1/6/2013, Muftah (editorial), Turquia [com fotos
excelentes]
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Entreouvido
no buteco da Rute Bruaca na Vila Vudu: Matéria até que aproveitável, se comparada ao BESTEIROL de repetição de agências norte-americanas, que é só o que se lê na insuportável
imprensa-empresa no Brasil. Mas (não surpreendentemente) não se lê aí uma
linha sequer sobre o crescente descontentamento, na Turquia, contra a guerra que
Erdogan tenta inventar contra a Síria.
A polícia turca atacou os manifestantes com Spray de pimenta e gás lacrimogêneo |
Os
protestos na Turquia entram hoje no 5º dia, com manifestantes tomando as ruas de
várias cidades pelo país. Os protestos, que inicialmente visavam a impedir a
destruição do Parque Gezi em Istambul, transformaram-se, por causa da agressão
policial, e incluem já manifestações mais amplas, de oposição ao governo da
Turquia.
Mashallah
News oferece
bom balanço do desenvolvimento dos protestos, até
agora:
Em
Istambul, apenas 1,5% da área urbana é ocupada por espaços verdes; na Parque
Geziestão nove acres desse total. Na 2ª-feira (27/5/2013), chegaram equipes da
empresa construtora, e começaram a derrubar árvores, para construir um shopping
center. Na 2ª-feira havia ali cerca de 50 pessoas; na 5ª-feira (30/5/2013) à
noite já eram 10 mil, apesar de a Polícia ter usado sprays
de pimenta e gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes. Na 6ª-feira
(31/5/2013), a agressão policial aumentou: a Polícia usou canhões de água e
força excessiva, na tentativa de evacuar a praça e impedir que prosseguissem os
discursos, cantos, palavras-de-ordem e a montagem de
acampamentos.
Manifestação ocupa ponte que liga os lados Ocidental e oriental de Istambul |
Em discurso muito aguardado, hoje
(1/6/2013), o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan respondeu ao crescente
movimento de protesto. Reproduzindo as mesmas estratégias várias vezes tentadas
e sempre fracassadas, de outros ditadores regionais (muitos dos quais já
despachados do poder), o primeiro-ministro minimizou o significado das
manifestações, rejeitou as demandas dos manifestantes e atribuiu a “agitação” a
“outras forças”. EA World View assim resumiu o discurso de
Erdogan:
O
primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan (...) falando hoje sobre a agressão
policial a manifestantes, usou tom desafiador – e disse, dos que se manifestam
contra o redesenvolvimento da Praça Gezi, que “há jogadas, aqui (...) Ninguém
tem o direito de protestar contra a lei e a democracia”.
Erdogan
disse que a Polícia cometeu erros no uso de sprays de pimenta e gás lacrimogêneo
contra os manifestantes, e que o Ministério do Interior investigará tudo isso.
Mas que a Praça Taksim – onde os manifestantes permaneceram acampados por quatro
dias, antes de serem atacados pela Polícia, na 6ª-feira – não pode ser usada
como “paraíso seguro” para manifestações. E insistiu que “organizações ilegais”
estariam provocando “cidadãos ingênuos”.
O
primeiro-ministro, invocando história e ideologia, disse que manterá os planos
para converter o espaço verde do Parque Gezi em um supermercado, que será
construído como réplica das tendas militares da era otomana.
Erdogan
disse que os que se opõe a “projetos de transformação urbana” querem que “nosso
povo viva em favelas”.
Falando
em termos mais amplos, Erdogan insistiu que seu governo reflete a vontade do
povo e a oposição deve manifestar-se pelas urnas, nas eleições, não nas ruas.
Mas mostrou-se cheio de confiança de que vencerá qualquer desafio: “Não tentem
competir conosco. Se reunirem 200 mil pessoas, posso pôr um milhão, nas
ruas”.
Como
era de esperar, o discurso de Erdogan não fez esfriar os protestos, que
prosseguem, com grande número de manifestantes nas ruas.
