2/12/2012, David Remnick,
The New Yorker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Hillary à vontade no Saban Forum... |
Hillary
Clinton é candidata à presidência. E os políticos israelenses governantes são
desastre total, amplo, geral e irrestrito. Eis as duas conclusões, valham o que
valerem, que se podem extrair de um fórum de sionistas – Saban Forum, que se
realiza anualmente – a cuja edição de 2012 assisti, no final de semana,
em Washington,
D.C.
Haim Saban, o anfitrião |
Uma
palavra sobre o cenário: Haim Saban, magnata israelense-norte-americano da
indústria do entretenimento & mídia, organiza, nos últimos nove anos, um
fórum; às vezes, em Jerusalém; mais frequentemente em Washington, sempre focado
em questões
do Oriente Médio. Participam do fórum, na maioria, funcionários
de governos, atuais e ex; as figurinhas carimbadas dos grandes think-tanks; gente do business; alguns jornalistas. Árabes
são sempre raros; esse ano, a mais notável exceção a essa regra foi a presença
de Salam Fayyad, primeiro-ministro da Autoridade Palestina, mas ficou pouco,
porque a Autoridade Palestina, graças, em vasta medida a Israel, enfrenta
dificuldades extremas e não pára de perder terreno para o Hamás.
Exceto
em umas poucas palestras, reinam as regras de Chatham House (significa que os
eventos não são feitos para divulgação e não podem ser comentados fora do
recinto onde ocorram). Entende-se que o trabalho dos pequenos grupos e os
encontros casuais são mais importantes que as grandes conferências, palestras e
discursos.
Mas
o evento da 6ª-feira à noite foi aberto aos jornalistas – e surpreendentemente
revelador. Na tribuna, estava Hillary Clinton, principal conferencista do dia.
No salão de festas do Willard Hotel transbordante de gente, foi recebida com uma
ovação, todos em pé; em seguida exibiu-se um
vídeo-homenagem-reverência- adoração sobre a vida da Clinton: primeira-dama,
senadora e, sobretudo, secretária de Estado. O filme, produção visivelmente
cara, mostra entrevistas e opiniões de políticos israelenses –Benjamin
Netanyahu, Ehud Barak, Tzipi Livni – e de políticos dos EUA, como John Kerry.
Para Tony Blair, afinado com o tom lunático-futurista geral, “meu [dele]
instinto me diz que o melhor ainda está por vir”.
O
filme foi o endosso internacional, antecipado, quatro anos antes do caucus de Iowa e da primária de New Hampshire; e em tom tão reverencial
que parecia aqueles filmes que, suponho, o Comitê Central do Partido Comunista
produziria para a festa de aposentadoria de Leonid Brezhnev, se Leonid Brezhnev
se aposentasse, e os soviéticos já conhecessem a mais alta tecnologia dos vídeos
de propaganda. No final, em vídeo à parte, ouviu-se o presidente Obama. Olhando
diretamente para a câmera, Obama estendeu-se na louvação: “Você esteve ao meu
lado em alguns dos momentos mais importantes do meu governo”.
Acabados
os vídeos (e com a noitada avançando), houve muito diz-que-diz sobre o que
Clinton fará depois de deixar o Gabinete, mês que vem – procurar um bom
cabeleireiro; algumas semanas de sono para acertar o fuso horário, em Canyon Ranch; ler pesquisas
pré-eleitorais e noticiários sobre o entorno político próximo; fazer boas obras
para os bons, digamos, por exemplo, em Iowa – e por aí foi. Cada um tinha uma
teoria da qual se sentia 100% seguro. Dúvida, praticamente ninguém tinha, sobre
a direção geral final. 2007-8 já não passa de lembrança e 2016 começa a surgir
no horizonte. E Clinton está no páreo.
