1/12/2012, Ramzy Baroud,
Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Ramzy Baroud |
Há
fenômenos que não se explicam pela lógica ordinária, nem em linguagem técnica,
muito menos em discursos oficiais. Como
Gaza conseguiu reagir e resistir com tal vigor, enfrentando
Israel e sua mais recente guerra, apesar dos anos de sítio sangrento e sob
agressão ininterrupta, ainda mais enfraquecida, como parecia, depois dos ataques
israelenses de 2008-9? Impossível explicar, na linguagem fora de moda dos
“analistas” e “especialistas” da imprensa-empresa que há hoje. Por menos que
digam, porém, muitos já viram que está emergindo em Gaza uma nova realidade.
Na
“Operação Chumbo Derretido” [ing. Cast
Lead] de 2008-09, Israel matou mais de 1.400 e feriu mais de 5.000
palestinos. Foi como pescar num barril. A maioria das vítimas foram civis, como
sempre é, nas guerras de “autodefesa” de Israel. Investigação conduzida pela
ONU, cujo relatório foi publicado em setembro de 2009 concluiu que há “provas de
graves violações de direitos humanos e de leis humanitárias cometidas por Israel
durante o conflito de Gaza; de que Israel praticou atos que se definem como
crimes de guerra; e, possivelmente, também cometeu crimes contra a humanidade”.
Não
faltaram indiciamentos e condenações, como certamente também não faltarão nas
análises que se façam dos mais recentes oito dias de guerra de Israel contra
Gaza. Muitos já falam de o quanto a opinião pública começa a virar-se contra
Israel; de que o autodeclarado Estado Judeu está perdendo o controle sobre a
velha narrativa, sempre repetida, de David versus Golias; ou de como os
EUA já não conseguem proteger Israel, ante a angústia profunda de milhões de
palestinos que vivem sitiados, implorando ajuda e solidariedade ao mundo.
Tzipi Livni |
Boa
parte disso tudo é, sim, verdade. Mas também é verdade que Israel conseguiu
arrastar Gaza e o resto da Palestina de volta ao status quo – apesar dos
crimes hediondos que cometeu há quatro anos – que precedeu a guerra. A
ex-ministra de Relações Exteriores de Israel, Tzipi Livni disse a jornalistas,
dia 12/1/2009, que Israel deliberadamente “enlouqueceu” em Gaza, para “restaurar
(...) o poder de contenção de Israel. O Hamás entende hoje que, se atirar contra
israelenses, Israel reage enlouquecidamente. E isso é ótimo”.
Foi
bom, sem dúvida, para os EUA e para muitas potências europeias que jantaram e
tomaram vinho alegremente com Livni em Bruxelas, pouco depois da guerra, como se
não houvesse milhares de mortos e outros milhares de feridos, ou como se
famílias inteiras não tivessem sido assassinadas sem ter praticado crime algum;
e como se uma nação inteira não estivesse ainda em luto pelos seus filhos,
homens e mulheres.
Não
é que Israel tenha sido especialmente competente no trabalho de restaurar a
própria posição entre os círculos oficiais ocidentais nos últimos quatro anos, o
que lhe daria confiança para novamente assaltar Gaza. De fato, Israel jamais
perdeu essa posição. Aquelas potências (a começar por Washington e Londres)
nunca deixaram de apoiar Israel com tecnologia assassina de ponta, estimulando a
economia de Israel, apesar de, internamente, suas economias estarem em
frangalhos e, claro, sempre apoiando, em todas as oportunidades, o direito de
Israel “se autodefender”.
Os
22 dias de guerra de Israel contra Gaza em 2008-09 foram, de fato, uma
continuação de outra guerra, longa, tão longa que é difícil demarcar datas.
Palestinos em Gaza (e em todos os territórios ocupados) morrem
ininterruptamente, em levas de mortos que aumentam ou diminuem, conforme o humor
político reinante em Telavive.
Em
2008, o enfraquecido partido Kadima usou a guerra para ganhar votos, entre
eleitores obcecados por segurança. Em 2012, outra vez, aí estão as eleições
gerais em Israel. Nos dois casos, Israel derramou sangue palestino, no mesmo
jogo da mesma política sangrenta. E as estrelas em ascensão na política
israelense lá estavam, para impressionar seus eleitores subjugados.
Gilad Sharon |
Quando “mais de 90% dos judeus
israelenses apoiam a guerra de Gaza” (Ha'aretz, 19/11), é menos chocante
ler Gilad Sharon (filho do ex-primeiro-ministro de Israel e várias vezes acusado
de crimes de guerra, Ariel Sharon) escrever no Jerusalem Post: “Gaza deve ficar sem eletricidade, sem
gasolina, sem carros que andem, nada, nada. Então, eles pedirão o cessar-fogo
(...). Temos de arrasar, pôr no chão quarteirões inteiros de Gaza. Gaza no chão,
toda Gaza, nada em pé. Os americanos não pararam em Hiroshima – os japoneses
estavam demorando para render-se – então destruíram também
Nagasaki”. [1]
Pois
o que estava previsto para ser mais uma temporada de caça de civis e de
combatentes em Gaza, como se fossem todos a mesma coisa, não saiu como estava
previsto. A “Operação Pilar de Nuvem” foi pensada como coleção de oportunidades
que o atual primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu e seu ministro da Defesa, Ehud
Barak colheriam festivamente, enquanto erguiam os dedos em gestos ameaçadores, e
ganhariam o máximo de pontos políticos possíveis, antes de que a pressão
internacional começasse a crescer. Não aconteceu assim. A guerra contra Gaza em
2012 foi fracasso político de proporções históricas para Israel.
