sábado, 29 de dezembro de 2012

China testa o “pivô” norte-americano


22/12/2012, Peter Lee, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Ao longo do ano que está acabando, a República Popular da China pela primeira vez teve contato próximo, direto, pessoa a pessoa, com o movimento de “pivô” dos EUA outra vez na direção da Ásia – o reequilibramento estratégico, que em tudo se parece com movimento de “contenção”.

China e fronteiras

A República Popular da China passou boa parte do ano em luta-livre contra vizinhos inamistosos, fortalecidos pela nova política dos EUA, como o Vietnã e as Filipinas; combatendo contra os esforços dos EUA, ativos em várias esferas de influência chinesa na península coreana e no sudeste asiático; e enfrentou um teste de força e firmeza contra o principal representante-procurador dos EUA na região, o Japão.

Tal estado de coisas foi enganosamente, embora previsivelmente, apresentado na imprensa ocidental em termos de “intransigência da China exacerba tensões regionais”, embora interpretação mais correta pareça ser: “rivais da China exacerbam tensões regionais para intimidar uma China assertiva”.

Seja qual for o contexto, 2012 foi o ano em que o mundo – especialmente o Japão – descobriu que a República Popular da China pode, sim, movimentar-se contra o “pivô”.

Bush Filho
Os anos de vacas gordas para “a China em ascensão” corresponderam aos anos do governo de George W Bush. Preocupado com desastres em cascata no Oriente Médio, déficit fiscal galopante, que exigia parceiro com apetite insaciável pelos papéis da dívida dos EUA e, depois, com o derretimento das economias norte-americana e mundial, Bush não teve estômago para mexer com a China.

A República Popular da China pegou a bola e correu com ela o quanto quis, até emergir com presença de superpotência no leste da Ásia; alcançou a África; estabeleceu-se como parceiro rico crucial para a União Europeia; e pôs abaixo os últimos bastiões da liderança ocidental no planeta pós 2ª Guerra Mundial: a grande política multinacional e suas instituições financeiras.

Obama
Alguma reviravolta era inevitável e foi cuidadosamente, aplicadamente, dedicadamente buscada, pelo governo Barack Obama.

Volta-se a ver também em cena a inefável autoestima norte-americana. Com a eleição e reeleição de um presidente negro, de origem social modesta, os EUA voltam a cobrar espaços, como se algum direito de nascimento no campo moral lhes garantisse privilégios, algo que bem se poderia supor que os EUA tivessem esquecido por mais de uma década depois do fracasso no Iraque, as trapalhadas que os EUA introduziram no sistema financeiro global e o rotundo fracasso na gestão da questão existencial da mudança climática.

Teria sido divertido, de modo meio macabro, verificar se a eleição de Mitt Romney à presidência deslancharia o mesmo discurso de êxtase neoliberal sobre as glórias da democracia norte-americana que se ouviu depois da reeleição do presidente Obama. Seja como for, o comicamente incompetente Romney não foi páreo para a popularidade, a inteligência e o incansável foco organizacional da arrogância de Obama e dos norte-americanos – ou, como Evan Olnos da revista New Yorker diria, em tom de elogio: “o carisma moral dos EUA” voltou ao palco.

Com os EUA firmemente de volta à sela da liderança, pelo menos no que tenha a ver com a gangue do comentariato dos assuntos externos, a China nada teria a mostrar ao mundo exceto as falhas e máculas de um sistema político e econômico autoritário; nada a ensinar, exceto aulas de como não fazer e do que não ser; e sem qualquer direito a participar de nenhum conselho mundial de líderes, exceto se aprovada pelo ocidente.

Essa atitude encaixa quase à perfeição com o aparente desdém que Obama sente pela República Popular da China, aquele regime sem brilho, inamistoso, sem graça, que reage exageradamente a qualquer ordem para engajar-se, gente que tem de ser forçada, pressionada e coagida a andar na direção preferencial dos objetivos preferenciais da humanidade. Sob a liderança do governo Obama, o ocidente decidiu cercar, conter, restringir a China, em vez de acomodá-la e acomodar-se a ela.

A China só será parceira bem-vinda na ordem mundial – pelo menos como o ocidente define a tal ordem – se democratizar-se, se desmantelar sua economia controlada pelo estado e se aderir aos padrões das instituições multinacionais, na busca do lugar dela na tal ordem. Estando esses objetivos absolutamente fora do radar e de qualquer consideração, no que tenha a ver com as atuais lideranças políticas chinesas, a única saída de curto prazo para o impasse, posto nesses termos, seria o colapso do regime chinês.