Embora
essas manifestações talvez pareçam irrupções isoladas de descontentamento,
outros recentes atos de públicos de protestos sugerem outra coisa.
Em dezembro de 2012, houve manifestações
contra a demolição de Ince Pastanesi, uma confeitaria histórica em
Istambul. Depois de quase 70 anos de atividade, a loja, como o Parque Gezi, foi
programada para ser demolida, também para ser substituída por um shopping
center. Apesar das repetidas manifestações públicas no local, que pediam que
a prefeitura poupasse a loja, nada conseguiu impedir que o prédio fosse
demolido.
Dia 7 de abril de 2013,
manifestantes reuniram-se para protestar contra a demolição do
histórico Teatro Emek, em Istambul, também demolido para
dar lugar a um shopping center. Na ocasião, como agora, a Polícia
respondeu com violência:
A
Polícia usou canhões d’água e gás lacrimogêneo, dia 7 de abril, para dispersar
milhares de manifestantes, entre os quis o diretor grego-francês de cinema,
Costa-Gavras, e vários atores, que haviam viajado a Istambul para defender o
icônico Cinema Emek e protestar contra a demolição daquele prédio histórico.
A
Polícia já havia bloqueado o acesso à rua lateral onde se localiza o cinema,
obrigando os manifestantes a permanecer na avenida İstiklal, no coração do
bairro onde se concentram vários cinemas e teatros em Istambul. Depois de um
alerta, de que a manifestação não tinha autorização para se realizar, a Polícia
passou a bombardear a multidão com jatos d’água e, segundo testemunhas, com
granadas de gás lacrimogêneo.
O
crítico de cinema Berke Göl e três outros manifestantes foram detidos, como
noticiou o jornal Radikal. Um
dos mais conhecidos e respeitados diretores do cinema turco, Erden Kıral, teria
desmaiado durante o ataque da Polícia.
Um
grupo de 200 manifestantes permanece acampado à frente do prédio da Polícia de
Beyoğlu, exigindo a imediata soltura dos que permanecem detidos, segundo o
jornal Radikal.
A
Fundação Istambul para Artes e Cultura (İKSV) lançou declaração em que condena o
uso de “força excessiva” pela Polícia. “Condenamos a agressão a amantes do
cinema que nada fizeram além de tentar proteger a memória cultural de Istambul”,
dizia a declaração”.
Embora essas ações pareçam
rejeitar alguma “modernização” ou expor alguma vontade de reviver “velhos
tempos”, parece haver aí um conjunto de
motivações mais profundas. Como escreveu um blogueiro
turco:
Como se lê nos relatos de Elif Ince, do jornal Radikal, que escreve sobre os eventos
no Parque, o movimento
#OccupyGezi é um levante urbano contra a elite
conservadora turca e suas políticas neoliberais.
Um
dos manifestantes explica a Ince que a demolição da confeitaria Inci Pastanesi
nunca foi assunto de bolos e docinhos; que os manifestantes que protestaram
contra o fechamento do cinema Emek Theater não estavam preocupados apenas com
preservar prédios históricos. E que a solidariedade no Parque Gezi Parki não é
questão apenas de defender árvores.
Os
manifestantes estão acampados no parque porque a cidade é do povo e deve ser
governada pelo povo, não pelas decisões e caprichos de um líder político e seus
discípulos no governo.
Multidão atinge o auge da manifestação na chegada ao Gezi Park |
Mais uma vez, esse desejo de ser
ouvido sobre o próprio ambiente em que se vive é também apenas parte da
história. Esforços para modificar hábitos e práticas sociais e culturais também
estão despertando resposta desafiadora de muitos turcos. Poucos dias antes do
início das manifestações no Parque Gezi, dia 25 de maio, casais turcos
manifestaram-se contra os esforços para proibir manifestações públicas de afeto
nos trem do metrô. O jornal Huffington
Post comentou:
Dúzias
de casais participaram de um “beijaço” numa estação do metrô em Ancara, capital
da Turquia, para protestar depois que autoridades do metrô advertiram um casal
que se beijava em público.
