24/6/2013, Pepe Escobar, Asia Times Online –The Roving
Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
HONG
KONG. Então, será Nosso Homem em Quito. A narrativa pode não ter a elegância das
de Graham Greene, mas o enredo bate, sem dúvida, o da trilogia Bourne –
porque está acontecendo ao vivo, em tempo real, bem aí à frente dos nossos
olhos.
Só um ex-agente da CIA para bater
a “inteligência” dos EUA – melhor dizendo, a carência de inteligência. A
história da fuga de Edward Snowden, de Hong Kong, é coisa para estudar e
aprender. No domingo, num restaurante de Hong Kong(Orig. “at
dim sum”)
fui alertado por uma fonte: “Prepare-se para coisa grande; ele sairá a qualquer
momento”. Em Hong Kong, eram 12h30, horário local. Na verdade, Snowden já
decolara do aeroporto Chek Lap Kok, no voo SU 213, destino Moscou, às 11h. Mas
ninguém sabia. Hong Kong ainda digeria a primeira página do South China
Morning Post, que exibia provas ainda mais devastadoras da ciberespionagem
dos EUA contra a China.
Às
14h, houve o primeiro alerta no South China
Morning Post: ele estava num avião, rumo a Moscou. Telefonei à rede
Russia Today em Moscou: não sabiam; e puseram-se em campo. Na
empresa-imprensa ocidental persistia o mais ensurdecedor silêncio. Até que,
afinal, o Post noticiou, com algum detalhe. Mas demorou eras, antes de a
Agência Reuters, afinal, distribuir um despacho curto (como comentei em minha
página no Facebook). Quando a “comunidade internacional” começou a receber
notícias de Snowden, ele já voava há cinco horas.
Asia
Times Online também
foi informado por fonte muito próxima de Snowden, que uma rápida parada em Hong
Kong sempre foi parte do Plano A: ele jamais cogitou pedir asilo político, nem a
Hong Kong, nem à China. Sempre esteve focado em “um terceiro país”. Mas Snowden
usou Hong Kong como plataforma ideal para revelar ao mundo como operam os
intestinos do estado-de-vigilância-orwelliano/Panopticon-EUA.
Primeiro,
um bloco de revelações genéricas, para o The Guardian. Em seguida, mergulhou na
clandestinidade para preparar a fuga – porque sabia que Washington partiria
contra ele com unhas e dentes (e drones?). E então, um outro conjunto de
revelações, ao jornal South China Morning Post, focadas em Ásia e China.
Quando Washington acordou, Snowden já deixara o prédio. Jason Bourne, pode
sapatear de raiva.
Não
se trata de “deixamos Snowden escapar”. Tudo foi cronometrado meticulosamente,
em operação que envolveu Snowden e o governo de Hong Kong, com mediação de
WikiLeaks.
A declaração
do governo de Hong Kong foi distribuída às 16h05 (vale repetir: Snowden já estava viajando há
cinco horas). Ali se lia que “[O Sr. Edward Snowden] deixou Hong Kong hoje, por
decisão pessoal, por um terceiro país, por via legal e normal”, porque o governo
não recebera “informação legal suficiente para considerar o pedido dos EUA”, que
pedia a prisão preventiva de Snowden.
Quer
dizer: o governo dos EUA supôs que poderia simplesmente intimar o governo de
Hong Kong: faça o que mandamos, ou saia da frente... e justo no dia em que os
crimes de hacking serial dos EUA contra Hong Kong e China eram manchete
nos jornais! Snowden já estava viajando há cinco horas rumo a Moscou, e a
imprensa-empresa norte-americana ainda papagaiava a narrativa oficial –
repetindo, como o Conselheiro de Segurança Nacional de Obama, que Snowden
esta(ria) com a corda no pescoço.
Se Pequim teve ou não ação
indireta sobre a decisão do governo de Hong Kong é questão aberta a um Mar do
Sul da China de especulações. Fato é que a solução foi perfeita para Hong Kong –
que passaria a enfrentar pressão total dos EUA para extraditá-lo – mas também
para Pequim, que continua a mandar no jogo e furiosamente exige explicações
sobre as ações da Agência de Segurança Nacional dos EUA a espionar
as empresas chinesas de telefonia, rede Ásia-Pacífico de fibra ótica
e até a Universidade
Tsinghua de Pequim.
