3/1/2013, Peter Hogarth, Socialist Worker,
Canadá
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Leon Trotsky |
Baseado
na experiência da Revolução Russa de 1905, Leon Trotsky desenvolveu a teoria da
“revolução permanente”, posta em prática na onda revolucionária de 1917. Um
século depois, a mesma teoria continua a dar-nos meios para compreender o
potencial atual e futuro do Despertar Árabe – a partir do desenvolvimento
desigual e combinado do capitalismo, do papel central da classe trabalhadora,
até o potencial para mudança internacional.
Karl
Marx esquematizou o meio pelo qual o capitalismo pode ser derrotado e o
socialismo pode ser criado. Escreveu sobre a necessidade de certo nível de
desenvolvimento econômico e a emergência de uma classe trabalhadora majoritária
capaz de derrubar o velho sistema e de, ao mesmo tempo, promover desenvolvimento
industrial e social capaz de dar sustentação à nova sociedade socialista. Muitos
socialistas, naquele momento, pensavam que cada país teria de passar por
estágios específicos de desenvolvimento econômico e político, antes de a classe
trabalhadora poder liderar uma revolução socialista. Assim chegaram a conclusões
mecânicas, não raras vezes eurocêntricas, segundo as quais só países altamente
desenvolvidos, como França, Alemanha e Grã-Bretanha seriam capazes de ter
revoluções socialistas baseadas nos seus respectivos níveis de desenvolvimento
industrial e social.
Karl Marx |
Para
muitos daqueles socialistas, a Rússia, velha e atrasada – com monarquia
autocrática, população predominantemente camponesa e trabalhadores que mal
chegavam a poucos milhões – não parecia candidata provável a fazer revolução
liderada pelos trabalhadores. Mesmo Lênin e os bolcheviques pensavam que, embora
a classe trabalhadora não devesse confiar na burguesia, e desempenhasse
necessariamente papel de liderança num movimento revolucionário, a revolução não
avançaria até um governo de trabalhadores; em vez disso, faria várias reformas
democráticas, as quais tornariam possível, para futuro posterior, a luta pelo
socialismo. Mas Trostsky, considerando a Revolução Russa de 1905, elaborou a
teoria da “revolução permanente”, em seu livro
Resultados e Perspectivas [1] – e,
apenas 12 anos depois a Rússia já era o primeiro (e até hoje o único) país a
fazer sua revolução liderada pela classe operária.
Desenvolvimento
desigual e combinado
A
teoria da revolução permanente reconhecia o desenvolvimento internacional do
capitalismo. Rompendo com o socialismo evolucionário, que ganhava destaque no
Partido Social-Democrata Alemão, reformista, Trotsky entendia que o
sistema-mundo do capitalismo tinha de ser descrito em termos de desenvolvimento
desigual e combinado.
O
capitalismo promove desenvolvimento desigual – diferentes economias capitalistas
desenvolvem-se em ritmo e taxas de desenvolvimento diferentes. A natureza
competitiva do capitalismo e o processo de acumulação que é o motor do sistema
implicam que as diferenças entre e dentro das economias nacionais podem
tornar-se muito agudas. Ao mesmo tempo, o capitalismo arrasta todas as economias
do mundo para um único sistema-mundo combinado.
O
resultado do desenvolvimento desigual e combinado pode ser visto na Rússia em
1905, tanto quanto no Egito em 2012: agricultura camponesa de baixa produção e
de subsistência, coexistindo com indústrias modernas; por exemplo: na Rússia
Revolucionária, a fábrica Putilov; no Egito Revolucionário, o complexo de indústria têxtil Ghazl al-Malhalla.
Complexo Industrial Ghazl al-Malhalla, El Kubra no Delta do rio Nilo |
Como
Trotsky escreveu, o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo
“permite, ou, melhor dizendo, obriga, que se adote qualquer coisa que esteja
madura ou pronta antes de qualquer data marcada, ultrapassando-se assim uma
longa série de estágios intermédios”.
Democracia
e classe trabalhadora
Trotsky
extraiu daí, como conclusão política, a noção de que as estruturas sociais e
políticas dos países capitalistas também são afetadas por um ou outro país
entrar com forte retardo na cena do capitalismo mundial.
Porque
coexistiu com uma classe trabalhadora pequena, mas desenvolvida e com o sistema
imperialista global, a burguesia russa não poderia desempenhar o papel
revolucionário que a burguesia francesa desempenhara em 1789 na derrubada do
feudalismo, alcançando a independência nacional e fixando um governo da
democracia burguesa. O papel conservador da burguesia advém não só dos
interesses que a burguesia investe no sistema, mas, também, do medo de que a
classe trabalhadora que se rebele avance além das reformas democráticas e
prefira, a elas, um poder alternativo.
Para
Trotsky, a única classe social que poderia desempenhar esse papel protagonista
seria a classe operária. A posição estratégica da classe operária na economia, e
a realidade de que a luta dos operários por melhor padrão depende diretamente de
trabalho cooperativo e de democracia, significava que mesmo que a classe
operária não passasse de pequena porcentagem da população, ainda assim teria
papel progressista, decisivo; que arrastaria para a mesma causa a grande massa
dos camponeses e outras porções oprimidas da sociedade.