O sionismo reunido em Washington para comandar as diretrizes da política dos EUA |
“Estou entusiasmada, mas, obviamente, penso
que devo sossegar” – disse ela depois de concluída a etapa “vídeos”. “Havia preparado algumas coisas para dizer
hoje à noite, mas, agora, já acho que o melhor seria repetir aquele vídeo. E ver
se consigo contar os diferentes cortes de cabelo, um de meus passatempos
preferidos”. Piada velha, mas o público, sentindo-se grandioso só por ali
estar, e de bochechas vermelhas pelo vinho, gargalhou.
Tudo
pode acontecer de hoje até 2016, para atrapalhá-la – política, saúde, assuntos
familiares; e o povo pode já se ter cansado de Clintons – mas os números de
Hillary são impressionantes; é tão ambiciosa quanto capaz; e, pelo menos ali,
estava em alta rotação política. Na sequência, falou sério, discurso, em certo
sentido, firme. Não pareceu pré-redigido pelo AIPAC, mas muito cuidadoso para
não ferir sensibilidades ou criar problemas para os últimos dias da oradora, no
Departamento de Estado. Pediu só que Israel manifeste mais “generosidade” aos
palestinos. Mas logo repetiu que, tanto na recente crise em Gaza quanto na
votação da ONU, “sempre apoiamos Israel”. Repetiu também que os EUA
“subscreveram” o Domo de Ferro, o programa para proteger território israelense
contra os foguetes disparados de Gaza.
Problema,
só, foi que, logo no dia seguinte, o governo Netanyahu agradeceu a preciosa
contribuição dos EUA, com atitude cujo principal objetivo foi criar embaraços
para o governo Obama: primeiro, anunciou que recomeçará a construir novos
colônias na Cisjordânia; segundo, que, para punir a Autoridade Palestina,
confiscará os impostos que os palestinos pagam e que teriam de ser repassados
mas Israel não repassará. E, isso, depois de os norte-americanos já terem dito
que absolutamente não há qualquer crise nas relações EUA-Israel (mais toda a
conversa de sempre sobre “valores partilhados” e “nosso único aliado na
região”).
Clinton
nada fez além de sugestões gentis a Israel, mas cutucou os palestinos. “Se quisessem, os palestinos já teriam seu
próprio estado desde 1947; teria a minha idade” – disse ela, na curta sessão
de perguntas e respostas. E pôs-se a contar, omitindo os detalhes complicados,
que Bill Clinton e Ehud Barak ofereceram excelente acordo a Arafat em 2000; e
Ehud Olmert fez o mesmo, oferta feita, dessa vez, a Mahmoud Abbas.
Netanyahu
não veio ao Saban Forum. Mas seu afamado ministro de Relações Exteriores e
parceiro na coalizão de direita linha duríssima, Avigdor Lieberman. Lieberman,
sim. Lieberman, que tem longa história de declarações controversas contra árabes
israelenses e vários outros assuntos, só muito raramente fala com a imprensa
estrangeira (a chance de criar embaraços ou, mesmo, um incidente internacional é
alta demais). Pois lá estava ele, em Washington D.C., na conferência-aperitivo,
antes da grande conferência da noite, de Clinton. Lieberman, nascido na União
Soviética e que viveu numa colônia israelense em território ocupado, foi
entrevistado por Robert Siegel, da National Public Radio, sobre o palco.
“Querem que eu seja politicamente
correto” – disse Lieberman, instalando-se na poltrona. – “Prometo esforçar-me ao máximo”.
E
foi o que fez. Lieberman evitou qualquer expressão que pudesse voar diretamente
dali para as manchetes, por racismo ou xenofobia militantes e declarados.
Entrevistador sempre atilado, inteligente e sensível, Siegel parecia
estranhamento relutante; não pressionou Lieberman, nem falou da longa história
de grosserias e preconceitos de seu entrevistado, contra árabes. Lieberman fala
inglês com forte sotaque, mas é fluente – e ainda mais fluente fica se pode usar
as frases-feitas do governo de Netanyahu: “Os assentamentos não são obstáculo à paz; o
contrário, sim, é verdade”. “Israel
jamais interferiu na política doméstica, interna, de qualquer país”.
