15/02/2013, Florian
Pantazi, Europes World, 2013
(Primavera)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Florian
Pantazi
é historiador e analista político.
Página na internet:
http://florianpantazi.blogactiv.eu
A
cooperação íntima entre a Igreja Católica e os neoliberais ao longo dos últimos
30 anos dá credibilidade à ideia de J.A. Schumpeter, segundo a qual o
“capitalismo pode ser definido como fase final do feudalismo
decadente”.
No
fórum anual de Davos, apareceu alguém com a luminosa ideia de incluir nas
discussões a questão da desigualdade, preocupação crescente em todo o ocidente.
Evidentemente a ideia não prosperou, dado que os participantes declararam-se
preocupados exclusivamente com o espectro da incerteza e com a estagnação da
economia (Time).
As questões da desigualdade e as
dificuldades que o sistema capitalista enfrenta em todo o mundo ocidental foram
tema da revista The
Economist (13/10/2012, Reportagem Especial). A conclusão, nesse caso, foi que a
desigualdade, medida pelo coeficiente de Gini, não aumentou de modo a causar
alarme ao longo dos últimos 30 anos, mas qualquer adiamento nas medidas para
fazer reverter a desigualdade porá sob risco o desempenho e a estabilidade de
países ocidentais nas décadas vindouras. As políticas recomendadas – melhor
educação para os pobres, garantindo melhor alocação de recursos para assegurar o
bem-estar social, acompanhamento para os que recebem esses recursos, correção e
moralização nas práticas do capitalismo “de compradres”, reservado só aos amigos
do Estado [orig. crony capitalism] – são marcos de qualquer política que
se pretenda progressista.
James Tobin |
No mesmo mês, em Florença,
economistas da Espanha, Itália e França fundaram a Rede Europeia de Economistas
Progressistas [orig. European Progressive Economists’ Network (E-PEN)]. A
nova associação é aberta a economistas de todos os países da União Europeia e
trabalha para pôr fim a todas as medidas chamadas “de austeridade” que hoje
devastam o velho continente; pela generalização da “Taxa Tobin”; e pela urgente adoção de
políticas orientadas para promover e estimular o crescimento econômico. Alguns
economistas progressistas exigem a reintrodução de taxação progressiva – a faixa
de renda mais alta da população pagaria 80% de sua renda, em
impostos.
Verdade
é que o clima social e econômico deteriora-se nos últimos cinco anos, e já
atingiu níveis jamais vistos desde a Grande Depressão. Depois de 30 anos de
neoliberalismo, muitos países ocidentais, entre os quais os EUA, converteram-se
em lixões industriais, veem persistir altos níveis de desemprego, o crescimento
é anêmico e a renda dos trabalhadores e da classe média despenca, tanto uma
quanto a outra. Enquanto os cofres de muitas grandes empresas estão a ponto de
explodir de tanta liquidez, muitos investimentos de mais longo prazo, para o
desenvolvimento de produtos novos são redirecionados exclusivamente para
inventar “sistemas” que só servem para aumentar a produção, destruindo empregos
– o que só faz agravar o desemprego.
Resultado
disso, a reputação do capitalismo como sistema econômico alcança índices mais
baixos do que jamais antes na história das pesquisas. Em pesquisa IFOP, em
dezembro de 2010, apenas 15% dos franceses, 25% dos italianos, 40% dos alemães e
45% dos britânicos declararam-se apoiadores do sistema
capitalista.
Apenas
vinte anos depois do colapso da URSS comunista, o próprio capitalismo já está
exposto como sistema obsoleto e, para alta proporção das populações, como
sistema daninho, se se consideram as possibilidades de curto e de longo prazo,
de algum tipo de desenvolvimento. O declínio do capitalismo tornou-se evidente
já nos anos 1970s. Hoje, já é fato consumado e irreversível.
