“A direita sabe que não pode
atacar os bons programas do governo, ou perde eleitores. Então ataca os
métodos...”
9/10/2012, TM Scruggs, The Real News Network (entrevista traduzida)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
PAUL
JAY, Editor Sênior, TRNN: Bem-vindo a The Real News Network. Sou Paul Jay
em Baltimore.
Domingo
à noite, Hugo Chávez foi reeleito presidente da Venezuela. Conosco hoje, falando
de Berkeley, Califórnia, está TM Scruggs. Scruggs é especialista em antropologia
e música e ativista social. Estuda culturas musicais nas Américas, especialmente
na América Latina. Deu aulas na University of Iowa de 1994 a 2009. Foi bolsista da
Fundação Fulbright na Venezuela e deu aulas na Universidad de los Andes, onde
pesquisou sobre música e mídias comunitárias. Também é da equipe de TRNN.
Obrigado por conversar conosco, TM.
TM
SCRUGGS:
Obrigado a você.
Jay:
Então, o que pensa sobre a eleições na Venezuela? Você viveu lá, conhece bem o
país. O que tem a nos contar?
SCRUGGS:
Bem, aconteceu mais ou menos o que já sabíamos que aconteceria. As pesquisas
sempre mostraram Chávez à frente, com diferença que ia de 9 a 13%, ao longo de toda a
campanha. Sabemos também que o sistema eleitoral é livre, limpo e transparente,
motivo de inveja, aliás, não só para os EUA mas, de fato, para todo o mundo.
JAY:
Você disse “já sabíamos”. Como sabíamos?
SCRUGGS:
Porque aconteceu o que previram observadores que se deslocaram para a Venezuela,
de governos conservadores da União Europeia, a OEA, o Centro Carter. Jimmy
Carter, como se sabe (embora a notícia pouco tenha aparecido na
imprensa-empresa), disse, há seis semanas, que as eleições na Venezuela são as
mais livres do mundo. Eu estava na Venezuela nas eleições presidenciais de 2006,
e passei o dia todo andando pela cidade onde morava, Mérida, conversando com as
pessoas pela rua. E nunca ouvi uma única reclamação de que as eleições não
seriam limpas.
JAY:
Antes das eleições, esse ano, houve várias matérias na imprensa dos EUA, sobre
as urnas, que não seriam confiáveis, nem o voto seria tão secreto, que as
pessoas estariam sendo intimidadas para votar a favor de Chávez. Criou-se uma
espécie de “clima”, inclusive no The New York Times, que levava a pensar
que a oposição, se fosse derrotada, poderia contestar os resultados eleitorais.
Foram derrotados e nada contestaram. O que você pensa disso?
SCRUGGS:
De fato, espalharam-se, principalmente, dois boatos. O mais recente, publicado
no Los Angeles Times, dizia que os eleitores estariam com medo de votar.
Absoluta mentira. Ninguém, na Venezuela, teve qualquer medo de votar. Esse tipo
de notícia visa só aos que nada sabem sobre a Venezuela. Quem conheça o país e
as eleições na Venezuela sabe que é mentira.
O
outro boato, lançado antes, foi uma pesquisa que a mídia promoveu. Todos os
institutos de pesquisa são agências controladas por empresários conservadores,
mas aquela pesquisa era particularmente doida. O dono do instituto resolveu que
o candidato da direita, Capriles Radonski, teria tido um aumento repentino de
votos, teria “subido”, repentinamente, algo como 15-20% na preferência dos
eleitores. Tínhamos medo de golpes desse tipo, de que a imprensa tentasse criar
“suspense” e ameaças, não só na Venezuela, mas – e talvez até mais perigoso –
também fora da Venezuela, de que o vencedor teria sido Capriles, e que, se
Chávez fosse declarado reeleito, seria “prova” de alguma espécie de fraude.
Assim se criaria agitação no país, o que poderia justificar violência nas ruas.
E sempre há o risco de...
JAY:
Felizmente, nada disso aconteceu.
SCRUGGS:
Felizmente. Fato é que não há qualquer prova de que tenha havido interferência
dos EUA nem de que os EUA desejassem aquele tipo de desdobramento. Evidentemente
os EUA sabem, há bastante tempo, que Chávez seria reeleito nas urnas. Todas as
fontes de informação que os EUA mantêm na Venezuela já haviam informado que
Chávez venceria as eleições. Na Venezuela, o presidente é eleito por seis anos.
Quando eu estava lá, as eleições na Venezuela coincidiram com as eleições de
meio de mandato, eleições de deputados e senadores, nos EUA. Mas, agora, em
2012, as eleições presidenciais quase coincidem.
Ora,
a Venezuela não é Granada. Não seria como invadir, controlar um país pequeno por
24 horas, derrubar um governo e impor outro, e estaria tudo resolvido. Na
Venezuela não existe a “solução Granada”...
JAY:
Acho que ninguém esperava, se alguém esperava alguma coisa, que houvesse uma
invasão. Acho que o plano seria, se houve plano, inventar alguma espécie de
rejeição dos resultados, criando tumulto nas ruas...