Os
balões de ensaio de Israel foram postos abaixo por centenas de foguetes
palestinos que já chegaram bem perto no norte de Telavive e a oeste de
Jerusalém. O que foi planejado para quebrar a resistência, para que nenhum
palestino jamais voltasse a ousar reclamar da ocupação, do isolamento político
imposto por Israel, do sítio sufocante, nem das guerras “de contenção” de
Israel, resultou numa nova estranha realidade que forçou israelenses, por todos
os cantos, a buscar abrigo. Quando as sirenes soaram, Israel parou; os
israelenses afinal conheceram bem de perto o que os palestinos vivem
praticamente sempre, todos os dias.
Morreram
167 palestinos e mais de 1.000 foram feridos. Seis israelenses morreram, entre
eles um soldado ferido que morreu depois de implantado um cessar-fogo, mediado
pelo Egito, dia 21 de novembro. Mas não é a quantidade de sangue derramado que
torna diferente essa guerra, porque a proporção de mortos manteve-se
horrendamente a mesma.
A
guerra de 2012 foi diferente por causa da natureza da mensagem que o Hamás e
outros grupos da Resistência tornaram, afinal audível.
Mesmo
sitiados e famintos, os habitantes de Gaza são capazes de resistir, mesmo depois
de seis anos de bloqueio hermético que os forçou a cavar centenas de túneis
pelos quais buscaram salvação no vizinho Egito.
Mahmoud Abbas (Latuff) |
Em
Ramallah, a Autoridade Palestina – já com baixa credibilidade, deve-se dizer –
tornou-se ainda mais irrelevante que nunca. Mahmoud Abbas tentou impor-se, ele
mesmo, como um lado do conflito, falando de uma resistência popular, mas
pacífica, em discurso
televisionado. Convenientemente , explicou que a guerra
israelense era tentativa de coagi-lo a não reivindicar o status de membro
(quase) sem direitos para a Palestina, na ONU. E, enquanto os líderes
israelenses tentavam entender a nova variável na velha equação israelense sempre
injusta da guerra contra os palestinos, altos dignitários árabes não paravam de
desembarcar em Gaza, sinal de que viam, também, que daquela vez as coisas seriam
diferentes. Os norte-americanos também perceberam.
Ao
mesmo tempo em que a mídia nos EUA falava sobre uma mudança na política externa
dos EUA, que passaria a focar-se no sul e sudeste da Ásia, a alarmante natureza
da nova guerra obrigou a secretária de Estado Hillary Clinton a voar para
Israel, a oferecer mais apoio e mais solidariedade. Líderes europeus fizeram o
mesmo, forçados a redemarcar as linhas. Dessa vez, Gaza foi um ponto de divisão
e virada, na política regional e na política internacional: a resistência de
Gaza foi fator decisivo, numa mudança tectônica.
Muitos
em Israel tentaram distorcer os fatos, explicando que um cessar-fogo com o Hamás
seria bom para Israel, porque daria “sossego” às comunidades de fronteira. E os
objetivos de Israel teriam sido alcançados, de certo modo. O correspondente
militar do jornal Ha'aretz, Amos Harel muito se esforçou para suavizar o
golpe, dizendo que “A arte de medir o nível do poder de contenção não é ciência
exata. Ninguém esperava que ações falhadas contra o Hezbollah em 2006 levariam a
seis anos e meio de calma (que por hora ainda persiste) na fronteira do Líbano”.
Mas
a questão é que Israel não tinha intenção alguma de obter paz e tranquilidade.
Por décadas, Israel obrou para assegurar monopólio completo da violência e, com
ele, o poder de punir, prender, intervir, ocupar e “dar lições” a quem bem
entendesse, quando quisesse. Os ataques recentes de Israel contra o Sudão, os
ataques passados contra o Iraque, a Tunísia, a Síria, as horrendas guerras
contra o Líbano e as infinitamente repetidas ameaças ao Irã são eventos vivos na
memória.
Não
há dúvidas de que houve mudança, e grande. Não que os palestinos tenham
conseguido reduzir o desequilíbrio do poder, mas conseguiram impor sua
resistência como fator na equação da “segurança” de Israel que, antes, sempre
foi determinada exclusivamente por Israel.
Palestinos festejam trégua na Faixa de Gaza |
Apesar
das pesadas perdas, milhares de palestinos dançaram de alegria em toda a Faixa de Gaza.
Ajoelharam-se e rezaram ombro a ombro com os combatentes, agradecendo a Deus
pela “vitória”. Havia homens armados, com o rosto coberto, às centenas, entre os
gazenses em festa unidos aos combatentes. Israel e seus protetores começaram
logo a apontar dedos acusatórios na direção, sobretudo, do Irã. Mas suas
palavras naufragaram nos ecos dos cantos palestinos.
Todos
os partidos e lados sabem que algo fundamental mudou, embora a batalha esteja
longe de decidir-se. Está para começar guerra de outro tipo.
Nota de
rodapé
[1] 19/11/2012,
The Telegraph, Demien McElroy em: Ariel
Sharon's son Gilad calls on Israel to “flatten
Gaza”.
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