Mentira.
Tudo absolutamente falso. De fato, até cômico de ouvir, mas nada de
especialmente inflamável, pelo menos se se conhece a verve do homem. Adiante, na
mesma cena, Lieberman até riu. Foi quando disse que o principal problema dos
palestinos não é Israel ou a ocupação, mas o fato de que a renda média dos
palestinos mal chega aos 10 mil dólares por ano; e, em Ramallah ou Rafah ,
praticamente não vive ninguém que algum dia tenha ouvido falar de Voltaire ou
Rousseau. É. 45 anos de ocupação violenta nada têm a ver com a economia
deprimida em Gaza, nem com o raro entusiasmo que se observa em Jenin por Cândido , o
Otimista e Emílio; e, se têm, não são ideias que
entrem nas cogitações de Lieberman.
No
sábado, foi dia de reuniões para as quais a imprensa não foi convidada e para
conversas tête-à-tête, só para
convidados, com Bill Clinton na Folger
Shakespeare Library. Mas, depois do jantar, a imprensa pôde entrar para
assistir à conversa com Ehud Olmert, o ex-primeiro-ministro que antecedeu
Netanyahu, do qual, hoje, é inimigo figadal.
Olmert
é ex-linha-dura, revisionista e
Likudnik, o qual, como primeiro-ministro, caminhou firme e
corajosamente na direção da esquerda na questão palestina, mas foi amplamente
desmoralizado pela desastrosa guerra de 2006 no Líbano e pela Operação Chumbo
Derretido em Gaza, dois anos depois. Seus números nas pesquisas caíram tanto,
que chegaram a zero, mais ou menos a variação da margem de erro. Olmert, que
vive uma sucessão de problemas com a lei, desde que deixou a política, anda
flertando com a possibilidade de voltar ao jogo – autista jovial, está
visivelmente comichando de vontade de ter sua reestreia – mas a questão é como
fazê-lo, se se consideram os números miseráveis que continua a obter da opinião
pública atual, os processos de que é objeto e muito mais.
Olmert
foi entrevistado, também sobre o palco, por David Ignatius, do Washington Post, o qual começou por
perguntar se se envolveria nas eleições de 22 de janeiro próximo. Olmert,
deliciado com a pergunta, respondeu que nada diria sobre aquele assunto, fora de
Israel; e que no início da próxima semana faria um anúncio oficial em Jerusalém.
Fontes israelenses informam que Olmert deseja muito concorrer, mas que não há
lugar para ele e, por isso, o mais provável é que não se candidate.
Durante
o dia, sobretudo entre norte-americanos ligados a governos dos Democratas,
ouviram-se gemidos de dor e desespero, pelos corredores, onde quer que se
discutisse a atual situação da política israelense – o flagrante contraste entre
a vitalidade da vida econômica, cultural e acadêmica em Israel, de um lado; e,
de outro, a flagrante vergonhosa miséria da vida política; a falta de talento,
de capacidade e de imaginação. Os centristas e liberais de esquerda presentes à
conferência – Ehud Barak, Tzipi Livni e outros – estavam tão evidentemente
eclipsados, que até a retórica deles soava cansada e desarticulada. O que se via
ali era clara consciência da derrota e a correspondente frustração.
Olmert,
com legado a defender e ego a alimentar, falou com clareza, discurso vivo, mas
até quando acertava a análise ele próprio se autodegradava, pelo excesso de
empenho de autopromoção. Acertou ao criticar Netanyahu por ter “esbofeteado
Obama” no fim de semana anterior; riu do primeiro-ministro, que insiste em
apresentar-se como amigo de Obama, mesmo depois de ter agido “como seu inimigo
principal e direto na campanha eleitoral, há apenas poucas semanas”. Olmert
apresentou a visita de Mitt Romney a Israel durante sua campanha eleitoral – que
incluiu entre os principais doadores, Sheldon Adelson, proprietário de um jornal
pró-Netanyahu – como completamente “inadequada (...) Foi feita para criar a
impressão, entre os eleitores judeus-americanos, de que Romney estaria chegando
à Casa Branca carregado por Israel”. E imediatamente ele mesmo se boicotava,
pela gestualidade autorreferente e pela retórica de
autoelogio.