David Rockefeller |
Claro
que, nos anos 1980s, começou a “revolução” conservadora – que produziu
privatização em massa de patrimônio público, desregulação, exportação de postos
de trabalho, redução no “tamanho” das empresas – a qual, por algum tempo,
pareceu boa coisa no papel e aumentou exponencialmente os ganhos do 1% global,
embora à custa de todos os demais habitantes do planeta. Para defender essas
políticas em escala global, David Rockefeller fundou, nos anos 1970s, a Comissão
Trilateral, uma espécie de Opus Dei do sistema capitalista.
Mas,
com a história se autoacelerando, assim como o Catolicismo precisou de alguns
poucos séculos depois da Reforma para perder o poder político que tivera,
bastaram algumas poucas décadas para consumar a decadência do capitalismo. O
fato de que ainda haja quem fale em “fim da história” ou de “única alternativa
possível”, para designar esse processo de decadência, tem muito a ver com
não-querer/não-saber ver, com pensamento inercial, com medo ante o desconhecido
e com a preguiça típica que afeta as elites políticas e intelectuais do mundo do
capital.
Por
outro lado, as classes trabalhadoras interalizaram, há muito tempo, uma visão
deformada do que seja o capitalismo. Na visão dos marxistas-leninistas, cada
dono de botequim, cada proprietário de pequena lasca de terra, cada costureira
dona de sua pequena loja de costura ou cozinheira dona de pequeno restaurante
seriam necessariamente capitalistas. Não são. De fato, nada são além de atores
menores da economia da troca.
Essa
confusão é responsável pelas tragédias de massa que acompanharam a implantação
de teorias marxianas no mundo comunista – quadro que só se alterou bem
recentemente, depois do advento do experimento comunista em curso na
China.
Como Fernand Braudel
demonstra em sua obra
máxima, os três volumes de história do capitalismo, a economia da troca já
existia antes do capitalismo. Para Braudel, só um pequeno número de atores de
mercado podem ser definidos como capitalistas ou têm algum poder real sobre o
sistema econômico. Braudel também demonstra que os estados modernos, com poucas
exceções, não passam de meros instrumentos nas mãos dos ricos. Mais que isso, a
história prova que há uma relação de amor-e-ódio entre os estados e os mais
ricos, a qual, a partir dos anos 1980s converteu-se em ódio aberto e declarado –
os mais ricos odeiam e guerreiam contra governos e administrações do Estado, por
causa da capacidade para tributar e cobrar impostos que os governos e Estados
conservam. (Muito estranhamente, esse ódio ao Estado é sentimento partilhado por
capitalistas e comunistas; como se sabe, muitos dos pensadores fundadores do
comunismo também pregaram a abolição total de qualquer
Estado...).
O
trabalho de Braudel interessa também por outros motivos, um dos quais é que ali
se demonstra implicitamente que o capitalismo não é sistema em evolução (mas em
eterna repetição). A especulação com ações, que fez a fama de Goldman Sachs; ou
operadores que apostam ao mesmo tempo a favor e contra as mesmas ações; ou
recorrentes crises financeiras nada têm de novidade e aconteceram, exatamente
como tais, nos séculos 17 e 18 na Bolsa de Valores de Amsterdam. A indústria da
sonegação de impostos, ela também, é marca registrado do sistema capitalista
desde os primeiros dias. E também é marca do sistema capitalista desde os
primeiros dias arrochar a cobrança de impostos dos mais pobres – o que sempre
foi feito mediante impostos sobre o consumo.
Se as
desigualdades diminuíram entre os Estados nas últimas décadas, elas
aumentaram dramaticamente dentro de cada Estado, sobretudo em praticamente todos
os grandes países ocidentais. Por isso mesmo é preciso adotar políticas capazes
de conter e reverter essas tendências – medidas que têm de avançar muito além de
simples medidas “band-aid”, que
visam, exclusivamente, a tentar dar alguma sobrevida ao sistema
capitalista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.