21/3/2013, Erich Follath,
Der Spiegel Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Erich Follath |
O’Neill,
55, tornou-se mundialmente conhecido em 2001, por artigo no qual cunhou e usou
pela primeira vez a sigla BRIC – os países em desenvolvimento naquele momento,
Brasil, Rússia, Índia e China, os quais ele previu que seriam as futuras grandes
potências econômicas. Mais recentemente, a África do Sul tem aparecido
frequentemente incluída no mesmo grupo.
O
quinteto, agora chamado BRICS, tem, acumulada, cerca de 40% da população mundial
(...). No final de março, líderes dos BRICS vão-se reunir em Durban, África do
Sul, como parte do trabalho para encontrar uma nova ordem mundial e definir seu
papel dentro dela.
Jim O'Neill |
SPIEGEL: Sr.
O’Neill, administrar mais de $800 bilhões em ativos parece ser trabalho
desafiador. Por que o senhor anunciou que vai deixar seu posto? Deixou de gostar
do que faz?
O’Neill: Nada
disso. Gosto muito do que faço. Mas depois de mais de 17 anos como sócio em
Goldman Sachs, decidi sair. E cheguei à conclusão de que é hora de sair e tentar
uma nova vida lá fora.
SPIEGEL: O que
quer dizer com isso? Vai-se aposentar e viajar pelo mundo? Ou vai associar-se à
diretoria de outro banco, quem sabe... o Deutsche Bank?
O’Neill: Você
está só provocando. Mas não, não posso me estender sobre isso. De qualquer modo,
não penso em me retirar completamente dos negócios.
SPIEGEL: Sua aposentadoria terá algo a ver com a
péssima imagem do Goldman Sachs, nos últimos tempos? Recentemente, o grupo
Greenpeace “premiou” sua empresa com o Troféu “Na Mira da Opinião Pública [orig.
Public Eye Award], como “a pior empresa do ano”, porque Goldman Sachs
ajudou a Grécia a ocultar o volume das dívidas e, assim, é também responsável
pela crise financeira. E agora, outra vez, o Goldman Sachs está voltando a
práticas não transparentes.
O’Neill: Nada
disso tem qualquer coisa a ver com minha decisão pessoal. Talvez seja surpresa
para você, mas, de fato, concordo com essas críticas em vários sentidos.
Vários de nós não agiram de forma responsável em alguns pontos.
Alguns não conseguiram entender que nossos negócios afetam toda
a humanidade. Agiram como se fosse possível operar à parte, fora do mundo real.
Agora, estão sendo acertadamente criticados por isso.
SPIEGEL: O senhor poderia iniciar uma segunda
carreira, como secretário-geral dos países BRICS.
O’Neill: Nos
últimos dias, de fato, recebi algumas ofertas de emprego, e essa, com certeza,
seria das mais interessantes! Mas não sei se os países BRICS cogitam de criar
esse posto e, se cogitarem, se se interessariam por me dar o emprego. Por outro
lado, esse clube de países deve a própria existência a mim – digo-o com toda a
modéstia. OK. Esperarei que me convidem, antes de discutir o assunto.
SPIEGEL: Ano passado, na reunião em Delhi, os
líderes dos países BRICS já discutiram algumas ações conjuntas bem específicas,
como criar o “Banco do Sul”, para competir com o Banco Mundial, controlado por
países ocidentais...
O’Neill: ...
ideia que me parece fascinante e que está sendo defendida pela Índia, talvez
também, provavelmente, pelo Brasil. Mas ainda falta ver se os chineses realmente
aprovam o plano. Agora, para os países BRICS seria importante lançar projetos
concretos, se querem mesmo ser mais que um clube, unido por laços pouco firmes.
Já definiram algumas medidas para facilitar o comércio entre eles e têm demandas
conjuntas em alguns tópicos de política exterior e políticas para o meio
ambiente. Podem fazer muito mais.