Olmert
também violou as regras da conferência, ao divulgar o que não deveria ser
divulgado. Narrou acuradamente, embora em termos genéricos, a cena na qual, na
manhã daquele dia, Rahm Emanuel, prefeito de Chicago e ex-braço-direito de
Obama, esbravejava, furioso, e falava sem meias palavras, contra Netanyahu e a
quantidade de vezes, repetidas, em que traiu a amizade dos EUA; primeiro,
metendo-se a dar lições a Obama no Salão Oval; e agora, novamente, depois de os
EUA terem subscrito o sistema de defesa antimísseis “Domo de Ferro”; e apoiado a
operação em Gaza; e votado como Israel desejava na Assembleia Geral da ONU...
criava embaraços para o governo Obama, ao adotar medidas revanchistas contra a
Autoridade Palestina. Depois de ter repetido linha a linha as falas de Emanuel,
Olmert acrescentou, de sua lavra, que concordava com tudo.
Olmert
foi duro nas críticas a Netanyahu. “Esse
governo não se dedica, de modo algum, à causa da paz” – disse ele. “Para um primeiro-ministro, qualquer
primeiro-ministro israelense” – disse ele – “a tarefa mais importante” tem de ser a
de criar dois Estados para dois povos.
Nem
por isso é menos espantoso, quase inacreditável, que a política israelense seja
hoje absolutamente dominada por Netanyahu, Lieberman e uma coalizão de tendência
cada vez mais assumidamente direitista. Em termos demográficos, o que se vê é
que o eleitorado israelense só faz tornar-se mais conservador.
Nesse
ínterim, não se vê paz à vista: a Autoridade Palestina perde terreno,
ininterruptamente, para o Hamás (“nos
termos deles, o Hamás prometeu e cumpriu a promessa; nós, não” – Salam
Fayyad admitiu, em conversa comigo.) Assim, a região vai-se tornando cada dia
mais imprevisível e mais explosiva. E Israel só tem Netanyahu e Avigdor
Lieberman.
Depois
da fala de Olmert, a noite prosseguiu – e não pensem que minto: é pura verdade –
com um sketch de comédia ao vivo, estrelado por Joseph
Lieberman, o velho senador por Connecticut, já prestes a aposentar-se; e Yossi
Vardi, empresário israelense da indústria digital. Poupo-lhes os detalhes –
embora ninguém tenha imposto ali as Regras de Chatham House; basta que registrem
que o senador Joe Lieberman, a contar piadas imundas sobre picles, não é memória
que se queira preservar.
Na
manhã seguinte, mais conferências. Depois, almoço. Tudo para “uso interno”, nada
para divulgar.
______________________
*David Remnick é editor da revista The New Yorker desde julho de 1998;
começou sua carreira no Washington
Post, em 1982. Autor de vários livros, incluindo “King of the World”, “Resurrection”, e “Lenin’s Tomb”, pelo qual recebeu tanto o
Prêmio Pulitzer de não-ficção e um Prêmio George Polk por excelência em
jornalismo. O mais recente livro de Remnick, “The Bridge: The Life and Rise of Barack
Obama”, foi publicado pela Knopf Doubleday, em abril de 2010.
Ele se tornou
um escritor pessoal em The New
Yorker em 1992 e desde então tem escrito mais de uma
centena de artigos para a revista. Em 2000, Remnick foi agraciado pela Advertising Age’s o Editor do Ano.
Desde que se tornou editor da The New Yorker, Remnick
ganhou 30 National Magazine
Awards.
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