1984, George Orwell [1939]
Leia
abaixo, um pedacinho e aqui inteirinho e grátis, em
português.
Enviado
pelo pessoal da Vila
Vudu
Comentário
do Brigaboa
na redecastorphoto após ler o livro 1984 inteiro: “Qualquer semelhança
com o programa PRISM da NSA - Agencia Nacional de Segurança dos EUA, revelado por Edward Snowden, NÃO é mera
coincidência”.
George Orwell |
Constava
que o Ministério da Verdade continha três mil aposentos acima do nível do solo,
e correspondentes ramificações no subsolo. Espalhados por Londres havia outros
três edifícios de aspecto e tamanho semelhantes. Dominavam de tal maneira a
arquitetura circunjacente que do telhado da Mansão Vitória era possível avistar
os quatro ao mesmo tempo.
Eram
as sedes dos quatro Ministérios que entre si dividiam todas as funções do
governo: o Ministério da Verdade, que se ocupava das notícias, diversões,
instrução e belas artes; o Ministério da Paz, que se ocupava da guerra; o
Ministério do Amor, que mantinha a lei e a ordem; e o Ministério da Fartura, que
acudia às atividades econômicas. Seus nomes, em Novilíngua: Miniver ,
Minipaz, Miniamo e Minifarto.
O
Ministério do Amor era realmente atemorizante. Não tinha janela alguma. Winston
nunca estivera lá, nem a menos de um quilômetro daquele edifício. Era um prédio
impossível de entrar, exceto em missão oficial, e assim mesmo atravessando um
labirinto de rolos de arame farpado, portas de aço e ninhos de metralhadoras.
Até as ruas que conduziam às suas barreiras externas eram percorridas por
guardas de cara de gorila e fardas negras, armados de porretes articulados.
Winston voltou-se abruptamente.
Afivelara
no rosto a expressão de tranquilo otimismo que era aconselhável usar quando de
frente para a teletela. Atravessou o cômodo e entrou na cozinha minúscula.
Saindo do Ministério àquela hora, sacrificara o almoço na cantina, e sabia que
não havia na casa mais alimento que uma côdea de pão escuro, que seria a sua
refeição matinal, no dia seguinte. Tirou da prateleira uma garrafa de líquido
incolor com um rótulo branco em que se lia GIN VITÓRIA. Tinha cheiro enjoado,
oleoso, como de vinho de arroz chinês. Winston serviu-se de quase uma xícara de
gin, contraiu-se para o choque e
engoliu de vez, como uma dose de remédio. Instantaneamente, ficou com o rosto
rubro, e os olhos começaram a lacrimejar. A bebida sabia a ácido nítrico, e ao
bebê-la tinha-se a impressão exata de ter levado na nuca uma pancada com um tubo
de borracha. No momento seguinte, porém, a queimação na barriga amainou e o
mundo lhe pareceu mais ameno.
Tirou
um cigarro do maço de CIGARROS VITÓRIA e imprudentemente segurou-o na vertical,
com o quê todo o fumo caiu ao chão. Puxou outro cigarro, com mais cuidado.
Voltou à sala de estar e sentou-se a uma pequena mesa à esquerda da teletela. Da
gaveta da mesa tirou uma caneta, um tinteiro, e um livro em branco, de lombada
vermelha e capa de cartolina mármore. Por um motivo qualquer, a teletela da sala
fôra colocada em posição fora do comum.
Em
vez de ser colocada, como era normal, na parede do fundo, donde poderia dominar
todo o aposento, fôra posta na parede mais longa, diante da janela. A um dos
seus lados ficava a pequena reentrância onde Winston estava agora sentado, e
que, na construção do edifício fôra, provavelmente, destinada a uma estante de
livros. Sentando-se nessa alcova e mantendo-se junto à parede, Winston conseguia
ficar fora do alcance da teletela, pelo menos no que respeitava à vista.
Naturalmente, podia ser ouvido mas, contanto que permanecesse naquela posição,
não podia ser visto. Em parte, fora a extraordinária topografia do cômodo que
lhe sugerira o que agora se dispunha a fazer. Mas fora-lhe também sugerido pelo
caderno que acabara de tirar da gaveta. Era um livro lindo. O papel macio, cor
de creme, ligeiramente amarelado pelo tempo, era de um tipo que não se fabricava
havia pelo menos quarenta anos. Era de ver, entretanto, que devia ser muito mais
antigo. Vira-o na vitrina de um triste bricabraque num bairro pobre da cidade
(não se lembrava direito do bairro) e fora acometido imediatamente do invencível
desejo de possuí-lo.
Os
membros do Partido não deviam entrar em lojas comuns (“transacionar no mercado
livre”, dizia-se), mas o regulamento não era estritamente obedecido, porque
havia várias coisas, como cordões de sapatos e giletes, impossíveis de conseguir
de outra forma. Relanceara o olhar pela rua e depois entrara, comprando o
caderno por dois dólares e cinquenta. Na ocasião, não tinha consciência de
querê-lo para nenhum propósito definido. Levara-o para casa, às escondidas, na
sua pasta.
Mesmo
sendo em branco, o papel era propriedade comprometedora.
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