11/1/2013, Pepe Escobar,
Asia Times Online, The Roving
Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Ver também 7/1/2013 –
redecastorphoto, Teatro da Ópera,
Damasco: “Discurso do presidente Bashar al-Assad: Passos para a
paz na Síria”.
8/1/2013 – redecastorphoto, Franklin Lamb em: “Assad no
Teatro de Ópera de Damasco”.
Pepe Escobar |
Bashar
al-Assad, pois, falou em tom marcial – pela primeira vez em sete meses. Como
se poderia prever, culpou “terroristas” e “fantoches do ocidente” pela guerra
civil na Síria.
O ministro
turco das Relações Exteriores, Ahmet Davutoglu, aquele dos (antigamente) “zero
problemas com os vizinhos”, comentou que Assad só lê relatórios do seu serviço
secreto. Calma-lá, Ahmet! Bashar pode não ser nenhum Stephen Hawking, mas está
administrando bastante bem os seus buracos negros.
E Assad tem
um plano: diálogo nacional, que levará a uma carta constitucional nacional – a
ser submetida a referendo popular – e, depois, governo ampliado e anistia geral.
A questão é quem conseguirá usufruir toda essa felicidade engarrafada, porque
Assad descarta total e absolutamente, não só nova oposição síria, mas também o
Exército Sírio Livre [orig. Free Syrian
Army (FSA)], todas as forças que, para ele, não passam de gangues de
mercenários recrutados que recebem ordens de potências estrangeiras cujo único
objetivo é dividir a Síria.
Bashar al-Assad no Opera House, Damasco em 6/1/2013 |
Seja como
for, Assad tem um plano. Primeiro estágio: as potências estrangeiras que hoje
financiam os “terroristas” – como o conglomerado CCGOTAN, Conselho de Cooperação
do Golfo + Organização do Tratado do Atlântico Norte – terão de parar de
financiar os terroristas. Quanto a isso não há qualquer concessão: só no estágio
seguinte o Exército Sírio fará cessar todas as suas operações, embora sempre se
reservando o direito de responder a provocações que não se possam
evitar.
Lakhdar Brahimi |
O plano de
Assad nada diz sobre o que acontecerá ao próprio Assad. O único ponto sobre o
qual nunca houve divergência entre as várias correntes da oposição sempre foi
que “o ditador tem de partir”, antes de ser possível alguma negociação. Nada
disso, respondeu Assad. Assad será candidato à própria sucessão, em eleições que
aconteçam em 2014.
Como se isso já não bastasse para
torpedear de vez, para pôr a pique, todas as arquiteturas inventadas pelo atual
mediador da ONU, Lakhdar Brahimi [1], há também o ponto crucialmente
complexo de Brahimi insistir em incluir a Fraternidade
Muçulmana (FM) em qualquer governo sírio de transição. Brahimi
deveria prestar mais atenção em onde se mete. É como se a ONU insistisse em
rezar por um milagre (a abdicação de Assad).
A Síria não é Tora Bora
[2]
Hassan Nasrallah |
Quem queira
saber o que está realmente acontecendo na Síria, basta prestar atenção ao que
diga o secretário-geral do Hezbollah, Sheikh Hassan Nasrallah, que fala das
coisas como as coisas são.
Há também o que Ammar al-Musawi,
terceiro homem do Hezbollah – é o ministro de Relações Exteriores de
facto do Partido de Deus – disse a meu colega italiano Ugo Tramballi.
[3] O cenário mais provável pós-Assad,
se houver, será “não um estado unitário, mas uma série de emirados próximos à
fronteira turca, e alguém proclamará um estado islâmico”. A inteligência do
Hezbollah – a melhor que há no mundo, sobre a Síria – é clara: “um terço dos
combatentes na oposição síria são extremistas religiosos; e dois terços das
armas que circulam são controladas por eles”. Resumo da ópera: trata-se de
guerra do ocidente, lutada na Síria por procuração; o Conselho de Cooperação
Golfo (CCG) operando como “linha de frente” para a Organização do Tratado do
Atlântico Norte.
Leitores de
Asia Times Online já sabem disso há eras, como também sabem da mentira de
proporções tectônicas segundo a qual haveria alguma autocracia do Golfo
promovendo alguma “democracia” na Síria. A Casa de Saud abençoada pelos deuses
da geologia usou até o último grão de areia para subornar quem pudesse subornar
para tentar imunizar-se contra os miasmas da Primavera Árabe, mas, pelo menos no
Kuwait, os ventos de mudança já forçam a família Al-Sabah a aceitar um
primeiro-ministro que não é fantoche do emir. Sim, petromonarcas! Mais dia menos
dia, vocês todos virão abaixo!
