sábado, 2 de fevereiro de 2013

Papai-Noel-ização de Martin Luther King, Jr.


1/2/2013, David Sirota*, In These Times
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Martin Luther King, Jr. discursando em 1967
Quando militares dos EUA tuitam citações de MLK como se apoiasse a guerra, você pode ter certeza de que as coisas vão mal, muito mal – para os militares dos EUA.

Todos os anos, entre o Dia de MLK e o início do Mês da História dos Negros, o esforço para distorcer e falsificar o legado e a vida de King parece intensificar-se. Às vezes, veem-se conservadores a mentir que, se King vivesse hoje, já estaria filiado ao Partido Republicano Neoconfederado. Noutros anos, é enganação por omissão – ouvem-se reproduções do discurso de 1963 “Eu tenho um sonho”... mas não se ouve uma linha sequer de qualquer de seus muitos discursos contra a guerra e a miséria.

Cornel West
Cornel West, professor de Princeton, chama a esse processo a Papai-Noel-izaçãodo Dr. King. E se você já ouviu ou leu alguma vez qualquer fragmento do Discurso de 1967 na Igreja de Riverside, entenderá o quanto a expressão é adequada.

Entenderá também por que, dessa vez, em 2013, a mais grotesca tentativa para Papai-Noel-izar a vida de Martin Luther King é repugnante, mas, de certo modo, também muito estimulante.

Em 2013, os Marines dos EUA comemoraram o Dia de Martin Luther King (terceira 2ª-feira de janeiro) tuitando aquela frase famosa de King “Homem que não abrace alguma causa pela qual se disponha a morrer, também não está preparado para viver”. Foi tentativa nada sutil de usar o nome e a memória de King, apresentando-o como se algum dia tivesse apoiado alguma guerra.

Glenn Greenwald
Glenn Greenwald do The Guardian foi o primeiro a observar: o Comando das Forças Aéreas de Ataque Global dos EUA [orig. US Air Force's Global Strike Command] postou semana passada um ensaio online no qual afirma que o Dr. King, se vivo fosse, estaria saudando nossos soldados “que trabalham para que as mais poderosas armas que há no arsenal dos EUA continuem a servir como fundamento e pilar central confiável de nossa defesa nacional”. E para os Marines, a “Força Aérea, assegurando nosso compromisso com nossa equipe de Ataque Global (...) é tributo adequado que prestamos ao Dr. King”. Simultaneamente, os Marines comemoraram o Dia de MLK tuitando a conhecida frase de King, numa tentativa nada sutil para pintar o Dr. King como apoiador de guerras.

Aconteceu depois de um artigo de 2011, postado na página Internet do Departamento de Defesa, sob o título: “Dr. King compreenderia as nossas atuais guerras, diz advogado do Pentágono”.

Nesse contexto, é preciso voltar à excepcional importância do Discurso na Igreja Riverside – exatamente o discurso e o pensamento que o processo de Papai-Noel-ização tanto trabalha para apagar da história.

Naquela fala, o mais famoso e empenhado pregador norte-americano pela não violência lastimava que “Uma nação que continua, ano após ano, a gastar mais dinheiro com militares e armamentos, do que com programas de promoção social, já se aproxima perigosamente de um estado de morte espiritual”.

Dizia também que o militarismo não ajuda a proteger os EUA; denunciava “o grande incentivador e distribuidor de violência e dor em todo o mundo hoje: o governo dos EUA, meu próprio governo”. E insistia que “nada, exceto um trágico desejo de morte, nos impede de reordenar nossas prioridades, de modo a que trabalhemos mais em busca da paz, do que em busca da guerra”.

Comparando o revisionismo histórico do Pentágono e as verdadeiras palavras de King, Greenwald observa:

“Os militares dos EUA dizem agora, publicamente, que o homem que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1964, e crítico feroz do imperialismo norte-americano, seria admirador de arsenais nucleares, de programas de assassinatos em massa, do emprego clandestino de técnicas de violência em vários países do mundo, inclusive em países com os quais os EUA não estão em guerra. Anotar aqui esse tipo de propaganda pró-guerra já é comprovar o quanto há nela, de repugnante”.

Greenwald está absolutamente certo: a propaganda do Pentágono é repugnante. Mas é muito estimulante constatar que esse tipo de propaganda expõe, muito visível, um sistema político no qual a extensão das mentiras mostra a extensão do desespero.

Nesse caso específico, a facilidade com que o Pentágono mente sobre o que MKL disse e foi, é prova de alucinado desespero, de quem tenta, já arrastado pelo pânico, alterar as tendências da opinião pública. O Pentágono já dá sinais de saber que, segundo todas as pesquisas, mais e mais norte-americanos começam a redescobrir as perguntas que King propôs sobre gastos do governo norte-americano para manter exércitos assassinos e contra a opção pelo militarismo, sobre todas as prioridades sociais.

Quando a propaganda do Pentágono já tenta descaradamente Papai-Noel-izar Martin Luther King, fazer com que todos esqueçamos quem foi ele e por que lutou e morreu, o que se vê é que, afinal, temos, cada dia mais, de honrar a sua luta e o seu legado.

A propaganda do Pentágono é vergonhosa e imperdoável, sim. Mas é estimulante sinal, também, de que nos aproximamos, sim, hoje, mais do que nunca, de realizarmos o sonho de Martin Luther King.


David Sirota* é editor sênior e colunista do blog In These Times; é escritor e seu livro mais vendido foi “Back to Our Future: How the 1980s Explain the World We Live In Now—Our Culture, Our Politics, Our Everything” lançado em 2011. Seus livros anteriores são: “The Uprising” e “Hostile Takeover”; também é co-apresentador do programa de rádio “The Rundown” na AM630 Khow no Colorado.
E-mail: ds@davidsirota.com  
Twitter: @davidsirota   

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