Entrevistadores: Jacob Appelbaum [1] e
Laura Poitras [2]
8/7/2013, Der Spiegel, Alemanha
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Entreouvido
no bar do Xexé, na Vila Vudu: Não é
grande entrevista, não traz novidade e parece mal editada, ou editada às
pressas. Mas é sempre bom ler ou ouvir os caras falando de viva voz. Melhor que
só ouvir o que algum williamwack qualquer pensar que pensa sobre as
coisas.
Transeunte passa por "banner" de Edward Snowden em Hong Kong |
Em
entrevista feita através de e-mails criptografados, Edward Snowden
discute o poder da Agência de Segurança Nacional dos EUA [orig. NSA],
como está “na cama com os alemães” e o vasto escopo da espionagem contra a
Internet, conduzida por EUA e Grã-Bretanha.
Laura Poitras |
Pouco
antes de se tornar nome conhecido em todo o planeta como “vazador de segredos
norte-americanos estratégicos”, Edward Snowden respondeu a uma longa lista de
perguntas. Foram-lhe encaminhadas por Jacob Appelbaum, 30, desenvolvedor de
encriptação e de sistemas de segurança de programas para computadores. Appelbaum
dá treinamento a grupos internacionais de direitos humanos e jornalistas sobre
como usar a Internet anonimamente, sem se deixar identificar.
Appelbaum
tornou-se conhecido fora os círculos especializados quando falou em defesa de Julian
Assange , fundador de WikiLeaks, numa conferência de
hackers em New York em 2010. Com Assange e outros coautores, Appelbaum
acaba de lançar uma coletânea de entrevistas, editadas em formato de livro,
intitulado Cypherpunks: Freedom and the Future of the Internet
[Cypherpunks: Liberdade e o futuro da Internet].
Jacob Appelbaum |
Appelbaum
surgiu no radar das autoridades norte-americanas durante investigação sobre as
revelações de WikiLeaks. Depois disso, distribuíram-se mandatos judiciais para
as empresas Twitter, Google e Sonic, com ordem para que entregassem
informações sobre as contas de Appelbaum nessas empresas. Mas Appelbaum descreve
suas relações com WikiLeaks como “ambíguas”. Aqui explica como conseguiu fazer
suas perguntas chegarem a Snowden.
Em
meados de maio, a cineasta documentarista Laura Poitras fez contato
comigo, conta
Appelbaum. Disse-me que estava em contato
com uma possível fonte anônima dentro da Agência de Segurança Nacional dos EUA,
que teria aceitado que ela o/a entrevistasse.
Ela
estava trabalhando para construir suas perguntas e pensara que seria importante
propor algumas perguntas técnicas, para verificar que tipo de fonte teria à sua
frente. Um dos objetivos era determinar se sua fonte era, ou não, alguém
disposto a revelar informações qualificadas com vistas a informar a opinião
pública – o que se define como whistleblower. [3] Pessoalmente, me preocupava o risco de
alguma armadilha armada pelo Programa de Contrainteligência [orig.
Counter
Intelligence Program,
COINTELPRO]. Enviamos nossas perguntas
protegidas por criptografia eficiente para nossa fonte. Eu jamais ouvira falar
de Edward Snowden, antes de que ele se autorrevelasse ao mundo em Hong Kong. E ele
tampouco sabia quem era eu. Minha expectativa era que, quando se removesse o
anonimato, encontraríamos um senhor com seus 60 anos, por aí.
As
perguntas abaixo são excertos de entrevista maior, que cobriu vários tópicos,
muitos dos quais altamente técnicos. Algumas das perguntas foram reordenadas,
para garantir o contexto necessário. As perguntas focam quase exclusivamente as
capacidades e atividades da Agência de Segurança Nacional dos EUA. É
indispensável entender que essas perguntas não foram propostas em contexto
reativo aos eventos das últimas semanas ou meses. Foram propostas em período de
relativa calmaria, quando Snowden parecia estar curtindo seus últimos dias numa
paraíso havaiano – paraíso que ele abandonou para que todos no planeta possam
entender a atual situação como ele a compreende.
Em
momento posterior, tive também contato direto com Edward Snowden, quando lhe
revelei minha identidade. Nesse momento, ele manifestou desejo de ter seus
sentimentos e observações publicadas, quando me parecesse chegada a hora certa.
NOTA
DO EDITOR E TRADUTORES: O que segue são excertos da versão original em inglês, da entrevista.