Ammar al-Musawi |
Quem quiser
continuar a ignorar Musawi, que meta a cabeça na areia o quanto queira; nem por
isso evitarão a volta do chicote no lombo do chicoteador, “como no Afeganistão”.
E Musawi acrescenta: “A Síria não é Tora Bora; está no litoral mediterrâneo,
praticamente na Europa”. A Síria, nos anos 2010s é remix do Afeganistão
nos anos 1980s – com altíssima probabilidade de o chicote voltar sobre o lombo
vocês sabem de quem.
E os que
sigam os mais cegos que vivem a repetir que o Hezbollah seria organização
“terrorista”, anotem aí: o Hezbollah está trabalhando em íntima cooperação com a
ONU, nas fronteiras do campo de combate, ao lado dos mais de 10 mil Capacetes
Azuis comandados pelo general italiano Paolo Serra – para manter o sul do Líbano
protegido contra qualquer contágio/contaminação pela guerra civil
síria.
O ditador deixará o poder. É inevitável... De
novo?!
Não
surpreendentemente, as gangues de mercenários apresentadas e rotuladas como se
fossem alguma “oposição síria” rejeitaram em bloco o plano de Assad. Para a
Fraternidade Muçulmana – aspirante ao trono sírio, ou, no mínimo, a uma parte
dele – Assad seria “criminoso de guerra” e terá de ser julgado. Para Georges
Sabra, vice-presidente do tal “combinado” norte-americano/qatari chamado
“Coalizão Nacional”, as palavras de Assad teriam sido “declaração de guerra
contra o povo sírio”.
William Hague |
Como se
previa, o Departamento de Estado dos EUA – ainda não comandado por John Kerry –
disse que Assad estaria “descolado da realidade”. Londres decretou que o
discurso não passaria de hipocrisia e, imediatamente, inventou mais dois dias de
reunião “secreta”, agendada para essa semana no Wilton Park em West Sussex, em
que se misturarão os membros da tal “coalizão” e o velho selecionado de sempre
de “especialistas”, professores de universidades, funcionários de governos do
CCG e as tais “agências multilaterais”. William Hague, o espetacularmente
patético ministro de Relações Exteriores do Reino Unido tuitou – pela centésima
milésima vez – que “Assad deixará o poder em breve. É
inevitável”.
Fatos em
campo sugerem fortemente que Assad não deixará coisa alguma nem irá a parte
alguma em futuro próximo.
Quanto ao que
dizem os britânicos, que “a comunidade internacional pode dar apoio a um governo
de transição”, nenhum sírio bem informado – dos que sabem que essa guerra civil
está sendo financiada, mantida e amplamente coordenada pelo ocidente,
especificamente pela parte OTAN do grupo CCGOTAN – deu qualquer importância à
“novidade”.
Os sírios bem
informados farejam a ação de um rato – ocidental – na obsessiva repetição de que
a guerra na síria seria “guerra sectária”; para ter certeza de que nada é bem
assim, consideram a quantidade imensa de sunitas influentes que permanecem leais
ao governo sírio.
Farejam o
rato – ocidental – quando olham para trás e veem que tudo começou exatamente no
momento em que o gasoduto Irã-Iraque-Síria, de US$10 bilhões (que passa ao largo
da Turquia, membro crucial da OTAN) começou a ser viabilizado, com chances reais
de ser construído. Seria enorme impulso econômico para uma Síria independente,
balde de água geladíssima, gesto não-e-não, contra tudo que tenha a ver com
interesses ocidentais.
O governo
Obama 2.0 – e Israel – gostariam muitíssimo de ver a Fraternidade Muçulmana no
poder na Síria, acompanhando o modus operandi do que está sendo feito no
Egito. A Fraternidade promove a ideia de um “estado civil”; basta examinar as
poucas “áreas libertadas” na Síria, para saber o de que civilidade se trata,
quando encarna em degoladores de vários matizes, seguidores linha-dura da
Xaria.
Mas o que o
CCGOTAN e Israel realmente desejam é um modelo à Iêmen, para a Síria: ditadura
militar, sem o ditador. Pelo que se pode ver, continuarão a só obter, no curto
prazo, um Paraíso Jihadista.
Cortem a cabeça deles!