É aposta de alto risco. Se o regime chinês não entrar em colapso, a única coisa que cabe esperar para futuro previsível é hostilidade crescente, fervente, entre a República Popular da China e seus muitos antagonistas.

A China optou por evitar qualquer confronto direto com os EUA; e, em vez de confrontar os EUA, passou a explorar as fraquezas da cadeia de representantes e procuradores e aliados dos EUA, ao mesmo tempo em que protege os pontos fracos de seus próprios procuradores e aliados.

Ma Ying-jeou
A única vitória incontestável da República Popular da China no leste da Ásia em 2012 foi a reeleição de Ma Ying-jeou, do Kuomintang, para a presidência de Taiwan. O presidente Ma tem política de mínima fricção com a República Popular da China, bem diferente da tumultuada política pró-independência e pró-Japão do Partido Democrático Progressista. Em 2012, Ma deu um passo a mais. Em movimento que foi amplamente ignorado pela imprensa-empresa ocidental, porque complicava a narrativa segundo a qual todo o mal e todos os crimes concentram-se na República Popular da China, Ma despachou uma flotilha de navios oficiais e nada-oficiais para dar trabalho à guarda-costeira japonesa presente em torno das ilhas Senkaku/Diaoyu.

Além de Taiwan, um dos astros mais brilhantes do firmamento autoritário, hoje com tendências pró-China é a Coreia do Norte a qual, hoje, além de pró-China também é pró-reformas, sob o governo de Kim Jong-eun.

A República Popular da China continua a fazer o governo Obama pagar pelos desastrosos erros de cálculo em 2009, quando os EUA supuseram que os laços comerciais que ligavam a República Popular da China predominantemente à Coreia do Sul implicariam que Pequim abandonaria às traças a Coreia do Norte, depois do acontecido à fragata Cheonan (que foi posta a pique por forças até hoje desconhecidas, mas que muitos sempre creram que fossem norte-coreanas) e unir-se-ia aos EUA num cerco diplomático multilateral, movido a sanções, contra o regime de Piongueangue.

Nada disso. O falecido Kim Jung-il percebeu que seus prolongados esforços de ópera bufa para engajar-se com os EUA eram vãos; meteu-se pois no seu trem blindado e viajou à China, onde foi recebido nos braços hospitaleiros de Hu Jintao.

Na outra coluna do livro-caixa, Myanmar ameaçou deslizar para fora do campo chinês, com a decisão governamental de “reequilibrar” sua política exterior, afastando-se da China e aproximando-se dos EUA, e obter uma acomodação com as forças pró-democracia. As indispensáveis demonstrações de empenho pró-democracia e pró-ocidente, vindas do governo de Thein Sein, foram:

Aung San Suu Kyi 
1.      libertar da prisão domiciliar a ativista Aung San Suu Kyi e admitir que voltasse à vida pública; e
2.     adiar o projeto da hidrelétrica Myitsone.

O projeto Myitsone era domesticamente impopular, porque financiado pela República Popular da China e adotado como símbolo de que os interesses de Myanmar estavam sendo vendidos à China por generais corruptos. Adiar Myitsone virou ação de alta popularidade, porque levantava a possibilidade de bloquear o desenvolvimento do potencial hidrelétrico financiado pelos chineses e, em vez de ajudar a China, permitia que interesses ocidentais, distantes há anos da economia de Myanmar por força de sanções, reorientassem a exportação de energia hidrelétrica, afastando-se da China e aproximando-se da Tailândia.

A República Popular da China respondeu com cautela à mudança em Myanmar, consolando-se, parece, com continuar a dominar a economia, o comércio exterior e a política de segurança de Myanmar graças à longa e muito porosa fronteira que os dois países compartilham.

Ao que parece, elites políticas de Myanmar, inclusive Aung San Suu Kyi, resolveram que uma jihad econômica anti-China seria contraproducente, e a República Popular da China tem boas razões para esperar que, aumentando as apostas no seu jogo de Relações Públicas, distribuindo dinheiro entre cidadãos desonestos dentro e fora da política (e, talvez, renegociando discretamente alguns dos termos excessivamente favoráveis em acordos de pai-para-filho com a Junta de Myanmar), conseguirá navegar com sucesso pelos hoje perigosos atoleiros da política multipartidária em Myanmar (onde um sempre tradicional populismo antichinês converteu-se em ferramenta inevitável de mobilização política e popular).

Sinal de que os EUA esperavam pôr na roda também Laos e Camboja, a secretária de Estado, Hillary Clinton fez rara visita a Vientiane, capital do Laos, antes da aparição em Phnom Penh para um convescote da Associação das Nações do Sudeste Asiático [orig. Association of Southeast Asian Nations (ASEAN)]. Os resultados foram complexos, dado que o Camboja defendeu lealmente a República Popular da China contra a tentativa de criar uma frente unida da ASEAN contra a China no item relativo a uma iniciativa de mediação no Mar do Sul da China que estava na agenda.

Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN)
Os desejos cambojanos e laosenses de distanciarem-se da grande perturbação asiática, a República Popular da China, são talvez contrabalançados pelo desejo de manter ao largo a grande perturbação do sudeste asiático, o Vietnã. Quanto ao Vietnã, já aprendeu que, no que tenha a ver com EUA, a China não é o Irã e o Vietnã não é Israel – não, pelo menos, por hora, e bem possivelmente, jamais serão.

Apesar de os EUA terem falado em apoio à liberdade de navegação no Mar do Sul da China e a uma frente unida multilateral para negócios com a República Popular da China, os EUA evitaram “assumir lado em disputas territoriais” – a única disputa que mobiliza as nações que cercam o Mar do Sul da China, uma vez que “a ameaça chinesa à liberdade de navegação na área” pouco ultrapassa o plano da pura conversa fiada e nonsense.

Mar do Sul da China
Com a baixa probabilidade de a 7ª Frota dos EUA deslizar para o Mar do Sul da China e pôr a pique todos os navios chineses, como adjuntos da Marinha Vietnamita, o Vietnã parece ter aprendido, da ferocidade chinesa contra o Japão, a lição segundo a qual os custos de disputar o papel de estado-líder na aliança anti-China podem ultrapassar, em muito, os benefícios.

A grande história no campo da segurança no leste da Ásia esse ano foi a decisão da República Popular da China de acicatar o Japão, ostensivamente por causa do fetiche tolo chamado Ilhas Senkaku/Diaoyu, mas, de fato, por causa da decisão tomada por Tóquio, de dar apoio moral e material ao tal movimento de “pivô” dos EUA – o que o Japão fez, ao reacender a questão das tais detonadíssimas ilhas (tailandesas).

Seiji Maehara
Em 2010, a China tomou a desastrosa decisão diplomática de retaliar oficialmente contra uma provocação japonesa – a insistência de Seiji Maehara em processar um comandante de pesqueiro chinês, em cortes japonesas, por uma infração em águas próximas das Senkakus. Um movimento relativamente ponderado e limitado, de enviar uma mensagem ao Japão, mediante movimento de segurar o esforço exportador no semimundo nebuloso das terras raras, converteu-se em cause celèbre anti-China, oportunidade para o Japão fazer promoção dos EUA no campo dos assuntos de segurança marítima no leste asiático; e convite a outros vizinhos da China para que se ponham a ocupar ilhas, na tentativa de provocar mais alguma super-reação contraproducente de Pequim.

Em 2012, a República Popular da China estava pronta, provavelmente ansiando ardentemente, por uma luta, avaliando as possibilidades, até quando o governo de Yoshihiko Noda canhestramente tentou explorar a questão Senkaku e saltou à frente do governador de Tóquio e ultranacionalista, Shintaro Ishihara, para comprar três das ilhas. 

Yoshihiko Noda
Dessa vez, a retaliação chinesa veio sob vestes diplomáticas e respeitáveis: cruéis ataques contra interesses econômicos do Japão dentro da China. A campanha de 2012 causou mais danos ao Japão que a campanha de 2010, que fora concebida como flechada simbólica contra o arco de Japan Inc. A economia japonesa já não ia muito bem mesmo antes de os protestos de 2012 sobre Senkaku devastarem as vendas de carros japoneses e, sobretudo, o investimento japonês na China – o que faz crescer a possibilidade de a China desfechar golpe mortal, não simples mensagem de irritação, contra o Japão.

Os vastos esforços dos EUA para refocalizar as prioridades econômicas asiáticas e para oferecer vantagens materiais a países que, como o Japão, alinhem-se contra a República Popular da China – na Parceria Trans-Pacífico-sem-China – enfrentam hoje muitas dificuldades para avançar, com as economias alinhando-se, isso sim, a favor da possibilidade de que a China, não os EUA (que já mais parece concorrente exportador, que motor da demanda, para os tigres asiáticos) venha a ser o motor do crescimento da Ásia no século 21.

Parece, isso sim, que o “pivô” dos EUA na direção da Ásia será guerra de atrito cara, dificílima, a ser combatida em vários fronts –, cabendo ao Japão arcar com os danos principais; nada sugere que possa haver triunfo rápido para qualquer dos lados.

Digamos que 2012 acabou empatado. E houve empate, também no resto do mundo.

