8/1/2013, Franklin Lamb, Countercurrents.org
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Franklin Lamb |
Ler também:
7/1/2013, redecastorphoto, em: Presidente
Bashar al-Assad: “Passos para a paz na Síria”.
Damasco
– Distante apenas
alguns quarteirões do hotel em me hospedei, perto do centro da cidade, o Teatro
de Ópera de Damasco, onde o presidente Bashar al-Assad discursou ontem, foi
inaugurado em maio de 2004, pelo presidente e sua esposa, depois de completada a
construção projetada e iniciada pelo pai de Bashar, Hafez, que planejou
detalhadamente a construção, interrompida no final dos anos 1970s. Situado na
Praça Umayyad, o Teatro de Ópera é um centro cultural; há alguns meses,
encenou-se ali As bodas de Fígaro, de Mozart.
Com cerca de
1.400 lugares, o Teatro estava absolutamente lotado para o discurso
de ontem e, como na cena final da ópera de Mozart, depois do discurso de Bashar
também se seguiu “uma noite de celebração” para os muitos apoiadores que o
presidente tem em Damasco. A glória de Bashar al-Assad, ao tentar deixar o palco
na noite passada, cercado por uma legião de apoiadores, pode não ser semelhante
à de Cesar nas guerras da Gália, quando descreveu a crise doméstica e sua luta
contra a oposição, como luta de defesa para salvar “Roma”. E dificilmente o
presidente da Síria será visto por seus críticos, como um John Kennedy no Teatro
de Ópera de Viena.
Bashar al-Assad durante o discurso no Opera House, Damasco em 6/1/2013 |
Mas
havia conexão profunda entre o homem e seu (vasto) público, durante o discurso
caudaloso. Foi um magnífico discurso político, em forma e conteúdo e, sobretudo,
pelo calor com que o presidente defendeu o que, para ele, é a causa da salvação
da Síria e a causa dos sírios. Sem descartar nenhuma ajuda solidária sobre como
pôr fim a atual crise, o presidente insistiu na ideia de que a Síria tem longa
história de resistência à ocupação; que várias vezes rejeitou a ideia de receber
ordens de governos aos quais, na atual crise, Bashar referiu-se como “chefes dos
fantoches” que hoje causam morte, destruição e privações na República Árabe
Síria.
Admito que eu
estava sem dormir há dois dias. Mas o discurso de Bashar Assad fez-me pensar em
falas shakespeareanas de Macbeth ou
Brutus. Veio-me à cabeça o argumento de Brutus, em Julio Cesar, de Shakespeare, ato 3, cena 2:
Haverá aqui, neste momento, alguém
tão vil que deseje ser escravo? Se houver, que fale, porque o ofendi. Haverá
alguém tão grosseiro que não queira ser romano? Se houver, que fale, porque o
ofendi. Haverá alguém tão desprezível, que não ame sua pátria? Se houver, que
fale, porque o ofendi. Calo-me. Que falem. [1]
Depois
do discurso do presidente, uma jornalista local, não raras vezes crítica do
regime, comentou – em resposta ao que lhe perguntei, sobre a aparentemente
persistente popularidade de Assad, durante época tão extraordinariamente difícil
para os sírios:
É
verdade. Assad continua popular, em parte porque é homem modesto, quase tímido –
e excepcionalmente culto e bem educado, em comparação com alguns monarcas da
região, que são, de fato, analfabetos, e absolutamente não se interessam pelo
que aconteça fora dos seus palácios-fortalezas.
E
continuou:
Antes
da crise, não será raro encontrar o presidente, sem qualquer escolta, dirigindo
ele mesmo o carro, o banco traseiro cheio de crianças, fazendo compras ou saindo
para jantar com a família, ou, vez ou outra, à espera dos filhos na saída da
escola. Viu-se, mesmo ontem, na entrada, que ele sorriu para vários conhecidos
entre o público. Na saída, não parecia preocupado com sua segurança, nem deu
sinais de pressa. Até cumprimentou várias pessoas. Todos sabem que Bashar
al-Assad sente-se bem como cidadão comum, entre conhecidos. Não é, nem de longe,
o tipo sinistro que seus críticos insistem em apresentar.
No
mesmo dia, já no fim da tarde, estava de volta ao hotel, lendo jornais e
assistindo ao noticiário pela televisão, que mostrava cenas do discurso, quando
uma camareira entrou para fazer alguma coisa. A moça entrou e imediatamente
sorriu ao ver a imagem de Bashar. Repentinamente, deu dois passos até a
televisão e abraçou a tela, rindo; aplicou vários beijos na imagem! Tive medo
que fosse eletrocutada. Mas ela ria.