SCRUGGS:
Sim, mas ninguém jamais pode ter certeza sobre até que ponto essas coisas vão,
quando há quem queira estimulá-las, não é? Penso em alguma coisa como inventarem
uma zona aérea de exclusão, ou coisa do gênero. Mas a verdade é que o plano não
era esse, porque o governo Obama não quer arranjar ainda mais confusão no front
“externo”, sobretudo porque já há mais unidade na América Latina, vários
governos democráticos apoiam o processo eleitoral na Venezuela e os venezuelanos
também sabem que estão votando em absoluta liberdade democrática, que as
eleições são livres e transparentes.
JAY:
Pois nada disso impede a imprensa nos EUA de chamar Hugo Chávez de “ditador”. A
linha geral da cobertura tem sido, sim, as eleições são limpas, as urnas
eletrônicas funcionam, os votos são legítimos, mas... De fato, a imprensa nos
EUA só faz noticiar que [aspas] Hugo Chávez usa o dinheiro do petróleo para
comprar votos entre os pobres [aspas], que as eleições são democráticas, mas o
governo é ditatorial, por exemplo, em termos da atitude de Chávez contra a
imprensa. O que você pensa sobre isso?
SCRUGGS:
É cômico. Você sabe... Minha pesquisa não inclui a mídia, e o que digo,
portanto, não é resultado de estudo, mas, só, minha opinião, de quem viveu lá e
sempre pude ler tudo que quisesse. Pode-se entrar naquele site, Paperboy, por exemplo, e ler jornais do
mundo inteiro. Se você lê espanhol, basta passar os olhos pelas manchetes dos
principais jornais-empresa venezuelanos: todos publicam manchetes semelhantes,
todos com viés da direita mais conservadora. Qualquer um vê isso. E o mesmo vale
também para as quatro principais redes de televisão. Uma delas é praticamente um
partido político, de tanto que interfere na discussão política local. Não é
jornal como se supõe que deva ser um jornal: é máquina de propaganda do ideário
da direita mais conservadora. Como, nos EUA, o canal Fox News. Eles inventam notícias,
inventam manifestações de rua. Esse canal, na Venezuela chama-se Globovisión. E aquele mesmo pessoal –
empresários e jornalistas – tiveram parte muito ativa no golpe de 2002, que
conseguiu derrubar o governo Chávez e a Constituição, por 47 horas. Até que o
povo tomou as ruas e reverteu o golpe. E devolveu o governo a Chávez.
Há
na Venezuela mídia do governo, mas, como as estações comunitárias, tem pouca
audiência, apelo mais local. E há a mídia estatal.
A
verdade – e esse é um campo em que as forças progressistas na Venezuela ainda
têm muito trabalho pela frente – as forças progressistas precisam organizar
melhor mídia, aliada ao jornalismo investigativo. Na Venezuela não há uma única
empresa-imprensa de alcance nacional que ofereça ao público consumidor
jornalismo investigativo de boa qualidade, que noticie também os fatos que
favorecem o governo de Chávez. Que façam mais jornalismo que campanha
anti-Chávez. Há o Correo del Orinoco, que se pode ler online, mas
é triunfalista e só faz repetir o que o governo diga.
E
vale o mesmo para as televisões. Jornalismo de melhor qualidade simplesmente não
existe. Não estou dizendo que façam, a favor de Chávez, exatamente o que fazem
contra. Não é isso. Isso também não interessa, porque as pessoas se fartam,
tanto de ataques sem jornalismo, quanto de elogios sem jornalismo.
Quando
eu estava lá houve uma tentativa de melhor jornalismo. Mas, hoje, está pior que
antes. Há na Venezuela leis que declaram que terras deixadas sem produzir por
muito tempo podem ser expropriadas e entregues a trabalhadores rurais sem terra,
para que as façam render e possam construir a própria sobrevivência, porque são
terras boas. E o governo oferece algum apoio àqueles trabalhadores. Pois bem. Os
ex-proprietários daquelas terras assassinam os novos proprietários,
provavelmente usando milícias paramilitares que chegam pela fronteira com a
Colômbia... Ou vêm de outros lugares, não sei. O que quero dizer é que os
camponeses têm sido assassinados e esse processo já se arrasta há anos. O que se
lê, vez ou outra, é notícia de um, outro, outro assassinato, mas só números.
Ninguém sabe quem morreu e, muito menos, quem matou. Nada se investiga, nada se
procura saber.
É
preciso que as forças progressistas comecem a cuidar de produzir melhor
jornalismo, jornalismo mais sério do que o jornalismo das empresas
político-comerciais que são as únicas que produzem jornais, televisão e rádio na
Venezuela. Resultado é que a oposição começa a ganhar mais votos, porque a
população não tem meios para discutir mais e melhor o que o governo Chávez está
fazendo. Sem essa discussão, o governo Chávez começa a poder ser mostrado, pela
mídia da oposição, como algo que se está ossificando, que se eterniza no poder.