Resta
a questão do passaporte norte-americano de Snowden, revogado no sábado.
Dependendo de quando, exatamente, Hong Kong foi oficialmente notificada, é
possível que tenha havido uma estreita faixa de tempo, e ele tenha conseguido
apresentar passaporte válido no balcão de check-in da Aeroflot no centro de Hong
Kong, digamos, às 9h da manhã do domingo, antes dos 20 minutos de trânsito até o
aeroporto Chek Lap Kok.
É
possível também que WikiLeaks tenha providenciado algum outro tipo legal de
arranjo. Ou o consulado russo em Hong Kong, que permanece perfeitamente calado.
É
complô dos comunistas!
Keith Alexander |
A
previsível fúria no Capitólio, cheia de retórica contra “nações hostis”
combinada à inevitável demonização do presidente Vladimir Putin da Rússia, para
nem falar do espião-chefe, general Keith Alexander da Agência de Segurança
Nacional, além das platitudes de sempre sobre “defender essa nação contra um
ataque terrorista”, apresentando Snowden como “um indivíduo que, na minha
opinião, não agiu movido por propósito nobre” – tudo soa como romance de
espionagem barato. O Império não gosta de tomar um direto no olho.
Para
Washington, só resta esperar que Moscou prenda Snowden. Bobagem. O ministro
Sergey Lavrov da Rússia até já disse que a Rússia, sim, consideraria a
possibilidade de dar asilo político a Snowden, se lhe for pedido. E a frase de
Dmitry Peskov, porta-voz de Putin: “Não sei de nada”?! Isso não tem preço.
A
rede Xinhua, por sua vez, como era
de prever, deitou e rolou:
Washington
deve, antes, explicar as gravações. Os EUA, que há muito tempo tenta fazer-se de
vítima inocente de cibercriminosos, aparece agora como o maior vilão de nossa
era.
Agora
se joga a etapa final da “Aventura Snowden” – depois que deixar a cápsula-hotel
que lhe coube no terminal E do aeroporto Sheremetyevo (the Four Seasons it
ain't) e embarcar rumo ao asilo político no Equador, via Havana. E com WikiLeaks
tuitando alegremente os momentos-chave da saga, como na declaração oficial:
Snowden
segue rumo à República do Equador, por rota segura, em busca de asilo. Viaja com
escolta de diplomatas e dos advogados de WikiLeaks.
A decisão de Hong Kong
“desapontou” o Departamento de Justiça dos EUA e, como Russia
Today
noticia, os EUA já estão pedindo
gentilmente que os países latino-americanos detenham Snowden. Na mesma linha
cordial, todos os países do mundo devem “pedir gentilmente” que Washington ponha
fim ao seu Império Mundial de Bases Militares.
Em
meio ao excitamento provocado pelo “caso Snowden”, que não se perca o foco. O
aspecto mais crucial da história é Obama e o Espião Supremo, Keith Alexander,
jurando que o complexo militar/segurança, orwelliano privatizado, seria
essencial para evitar ações terroristas. Mentira monumental. Obama deixou-se ver
como mentiroso-em-chefe e cúmplice.
O ex-embaixador Joe Wilson e sua
esposa Valerie Plame Wilson – demitidos pela gangue de Dick Cheney – não
perderam o foco nem deixaram passar a oportunidade, em coluna
muito oportuna, que The Guardian publicou.
Assim sendo, rumo a Quito. O
perigo existe e ronda de todos os lados. Mas, chegado a Quito, o ponto, o set, o jogo estará ganho – como já disse
na entrevista: “Game Set Match: US loses
as Snowden slips from their hands” que pode ser assistida (em inglês) logo
ao final deste artigo.
A HBO que trate de começar a
selecionar as estrelas do filme, e rápido. Com Ryan Gosling no papel principal.
Edward Snowden, claro, escreverá o roteiro.
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