terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Discussões sobre a Síria: “A Rússia assume o centro do tablado”


21/2/2013, MK Bhadrakumar*, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Sergey Lavrov anuncia conversações de paz na Síria ao lado de Mohamed Kamel Amr
A Rússia deu grande e importante passo para consertar as pontes com a Liga Árabe, com uma minuta de um Plano de Ação para o Fórum Russo-Árabe (FRA) [orig. Action Plan for the Russian-Arab Forum [RAF]).

O FRA foi deixado à espera, enquanto as relações da Rússia com a Arábia Saudita e o Qatar desmontaram-se, com o advento do conflito na Síria e as inúmeras incertezas que surgiram no Oriente Médio trazidas pela Primavera Árabe.

O Plano de Ação afirma que não há contradições fundamentais entre a Rússia e o mundo árabe, no que tenha a ver com as questões nucleares do conflito entre árabes e israelenses e do problema palestino, ou quanto ao estabelecimento no Oriente Médio, de zona sem armas nucleares e de “cooperação internacional na esfera da energia nuclear pacífica”.

Clara indicação de que o conflito na Síria caminha para negociações políticas, e de que a Rússia espera desempenhar papel decisivo no processo, é que a primeira reunião do FRA tenha acontecido em Moscou, na 4ª-feira. A declaração conjunta distribuída depois da reunião destaca um alto grau de convergência no que tenha a ver com a situação síria.

Os dois lados rejeitaram intervenção estrangeira e reafirmam seu respeito à soberania, independência, integridade territorial e unidade da Síria; mais importante que isso, já tocaram em modalidades de “transição” para a Síria.

Sugeriram que se deve iniciar um processo político, depois de imediato cessar-fogo, o que levará “a formar um corpo de governo de transição com plenos poderes executivos para atravessar o período de transição e transferir o poder em prazo a ser acordado”. Claro: “todos os sírios” devem participar no processo político.

Interessante, a declaração conjunta cita o Comunicado de Genebra, de junho de 2012, como base fundamental do processo de paz. (A Rússia argumentou, consistentemente, que o regime sírio deve também participar do processo de paz).

Walid al-Mualem
O ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, disse, depois da reunião do Fórum Rússia-Árabes, que Moscou deseja hospedar um diálogo entre os próprios sírios. O ministro sírio de Relações Exteriores, Walid al-Mualem é esperado em Moscou na 2ª-feira; e também já se cogita de visita à Rússia, em março, do líder da oposição síria, Moaz al-Khatib.

As coisas parecem estar começando a melhorar. O Ministério de Relações Exteriores em Moscou já parece arriscar-se a anunciar boas novas: “Hoje [5ª-feira] ouvimos que há sinais de movimentação rumo a um diálogo entre o governo sírio e a oposição”.

Além do mais, o MRE da Rússia tuitou as seguintes observações, atribuídas a Lavrov:

Nós [a Rússia] fizemos belo trabalho para convencer a liderança síria a cooperar com a liga árabe, à base desse iniciativa.

E em seguida:

A Rússia apoiou a ideia de enviar observadores da Liga Árabe à Síria.

E outra vez, interessante:

Importante é que a prontidão para o diálogo manifestada pela oposição síria foi respondida com igual prontidão pelo governo.

Nabil al-Arabi 
Lavrov “convocou” fortemente o regime sírio, na presença do Secretário-Geral da Liga Árabe, Nabil al-Arabi (que estava em Moscou na 4ª-feira, para a reunião do FRA):

A necessidade de iniciar um diálogo torna-se cada dia mais clara. Nenhum dos dois lado pode permitir-se apostar em solução militar, que é caminho para lugar algum, uma via para a autodestruição.

Significativamente, o Ministro de Relações Exteriores do Egito, Mohamed Kamel Amr participou da reunião do Fórum Rússia-Árabes. É a segunda visita de Amr a Moscou, nos últimos dois meses. O Egito deve assumir agora a presidência rotativa da Liga Árabe.

As atenções agora se mudam para Roma, onde, na 5ª e 6ª-feiras, reúnem-se os países que clamam por “mudança de regime” na Síria – EUA, Grã-Bretanha, França, Alemanha, Qatar, Arábia Saudita, Turquia, etc. Será a primeira vez em que se verá o novo Secretário de Estado dos EUA John Kerry em ação oficial, na questão síria.

Com as pombas da paz ansiando por abrir asas e decolar rumo aos céus de Moscou, o encontro em Roma terá de haver-se com a adequação ou não de insistir em bater os tambores de guerra. Ações dos EUA para armar os rebeldes sírios parecem hoje ainda mais improváveis.

Isso posto, e apesar de retiradas táticas, a estratégia dos EUA não mudou fundamentalmente. A prioridade imediata será trabalhar para formar um governo de transição na Síria que não seja “antiocidente” e que Washington espera conseguir influenciar.

Ao mesmo tempo, os EUA esperam que as forças do governo sírio e os radicais islamistas continuem a enfraquecer-se mutuamente, e que, a cada dia enfraqueçam-se mais. Do ponto de vista dos EUA, a era pós-Bashar al-Assad já pode começar, apesar de o espectro da al-Qaeda instilar dúvidas sobre qualquer apressamento na dinâmica em campo.

O coração da questão é que a crise síria já modificou o equilíbrio estratégico regional. A ruptura nos laços entre o Hamás e Damasco, o surgimento de tensões sectárias entre xiitas e sunitas, o isolamento do Irã no mundo árabe – são condições que já mostraram inabalável potencial para “gerenciar” a crise síria num largo espectro, com vistas a calibrar outras questões regionais, como a questão nuclear do Irã, o problema palestino, a intransigência dos israelenses, etc..

Principal objetivo da missão dos Patriots na Turquia: proteger o radar da OTAN
Mais uma vez, em escala mais ampla, o conflito sírio já ofereceu o álibi para que os EUA instalem seu sistema de mísseis de defesa na Turquia, embora, de fato, o objetivo real seja outro (como se lê no jornal do Departamento de Defesa dos EUA, 20/2/2013, Patriots'  Main Mission in Turkey: Protect NATO Radar [Principal objetivo da missão dos Patriots na Turquia: proteger o radar da OTAN]).




MK Bhadrakumar* foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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