A
mídia turca noticiou que, no início da semana, autoridades do metrô da cidade
divulgaram documento em que pedem que os passageiros “ajam de acordo com regras
morais”, depois que câmeras de vigilância interna filmaram um casal que se
beijava”.
A
questão levou um deputado da oposição a questionar o partido governante, que é
partido islamista, e que, como temem os secularistas, trabalha para expandir a
influência do Islã na vida dos turcos, única explicação para que autoridades do
metrô tenham sido liberadas para difundir regras sobre “comportamentos morais”
(...).
Manifestante desafia um canhão de água |
E há também a questão da recente
proibição, na Turquia, de bebidas alcoólicas. Dia 24 de maio, o Parlamento turco
aprovou lei que cria várias restrições à venda, divulgação e consumo de bebidas
alcoólicas. Um jornalista turco descreveu as novas proibições como forma de
pressão contra os cidadãos, as quais, essencialmente, restringem
a liberdade de as pessoas agirem livremente em espaços
públicos:
Na
Turquia, enfrentamos um processo de engenharia social ideologicamente motivado,
extremamente conservador e socialmente opressivo, que é parte da agenda
islamista para o governo do AKP. Esse projeto não tem qualquer legitimidade
democrática, porque é violação clara de direitos e das liberdades dos turcos.
Outra
prova de que o movimento geral é esse, é o que disse o primeiro-ministro Erdogan
na convenção de seu partido no Parlamento, dia 28 de maio, ao reagir contra os
que diziam que as proibições de bebidas alcoólicas estão relacionadas à agenda
dos islamistas. Erdogan disse que “não faz diferença de que religião se trate: a
religião estipula não o que é errado, mas o que é certo. Se se trata de
estipulação certa, os senhores se oporão a uma lei certa, por ter sido inspirada
por pensamento religioso? Será que, para os senhores, uma lei escrita por meia
dúzia de bêbados poderia ser válida? Como se admitirá que nossas convicções
sejam apresentadas como algo a ser rejeitado?”
Erdogan
portanto, declarou abertamente que a proibição de bebidas alcoólicas é, sim,
exigência religiosa, e que deseja reformatar a vida em espaços públicos, nos
termos do que a religião determina. E avançou: declarou “anti-religião” qualquer
um que se oponha à proibição de bebidas alcoólicas alegando direitos e
liberdades individuais.
O
alívio que alguns sentiram ao ouvir Erdogan dizer, no mesmo discurso, que “os
arranjos que se fazem agora não implicam qualquer interferência no modo de vida
de pessoa alguma” durou pouco. Na sequência, Erdogan acrescentou que “se você
quer beber, leve sua bebida alcoólica e beba-a em
casa. Beba o que quiser beber. Nada temos contra
isso”.
Com
essas palavras, o primeiro-ministro turco disse a segmento considerável da
população: não continuem a fazer o que sempre fizeram nos espaços públicos.
Basta isso, como grave exemplo de pressão, que ultrapassa em muito o conteúdo e
o contexto das leis já aprovadas sobre bebidas
alcoólicas.
Não
se trata, pois, só de “destruição de árvores”, de os turcos perderem “bolos e
docinhos” ou de desejarem preservar prédios históricos, mas da sensação, que se
vai generalizando, de que a vida pública na Turquia está sendo limitada e
modelada para atender às exigências de um tipo de perspectiva ideológica. Isso,
afinal, parece estar motivando os protestos no Parque Gezi e outras
manifestações públicas de desafio ao governo de Erdogan, que já surgem por todo
o país. Essas mostras públicas de descontentamento, que se veem no vídeo (a
seguir) da noite de ontem, 31/5/2013, não dão sinais de estar arrefecendo.
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