investigação de
Atividades Políticas, Lobbying e Contribuições de Campanha. Whitaker
disse à Comissão que se opunha ao financiamento público de campanhas eleitorais
e era favorável a que se suspendessem todas as restrições que pesavam sobre
doações de grandes corporações a campanhas eleitorais. A comissão não sabia como
classificar os ‘consultores políticos’ de campanhas eleitorais. Deveriam ser
definidos como lobbyists? Como Comitês de Ação Política? A atividade
deveria ser regulada? Whitaker insistiu que o trabalho que sua empresa fazia
era, sim, “organização de base” e não deveria ser cerceado por nenhum tipo de
regulação.
Adiante,
ainda em 1953, Whitaker e Baxter, trabalhando com a empresa californiana Baus
and Ross, fez campanha a favor da “Proposition 4” , uma lei que favorecia a indústria do
petróleo e lhe dava novas possibilidades de perfuração. O projeto de lei fora
redigido pelos advogados da Standard Oil. Whitaker e Baxter venceram. A
intervenção considerada decisiva, naquele caso, foi terem modificado o nome da
lei: passou a chamar-se Lei de Preservação para Petróleo e Gás.
Em
1958, o filho mais velho, do primeiro casamento de Whitaker, Clem Whitaker Jr.,
com dois sócios, compraram a empresa Campaigns, Inc. Em 1960, quando Nixon
concorreu à presidência, a Campaigns, Inc., coordenou sua campanha na
Califórnia. “É indispensável partir para a ofensiva – e atacar” – um dos sócios
de Whitaker Jr. aconselhou. Melhor esquecer “os Democratas de esquerda que não
votarão em Nixon nem que recebesse apoio pessoal direto de Jesus Cristo e Karl
Marx, que baixassem numa das sessões espíritas de Eleanor Roosevelt”. Nixon
venceu na Califórnia, mas não se elegeu presidente. Era horrível na televisão.
“A televisão, mais que qualquer outra coisa, fez virar a maré” – disse Kennedy.
Naquele momento, os Democratas começavam, eles também, a contratar empresas de
“consultoria política” para eleições. Todos contrataram. Foi uma corrida
armamentista.
Clem
Whitaker Pai morreu de enfisema em 1961. Quatro anos depois, quando Ronald
Reagan concorreu ao governo da Califórnia, contratou outra empresa californiana,
Spencer-Roberts. Spencer-Roberts seguia à risca o livro de regras de Whitaker e
Baxter. “Quer saber de uma coisa, Stu?” – Reagan disse a Stuart Spencer em 1966.
“Política é como show business... A abertura tem de ser grandiosa.
Depois, você se segura como pode. E no fim, encerramento apoteótico”.
Upton
Sinclair morreu num asilo, em New Jersey, em 1968. Naquele ano, H. R. Haldeman
deixou o emprego de gerente em Los Angeles da agência de publicidade J. Walter
Thompson, para dirigir a campanha presidencial de Nixon. Haldeman oferecera seus
serviços a Eisenhower-Nixon em 1952, e trabalhara para a campanha do
vice-presidente em 1956. Aprendera o ofício com o melhor dos melhores. “Whitaker
e Baxter eram os grandes das velhas campanhas” – disse uma vez, relembrando o
passado. – “O vovô”.
“Eleitores
são basicamente preguiçosos, basicamente desinteressados de fazer qualquer
esforço para compreender do que estamos falando” – William Gavin, conselheiro
político de Nixon escreveu num memorando. “Raciocinar exige grau mais alto de
disciplina, de concentração; a impressão é mais fácil” – escreveu noutro
memorando. “A razão puxa o eleitor para trás, assalta-o, exige que ele se
manifeste, que concorde ou discorde. A impressão o envolve, convida-o, sem fazer
nenhuma exigência intelectual. (...) Quando argumentamos com o eleitor, exigimos
que ele faça o esforço de responder. Tentamos capturar a inteligência dele e,
para muita gente, pensar inteligentemente é o trabalho mais difícil e cansativo
que há. As emoções acordam mais facilmente, estão mais próximas da superfície,
são mais maleáveis”.
A
campanha de Nixon analisou filmes do candidato na televisão. Falta emoção. “Ele
usa os braços muito ‘previsivelmente’ e sacode-se demais” – disse Roger Ailes,
conselheiro-chefe da equipe de Richard Nixon para televisão, em 1968. “Mas
melhor nem comentar, para não inibi-lo”. Ailes é hoje presidente da rede Fox
News.
Depois
da morte de Clem Whitaker, Leone Baxter continuou a dirigir empresa só sua, Whitaker and Baxter International.
Morava numa cobertura no Fairmont Hotel em San Francisco. Gostava
de trabalhar nos bastidores. Só muito raramente, em toda sua vida – morreu em
2001, aos 95 anos – deu entrevistas. Nos anos 1960s abriu uma exceção. Foi-lhe
perguntado se “Os procedimentos que a senhora inventou no início desse jogo, e
utilizou com tanto sucesso ao longo dos anos, ainda funcionam hoje? Ou a senhora
achou necessário alterá-los?”.
“Eu
diria que as regras básicas, absolutamente não mudaram” – ela respondeu. – “As
estratégias não mudaram”. Houve a televisão, claro. “Mas diria que a filosofia
das campanhas políticas absolutamente não mudou, nem uma linha. As ferramentas
mudaram. A filosofia, não”.
Também
lhe perguntaram se “as Relações Públicas políticas realmente transferem o poder
político para os especialistas, os RP, que fazem Relações Públicas?”.
“Pode
acontecer, sem dúvida, e aconteceu, em alguns casos” – disse ela, cautelosa.
“Nessa profissão de comandar a mente dos homens, aí está a razão pela qual sinto
que o poder tem de estar sempre nas mãos dos mais éticos, dos que tenham
melhores princípios, de gente que realmente se preocupa com o mundo
em que vive.
Não sendo assim, o poder acabará nas mãos de gente que não tem
qualquer interesse pelo mundo em que vive. Nesse caso, sim,
pode ser coisa de alto, alto poder destrutivo”.
[1] Clique em: “I,
governor of California, and how I ended poverty: a true story of the
future” para obter o livro.
[2] Clique em: “I,
Candidate for Governor: And How I Got Licked” para obter o
livro.
[3] Trocadilho
intraduzível com “up and down” (para cima e para baixo), e os nomes dos
candidatos, as duas palavras acrescidas de um sufixo de diminutivo. Alguma coisa
como “[um] prá ciminha e [outro] prá baixinho”.
[4]
Whitaker eram propagandistas contratados pela Liga Californiana contra o
Sinclairismo, não diretores, como foi noticiado de início.
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