SPIEGEL: Os países BRICS não são diferentes demais
entre eles, para constituir grupo realmente poderoso? Quando o senhor cunhou a
sigla e o conceito, já supunha que os BRICS teriam tal impacto na política
mundial?
O’Neill: Não,
claro que não! Tente imaginar a minha situação naquele momento. Foi pouco depois
do 11/9. Os ataques terroristas contra New York e Washington fortaleceram minha
ideia de que era hora de ultrapassar a dominação dos países ocidentais sobre o
mundo, ou, no mínimo, que era preciso complementar aquela dominação,
acrescentando alguma outra força. Se a globalização devesse prosseguir e ser
bem-sucedida, seria necessário abandonar o barco dos EUA e passar a navegar sob
outra bandeira. Ocorreu-me que, pelas dimensões territoriais e grandes
populações, China, Índia, Rússia e Brasil teriam potencial econômico. O que as
economias emergentes têm em comum – além de todas elas desconfiarem do ocidente
– é o futuro promissor e brilhante. Mas, fora isso, dificilmente se conseguiria
grupo mais heterogêneo em termos políticos e, também, quanto aos respectivos
sistemas econômicos.
SPIEGEL: Economicamente, os BRICs desenvolveram-se
como o senhor esperava?
O’Neill: Os
BRICS ultrapassaram todas as minhas expectativas. Em pouco mais de uma década, o
PIB do grupo saltou de aproximadamente $3 trilhões, para $13 trilhões. Os países
BRIC têm potencial para passar ao largo da recessão mundial e crescer mais
depressa que o resto do mundo e nos arrastar, todos nós, com eles como um motor
de crescimento.
SPIEGEL: É o que o senhor tem dito. Mas China,
Índia, Rússia e Brasil também enfrentam crises significativas. Ruchir Sharma,
seu colega e presidente do Morgan Stanley
Investment Management, até já anunciou o fim do milagre. Em artigo
intitulado “BRICS quebrados”, escreveu que “os novos BRICS da economia mundial
estão quebrados”...
O’Neill:... e
parte da imprensa não faz outra coisa além de repetir essa tolice. É ideia tão
totalmente errada que eu, conforme o dia e o estado do meu humor, às vezes me
irrito, às vezes dou risada.
SPIEGEL: Mas o senhor não pode negar que, ano
passado, os BRICS causaram desapontamento considerável e o desempenho da
economia daqueles países foi, ano passado, bem menos que esplêndido.
O’Neill: Quanto
a isso, há diferentes opiniões. Ano passado, a economia da China cresceu 7,7%.
Portanto, em 2012, o país, outra vez, criou riqueza equivalente a toda a econmia
grega a cada 11 semanas e meia. É baixo crescimento para os padrões chineses.
Mas o importante, aí, são as razões que explicar o crescimento menor da China: e
são razões estruturais e cíclicas. Foi desaceleração planejada, porque os
chineses tratavam de evitar superaquecimento e inflação. No último trimestre a
China novamente deu-se bem, e já saiu da área de turbulência.
SPIEGEL: O senhor não vê nenhum sinal de alarme no
grande número de greves, na corrupção e no aumento da diferença entre ricos e
pobres? O senhor está vendendo participação em fundos chineses nesse
momento?
O’Neill: Nas
minhas visitas à China, sempre me chama a atenção o quanto o partido governante
é maleável e não dogmático em tudo que tenha a ver com tomar decisões de
política econômica. Nos últimos dois anos, encurtaram bastante as rédeas das
finanças, porque a liderança chinesa tentava proteger-se contra a inflação. Pelo
que se vê, parece que deu certo. Não espero movimentos dramáticos da nova
liderança política. Só espero que prossigam cautelosamente, no processo de
reformas já iniciado com o objetivo de melhorar os padrões de vida e de reduzir
a distância, ainda grande, que separa ricos e pobres.