JAY:
Entendo. A verdade é que a oposição não é só de direita. Muita gente parece
apoiar as políticas de Chávez, mas entendem que não estejam sendo implementadas
como essas pessoas gostariam que fossem. A campanha de Capriles, de fato, tentou
se firmar nessa linha. Embora, sim, a maioria tenha entendido que não passasse
de estratégia de campanha: sem poder atacar as políticas de Chávez que estão
realmente empoderando os mais pobres, Capriles atacou os métodos de Chávez, não
a política de Chávez. Algo como: as políticas são ótimas, mas os meios para
implantá-las não seriam democráticos ou não seriam éticos...
SCRUGGS:
É ridículo, porque Capriles foi escolhido candidato pelo mesmo sistema eleitoral
que, depois, ele passou a dizer que não seria confiável e teria sido
“manipulado”. Então... nas primárias que o indicam candidato, o sistema é
perfeito; nas eleições finais, que não o elegem, o sistema é pouco confiável?! É
ridículo.
Mas
Capriles é como Paul Ryan nos EUA, da coalizão conservadora: todo o discurso de
campanha é construído sobre mentiras: dizem que apoiam o sistema de saúde
pública (só os meios para implementá-los é que são ruins...), dizem que apoiam a
educação pública (só os meios para implementá-la é que são ruins...) É sempre
assim: não podem defender abertamente a educação privada elitista (porque, se o
fizessem, espantariam eleitores); não têm coragem para defender a saúde privada
elitista (porque, se o fizessem, espantariam eleitores). Então se dizem a favor
da ‘essência’ da educação pública e da saúde pública e da essência a natureza...
e criticam os métodos: dizem que não seriam “éticos”, que não seriam
“democráticos”, que não seriam “ecológicos”, etc., etc..
[Comentário
da Vila Vudu e da redecastorphoto:
No
Brasil, fazem exatamente o mesmo. Por exemplo: a direita udenista-tucano-uspeana
não se declara A FAVOR DA EDUCAÇÃO ELITISTA PRIVADA. Ela se declara contra as
cotas, que, diz a direita, seriam “racistas”.
O
problema da direita, evidentemente, não é o racismo, porque a direita é racista
e sempre foi, no Brasil, há 500 anos, sem que se tenham ouvido protestos vindos
da direita.
O
que interessa à direita é detonar a educação pública. As cotas viram então “um
mote”, “uma entrada”, “um assunto”, a partir do qual a direita consegue
trabalhar contra a educação pública, sem ter de declarar-se defensora da
educação privada elitista e elitizante.]
JAY:
Entendo.
SCRUGGS:
O que quero dizer é que a oposição de direita mente descaradamente. Fato é que
não é fácil derrotar governos que tenham bons programas que melhorem a vida do
povo, depois de o povo já ter convivido com os programas por tempo suficiente
para saber que são bons. Hoje, as pessoas já veem os efeitos dos programas
sociais de Chávez, já percebem que a vida delas realmente mudou para melhor.
Nenhum candidato, hoje, se atreve a subir ao palanque ou a aparecer em debates e
dizer que vai desmontar tudo que os governos Chávez já fizeram e cujos efeitos
estão ali, à vista de todos.
Já
se observava esse mesmo fenômeno desde 2006, quando eu estava lá. O candidato da
direita, Manuel Rosales – assisti a vários comícios dele – e ele sempre começava
a falar, fosse onde fosse, com a mesma declaração: não se preocupem, que nós não
vamos extinguir as missiones...
[Comentário
da Vila Vudu e da redecastorphoto: No
Brasil, e em São
Paulo particularmente, é “vamos manter o bilhete único”, “vamos
manter o SUS”, “vamos manter os CEUs”... O que estão dizendo é: “Votem em mim,
que prometo fazer, pra vocês, o governo de vocês... só que quem manda sou eu!”
Fora Serra-erra-erra. NINGUÉM MAIS CAIRÁ NESSE PAPIM FURADO.
#HaddadPrefeito]
JAY:
Foi praticamente o que vimos no debate nos EUA. Romney disse: não se preocupem
que os novos planos de saúde não alterarão a situação existente hoje...
SCRUGGS:
É que o povo sabe o que é bom para ele e, uma vez que tenha vivido sob condições
melhores, o povo agarra-se ao que tenha conquistado e defende-se. A direita sabe
disso. Por isso não pode atacar diretamente os governos populares.
[Comentário da Vila Vudu e da
redecastorphoto: Daí, afinal, a
importância da “malhação” midiática, sem jornalismo investigativo, só “malho” de
propaganda incansavelmente repetido e impingido ao eleitor como se fosse
jornalismo: porque esse “malho” midiático é o único meio que há para a direita
tentar convencer o eleitor de que, se eleita dessa vez, a direita faria o que
NUNCA fez nem quando foi eleita outras vezes, e jamais fará, porque, não quer
fazer, não pode fazer e não sabe fazer].
JAY:
OK, TM, muito obrigado.
SCRUGGS:
Obrigado
a você.
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