Zine El Abidine Ben Ali |
A
força decisiva que anima a classe operária manifestou-se sob vários aspectos no
Despertar Árabe. Na Tunísia, o Sindicato Geral dos Trabalhadores Tunisianos
[orig. General Tunisian Workers’ Union] teve papel crítico na deposição
do primeiro-ministro Zine El Abidine Ben Ali. As semanas de ocupação na Praça
Tahrir sacudiram o regime Mubarak, mas foram as greves massivas dos
trabalhadores da indústria têxtil, dos trabalhadores portuários e dos
petroleiros que, afinal, derrubaram Mubarak. Paralelamente, em outros pontos,
como na Síria, onde não se observou a ação da classe operária como força
organizada, não se observa tampouco qualquer tipo de desenvolvimento
propriamente revolucionário.
O
Despertar Árabe também mostra a incapacidade da burguesia local para garantir
“pão, liberdade e justiça social” e para desafiar o imperialismo. O presidente
Mohammed Mursi, da Fraternidade Muçulmana chegou ao poder como alternativa a
Mubarak, mas ele e a Fraternidade – organização que atravessa o sistema de
classes e que inclui muitos egípcios pobres, mas sob o comando de elementos de
classe média – só contribuíram para reafirmar o controle dos militares sobre a
economia egípcia, asseguraram a Israel e aos EUA a fidelidade dos Irmãos e
arrancaram do Parlamento uma lei que isenta a própria Fraternidade Muçulmana de
qualquer supervisão pelo Parlamento. Quando na oposição, os Irmãos diziam que,
se fossem eleitos, romperiam o cerco contra Gaza; mas quando Israel novamente
atacou Gaza, a Fraternidade Muçulmana sumiu de cena. E foram os socialistas e
outros ativistas egípcios que afinal romperam o cerco de Gaza, com ajuda e
solidariedade aos palestinos.
Como escreveu Hossam
El-Hamalawy, socialista egípcio, pouco depois de Mubarak
ter sido derrubado do governo,
Hossam El-Hamalawy |
Agora, temos de levar Tahrir para
as fábricas. Com o avanço da revolução, acontecerá, inevitavelmente, uma
polarização de classes. Temos de nos manter atentos e vigilantes. Temos as
chaves da libertação de toda a região, não só do Egito. Temos de avançar, em
revolução permanente que dê poder ao povo desse país, com democracia direta de baixo para
cima. [2]
As
recentes rebeliões contra a Fraternidade e o estabelecimento de sindicatos
independentes mostram o potencial da segunda fase da revolução egípcia –, com
consequências regionais e globais.
Da
revolução democrática à revolução social
Dado
que a burguesia não é capaz de resolver as questões democráticas, agrárias e
nacionais básicas, Trotsky ensina que também é impossível encontrar solução para
esses problemas, sem desafiar os limites da propriedade privada burguesa e do
próprio capitalismo.
O
exemplo da Rússia de 1917 é bastante claro. Em fevereiro começou uma demanda por
direitos democráticos e “paz, terra e pão”; o que começou em fevereiro
converteu-se em revolução de trabalhadores socialistas, depois que se constatou
que o governo capitalista que substituíra o governo do czar não conseguiria pôr
fim à guerra, nem pôr fim às relações de propriedade da terra, nem alimentar o
povo. Trabalhadores e camponeses russos entenderam que não poderiam confiar nos
novos governantes para que lhes dessem “paz, terra e pão”; que teriam de tomar
eles mesmos o poder – e “todo o poder aos sovietes”.
Dessa
noção surge o argumento final pela revolução permanente de Trotsky: a revolução
socialista completa “é impensável dentro de limites nacionais (...) Assim, a
revolução socialista converte-se em revolução permanente, num novo e mais amplo
sentido da palavra; e só alcança a completude na vitória final da nova sociedade
em todo nosso planeta”.
Embora as revoluções na Tunísia e
no Egito estejam longe de ser revoluções socialistas, é bem evidente que
provocaram convulsões em outros países – disparando revoltas regionais no Norte
da África e no Oriente Médio, inspirou trabalhadores do setor público
em Wisconsin
(EUA ), ativistas dos movimentos Occupy e estudantes no Quebec, no
movimento que ficou conhecido como “printemps érable” [lit. “primavera do
bordo”
[3]]. Estamos muito distantes do potencial de
socialismo revolucionário que a Revolução Russa despertou em 1917, mas não há
dúvidas de que o Despertar Árabe trouxe nova vida às lutas em todo o mundo.
Movimento "Printemps érable" (Canadá) em 22/5/2012 |
A
teoria da revolução permanente de Trotsky ajuda a compreender os limites que,
até agora, surgiram no caminho das revoluções e o quanto a organização e a
atividade da classe trabalhadora global são absolutamente indispensáveis na luta
para construir mundo melhor. Nessa linha, vê-se que países menos desenvolvidos
podem ocupar lugar potencialmente central naquela luta, não necessariamente
periférico, como antes se supunha.
Notas dos
tradutores
[1] Pode-se ler (espanhol), em: “Leon Trotsky:
Resultados y Perspectivas”
[2] 14/2/2011, The Guardian, Hossam El-Hamalawy em: “Egypt
protests continue in the factories”
[3] A expressão,
intraduzível, beneficia-se da semelhança entre os sons /arabe/[árabe] e /érable/[bordo
), a árvore cuja folha aparece na
bandeira do Canadá]. Leia mais sobre os movimentos da Primavera
do Bordo no Canadá.
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