SPIEGEL: E o senhor é igualmente otimista quanto a
Rússia, Brasil e Índia?
O’Neill: Nem
tanto. A Rússia tem de livrar-se da dependência das exportações de petróleo e
gás, mas, sim, tem boa chance de alcançar crescimento contínuo anual
ligeiramente acima de 4%. E o Brasil tem de acelerar o crescimento, com grandes
oportunidades adiante, para aquele país, no longo prazo, graças às matérias
primas e ao desempenho das indústrias. Deixando de lado a África do Sul, que não
foi incluída inicialmente no grupo BRIC, o país que enfrenta os maiores desafios
é a Índia. O governo em Delhi terá de fazer mais para apoiar o investimento
externo direto, e (a economia indiana) carece urgentemente de algum estímulo. Na
Índia, há governo de menos. Os políticos indianos acreditam que as coisas podem
melhorar por elas mesmas e que nada teriam a fazer para ajudar. Seja como for, o
país continua altamente atraente. Além do mais, com população muito jovem, a
Índia tem uma forte vantagem demográfica.
SPIEGEL: Muitos investidores sentem que os mercados
BRICS já não oferecem o mesmo tipo de retorno dos investimentos que os
investidores buscam. O senhor vê outros países emergentes, que possam substituir
os BRICS?
O’Neill: Quando
identifiquei México, Indonésia, Coreia do Sul e Turquia, como novos mercados em
crescimento, houve quem os definisse como “MIST” [1]...
SPIEGEL: ... há
investidores que falam desses quatro países, hoje, como “SMIT”
[2]...
O’Neill: Chamem
como quiserem. Esses países estão despertos e andando.
SPIEGEL: E
quanto à indústria na qual o senhor sempre trabalhou? O que o senhor pensa da
questão que está sendo acaloradamente debatida na Alemanha nesse momento, de
separarem-se bancos de investimento e bancos comerciais, para proteger os
pequenos investidores do risco de possíveis perdas em transações especulativas?
O’Neill: É uma
separação que, em princípio, faz sentido. A banqueiragem [orig. banking]
de investimento é muito diferente da banqueiragem comercial. E quanto aos bônus,
sou contra aumentos variáveis anuais. A antiga modalidade de sociedade
funcionava muito bem. Nesse modelo, o dinheiro ia para uma conta de capital na
qual se acumulavam os ganhos, até a aposentadoria. É preciso combater os
exageros.
SPIEGEL: Agora, o senhor falou quase como ativista
do movimento Occupy.
O’Neill: Em
alguns aspectos, sou mesmo marginal, na minha profissão. Seja como for, não faço
parte do establishment. O que muito me alegra. Muitos, nessa indústria,
são apanhados pelo motorista de manhã, almoçam com pessoas iguais a eles, sempre
em restaurantes caríssimos, e o motorista os leva de volta para casa depois de
14 horas no escritório. É gente que simplesmente não sabe que há vida fora do
trabalho e além do que fazem, em dinheiro. Eu ando de metrô em Londres e passo
horas com amigos e gente de outras profissões. Sempre achei importante conhecer
todos os tipos de pessoas. Gosto de futebol e tenho amigos com os quais me reúno
regularmente em pubs.
SPIEGEL: Por que tanta abertura?
O’Neill: Com
certeza tem a ver com o lugar de onde venho. Meu pai teve de deixar os estudos
aos 14 anos e trabalhou como carteiro. Minha irmã e eu crescemos num subúrbio
pobre de Manchester. Tudo que nossos pais ganhavam, até o último penny,
foi economizado para que pudéssemos frequentar a
universidade.
Notas
dos tradutores
[1]
Em inglês, mist é uma espécie de nevoeiro fino, que atrapalha a visão. O
adjetivo misty significa “obscuro, vago, até misterioso”
[2]
Em inglês, smit é uma espécie de golpe , pancada.
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