Ayman al-Zawahiri |
Há quase um
ano, o número 1 da al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri, convocou todos os fiéis sunitas
linha-dura do Iraque e Jordânia ao Líbano, Turquia, e de toda parte, para viajar
à Síria e, alegremente, derrubar, esmagar Assad.
E eles
começaram a viajar, e continuam a chegar, incluindo – como aconteceu no
Afeganistão – chechenos e uigures e asiáticos do sudeste da Ásia, reunindo gente
de todo o tipo, do Exército Sírio Livre à Frente al-Nusra – principal milícia de
assassinos, que hoje já reúne mais de 5.000 jihadistas.
Matéria publicada essa semana pela
Quilliam Foundation [4], instituto de estudos de
contraterrorismo com sede em Londres, confirma o papel da Frente Al-Nusra. O
principal autor do relatório, Noman Benotman, é líbio, ex-jihadi, com
laços muito estreitos com al-Zawahiri e com o falecido “Geronimo”, também
conhecido como Osama bin Laden.
Frente al-Nusra, braço sírio da al-Qaeda |
A Frente
Al-Nusra é, de fato, o braço sírio da al-Qaeda no Iraque (AQI), marca terrorista
registrada do falecido Abu Musab al-Zarqawi, também conhecida como Estado
Islâmico do Iraque, depois que Zarqawi foi incinerado por um míssil dos EUA, em
2006. Até o Departamento de Estado sabe que o emir da al-Qaeda no Iraque, Abu
Du’a comanda ambos os grupos, a AQI e a Frente al-Nusra, cujo emir é Abu
Muhammad al-Jawlani.
É a al-Qaeda
no Iraque que facilita o vai-e-vem de comandantes iraquianos – todos com vasta
experiência de luta em terra contra os norte-americanos – para e de áreas
sensíveis na Síria, enquanto os sírios, iraquianos e jordanianos da Frente
al-Nusra também trabalham pelo telefone, para arrancar financiamentos de fontes
do Golfo. A Frente Al-Nusra quer – claro, e o que mais quereria?! – um Estado
Islâmico, não só na Síria, mas em todo o Levante. Tática
favorita: carros e caminhões-bomba, com suicidas-bomba, e carros-bomba acionados
por controle remoto. No momento, a Frente Al-Nusra mantém um regime tenso de
colaboração/concorrência com o Exército Sírio Livre.
E o que
acontecerá a seguir? A nova Coalizão Nacional Síria é piada. Aqueles bastiões de
democracia organizados no CCG estão já completamente submergidos no tsunami
jihadista. A Rússia demarcou a linha vermelha e a OTAN não se atreverá a
bombardear; russos e norte-americanos estão discutindo detalhes. Mais dia, menos
dia, Ancara afinal lerá a mensagem que grita pelos muros – e voltará atrás,
revertendo para uma política de, pelo menos, reduzir ao mínimo qualquer problema
com os vizinhos.
Assad viu e
entendeu com clareza O Grande Quadro – daí o tom “confiante” de seu discurso.
Agora se trata de Assad contra os jihadistas. A menos que, ou até que, a nova
CIA, agora sob o comando de John Brennan, o Exterminador & seus
drones, opte por intrometer-se diretamente no quadro da guerra
clandestina-suja, para vingar-se.
Notas dos
tradutores
[1] “Brahimi é o especialista em
conflitos que envolvam forças islamistas (...) preferido do ocidente. Tem
currículo consistente na arte de criar a ilusão de que haja negociações em curso
onde nenhuma negociação exista, e a real discussão prossiga, inalterada, no
campo de batalha. Kofi é independente demais; Brahimi obedece em tempo integral”
(12/8/2012, redecastorphoto, MK
Bhadrakumar, em: “A
proposta do Irã ao ocidente, sobre a Síria”).
[2] Sobre isso ver: “Batalha de Tora
Bora”
Ugo Tramballi |
[3] 8/1/2013, “Al-Mussawi,
numero tre di Hezbollah: ‘Se crolla Assad l'estremismo islamico si avvicinerà
all'Europa’” [Al-Mussawi, número 3 do Hezbollah: “Se Assad
cair, o extremismo islâmico se aproximará da Europa”], entrevista ao enviado Ugo
Tramballi, Il sole 24 ore, Itália. (em italiano).
[4] 8/1/2013, em Quilliam Foundation, press release: QUILLIAM RELEASES NEW STRATEGIC BRIEFING “JABHAT AL-NUSRA”
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