À
noite, em conversa com um xeique que tem muitos contatos políticos em Damasco,
ouvi dele que Assad falou exclusivamente ao povo sírio e aos estrangeiros
solidários e aos “neutros”. “Assad não falou, absolutamente não, aos inimigos de
seu governo”. Sugeriu também que Assad fará mais dois discursos em breve, o
próximo, provavelmente, no formato de “conversa ao pé da lareira”, à moda
Roosevelt.
O
xeique sunita referiu-se à fala de Assad ontem, como o primeiro de três
discursos “da vitória” que, pelo que sabe, acontecerão. Falou também sobre os
Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita em relação ao que está acontecendo na
Síria; lembrou que são governos que também têm seus próprios problemas.
No caso do Reino
Saudita, e no contexto das consultas cada vez mais frequentes entre iranianos e
sauditas sobre a Síria e o grave estado de saúde do rei Abdullah, há a
considerar a previsível luta pela sucessão, que já se intensificou recentemente,
porque há vários potentados dentro da família real saudita que se opõem
furiosamente à atual campanha para minar o regime de Assad. O governo sírio,
digam o que digam os detratores, é visto por muitos, nos países do Golfo, como
governo de respeitável
pedigree árabe e nacionalista, com longa história de respeito
mútuo com vários países da região.
Meu
informante, xeique e sunita, também já vê sinais de que o governo Obama começa a
desinteressar-se de sua guerra clandestina contra a Síria, em parte como
resultado das fissuras que já se observam nas vozes, antes muito coesas, de
vários porta-vozes da muito erradamente chamada “coalizão”. O presidente Assad,
em fala que muitos analistas do Oriente Médio bem farão se virem um “discurso
histórico”, ofereceu um novo plano aos sírios, situação e oposição e, também à
comunidade internacional que, sim, pode e deve pôr fim imediatamente à crise.
Em
ordem sequencial, como cronograma, o plano inclui:
-
países estrangeiros param, imediatamente, de financiar, armar e insuflar as gangues terroristas, que deporão armas;
-
o governo sírio retira de campo o exército e declara uma anistia;
-
inicia-se um conferência-diálogo nacional;
-
dessa conferência-diálogo, produz-se um projeto de Constituição, a ser submetida a referendo popular; e
-
constitui-se um governo de coalizão que, presumivelmente, governará até as eleições marcadas para 2014.
Técnico
que trabalha na Comissão de Relações Exteriores do Congresso dos EUA escreveu
por e-mail, ontem à noite, que não se
surpreenderá se o governo Obama mostrar sinais de interesse pela “fórmula que
Bashar apresentou no Teatro de Ópera de Damasco”, dada a realidade geopolítica
na região, que está mudando muito rapidamente, e dado o impasse militar que se
vê em campo, na Síria. São duas evidências que já sugerem fortemente que não
restarão muitas alternativas ao novo governo Obama, porque não há qualquer
possibilidade realista de o regime Bashar “render-se”, jogar a toalha, entrar
“em colapso” ou ser vencido, no curto prazo.
Meu correspondente, que trabalha
no setor de questões EUA-Oriente Médio, crê também que o novo Secretário de Estado, John Kerry
e o provável novo Secretário de Defesa, Chuck
Hagel– que enfrentarão dura batalha para
serem aprovados no Senado, mas que, sim, provavelmente serão aprovados, operam
também nessa nova linha em que o governo Obama começa a investir.
George Sabra |
Fato
é que, diferente do presidente Assad, que apresentou um plano, um dos líderes da
chamada “oposição”, George Sabra, nada encontrou para propor, que encaminhasse
qualquer solução para a atual crise. Sabra só soube dizer que “Absolutamente não
se considera qualquer possibilidade de diálogo com esse regime, de forma alguma.
Não é uma possibilidade. Está fora de questão”.
É
possível que a chamada “comunidade internacional” já esteja começando a
considerar outra saída, melhor que essa, para a questão síria.
________________________
Nota
dos tradutores
[1]
SHAKESPEARE, Julio Cesar, ato 3, cena
2
(em português). Fala
Brutus , depois de ter assassinado Julio Cesar. Antes, na mesma
fala, Brutus disse:
“Se
houver alguém nesta reunião, algum amigo afetuoso de César, dir-lhe-ei que o
amor que eu [Brutus] dedicava a César não era menor do que o dele. E se esse
amigo, então, perguntar por que motivo levantei-me contra César, eis minhas
resposta: não foi por amar menos a César, mas por amar mais a Roma. Que teríeis
preferido: que César continuasse com vida e vós todos morrêsseis como escravos,
ou que ele morresse, para que todos vivêsseis como homens livres? Por haver
amado César, pranteio-o; por ter sido ele feliz, alegro-me; por ter sido
valente, honro-o; mas por ter sido ambicioso, matei-o. Logo: lágrimas para a sua
amizade, alegria para sua fortuna, honra para o seu valor e morte para a sua
ambição”
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