O governo da Índia parece sentir que a cordilheira do Himalaia assegura adequada terra-de-ninguém entre a República Popular da China e a Índia; e vai abrindo uma trilha cuidadosa, entre China e EUA.

Vladimir Putin
Com a reeleição do presidente Vladimir Putin e a volta de uma declaração mais cara-a-cara das prerrogativas da Rússia no confronto com os EUA, é menos provável que a Rússia favoreça os EUA à custa da China, do que foi ao tempo de Dmitry Medvedev.

Por outro lado, a União Europeia, premiada com o Nobel da Disfunção Patético-Trôpega, digo, o Nobel da Paz, pendura-se desesperadamente aos EUA em quase todas as questões geopolíticas, inclusive na declarada aversão às políticas comerciais chinesas; e na obsessão com segurança e com abusos de direitos humanos. Resta ver se tal nobre determinação será recompensada com alguma recuperação nas economias ocidentais, ou se, adiante, a Europa precisará de um resgate chinês.

A arena mais interessante e mais reveladora da competição-cooperação EUA-China é das menos esperadas ou prováveis: o Oriente Médio. A República Popular da China, pelo que se pode ver, está tentando um movimento de “pivô” chinês, e alavanca, para ascender ao topo da lista, a sua posição de principal comprador de energia do Oriente Médio, simultaneamente, da Arábia Saudita e do Irã.

Com os EUA aproximando-se da autossuficiência nacional, ou, pelo menos, continental, graças à extração doméstica e ao consumo das areias betuminosas [orig. tar sands] do Canadá – e ostensivamente se pivoteando para a Ásia – parece prudente e sábio dar boas vindas às pretensões chinesas de liderança no Oriente Médio.

A República Popular Chinesa tem portfólio não irracional de posições no Oriente Médio: fala, pelo menos, a favor das aspirações dos palestinos; aceita o direito de Israel existir e prosperar; aceita um regime de segurança nacional baseado em desenvolvimento econômico, não em guerra total entre os blocos sunita e xiita; aceita acomodação com regimes do Levante Islâmico, para uns; ou Primavera Árabe, para outros (desde que se disponham a fazer negócios); tende a preferir muita estabilidade, à moda dos emires, a muita democracia; e exige o fim da imbecilidade em torno do Irã “nuclear”.

Quanto ao banho de sangue na Síria, a República Popular da China tem consistentemente promovido uma solução que envolva algum grau de divisão de poder entre Assad e a oposição. Os EUA, nostálgicos talvez dos 30 anos de assassinatos que patrocinaram no Oriente Médio, e perversamente dispostos a não apressar o fim do banho de sangue, recusaram-se a admitir que a China tivesse qualquer outra função nas negociações, além da de marginal impotente.

A Síria, especialmente, é símbolo da abordagem vá-tomar-no-cu, que os EUA sempre prestigiaram, no que tenha a ver com segurança do Oriente Médio.

Washington goza, desfalece de prazer, vendo a Síria ser reduzida a ruínas, desde que – com a extinção da Síria – Irã, Rússia e China percam um aliado na região.

A mensagem chinesa parece ser: os EUA que se “pivoteiem” para a Ásia, e que ameacem destruir um regime de estabilidade e segurança que gerou paz e prosperidade que a região, antes, jamais conheceu; em nenhum caso a República Popular da China se envolverá do pântano do Oriente Médio, apesar de – ou, melhor dito, porque – aquela região é crucialmente vital para a segurança energética e econômica da China.

Tio Sam
Essa dinâmica empurra a China para ganhar musculatura militar, projetar poder e reforçar suas competências, suas habilidades, para controlar o destino de sua própria segurança em todo o hemisfério.

A provável resposta chinesa não será pôr-se a ameaçar atores regionais para abalar Tio Sam, o qual tem interesse mais esportivo do que existencial em manter ocultas várias coisas na Ásia.

Até hoje, o governo Obama ainda não se manifestou sobre o jogo de gato e rato que a China está impondo ao Japão – acovardado ante a economia global. Mandar a 7ª Frota velejar pelo Pacífico ocidental à procura de náufragos de tsunamis e tufões e de piratas esfarrapados pouco ajudará o Japão.

Se o Japão decidir assumir o controle do próprio destino de segurança, dando as costas à Constituição pacifista, construindo para si uma posição de potência militar independente, e convertendo sua plena capacidade para construir armas atômicas em arsenal nuclear real – o que levará a Coreia do Sul a também se nuclearizar – nesse caso o tão afamado ‘'pivô'’ arrastará, em mortal espiral descendente, toda a influência e toda a credibilidade dos EUA na região.

Se acontecer, 2012 será lembrado como o ano em que tudo começou a fazer sentido. 

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