Possíveis diferenças de linguagem entre as versões em alemão e em inglês
explicam-se pelo fato de que preservamos o mais possível os termos técnicos
usados por Snowden em sua transcrição.
Explicações sobre alguns dos termos usados por Snowden, e notas
de edição, aparecem em
Notas de Rodapé.
Entrevistador: Qual a
missão da Agência de Segurança Nacional [National Security Agency (NSA)]
dos EUA – e como o trabalho que faz pode ser considerado legal?
Snowden: A
tarefa deles é saber tudo de importância que acontece fora dos EUA. É desafio
significativo. Quando é feito para parecer que não saber tudo sobre alguém é
crise existencial, você sente que agredir a lei é OK. Se as pessoas odeiam você
por seguir as regras, quebrá-las torna-se questão de sobrevivência.
Entrevistador: Há autoridades alemãs ou políticos alemães
envolvidos no sistema de vigilância da NSA?
Snowden: Há,
claro. Estamos [4] na cama com os alemães e com a maioria
dos países ocidentais. Por exemplo, nós os [5] notificamos quando alguém que
queremos voa pelos aeroportos deles (o que descobrimos, por exemplo, do telefone
celular da namorada de um hacker suspeito, num terceiro país
absolutamente sem qualquer relação – e eles nos entregam os procurados.
Eles não nos perguntam nada nem pedem que expliquemos como sabemos de
alguma coisa, e vice versa, para isolar seus líderes políticos, de modo a não se
poder dizer que sabiam que violavam a privacidade global.
Entrevistador: Mas se detalhes do sistema são agora
expostos, quem será acusado?
Snowden:
Em tribunais dos
EUA ? Você não está falando sério! Uma investigação descobriu
especificamente quem autorizou a escuta clandestina de milhões de comunicações,
sentença que, tudo somado, seria a mais longa da história do mundo, e nosso
funcionário mais alto simplesmente mandou que a investigação fosse suspensa.
Quem “pode” ser acusado dos crimes é imaterial, quando não se respeita a lei.
Leis existem para você, não para eles.
Entrevistador: A NSA
trabalha em parceria com outras nações, como Israel?
Snowden: Sim.
Todo o tempo. A NSA tem um corpo massivo responsável por isso, o FAD, o
Foreign Affairs Directorate [Diretorado de Assuntos Estrangeiros].
Entrevistador: A NSA ajudou a criar o Stuxnet?
(Stuxnet é um vírus de computador que foi usado contra o programa nuclear
iraniano).
Snowden:
NSA e Israel co-escreveram o programa do vírus.
Entrevistador: Quais os grandes programas de vigilância
ativos hoje e como os parceiros internacionais ajudam a Agência de Segurança
Nacional dos EUA, NSA?
Snowden: Em
alguns casos, os chamados “Cinco Olhos Parceiros” [orig. Five Eye Partners
[6]] vão além do que a própria
NSA faz. Por exemplo, o Quartel-general de Comunicações do Reino Unido
[orig. UK's General Communications Headquarters (GCHQ)] tem um sistema
chamado TEMPORA. TEMPORA são os sinais que a comunidade de inteligência recebe
primeiro [orig. first “full-take” Internet buffer], tudo, sem considerar
tipo de conteúdo e dando atenção apenas marginal à Lei dos Direitos Humanos.
Recolhe tudo, num rolling buffer para permitir investigação retroativa
sem perder um bit. Atualmente, o buffer pode armazenar três dias
de tráfego, mas está sendo aumentado. Três dias pode parecer pouco, mas lembre
que não são metadados. “Full-take” significa que não perde nada e ingere
completamente toda a capacidade de cada circuito. Se você manda um simples
pacote ICMP [7] e ele passa pelo Reino Unido, nós o
pegamos. Se você baixa algo e a CDN (Content Delivery Network / Rede de
Entrega de Conteúdo) por acaso tiver servidor que sai do Reino Unido, nós o
pegamos. Se o relatório médico de sua filha doente for processado num call
Center em Londres... Bom, você já entendeu.
Entrevistador: Há
meio para escapar disso?
Snowden: Como
regra geral, se você tiver escolha, não deve jamais route pelo Reino
Unido ou peer com o Reino Unido, em nenhum caso. Suas fibras
são radiativas e até os telefonemas da Rainha para o rapaz que cuida da piscina
estão logados.
Entrevistador: A Agência de Segurança Nacional e parceiros
pelo mundo capturam coleções de dados de telefone, texto e dados?
Snowden: Sim,
mas o quanto conseguem depende da capacidade de cada site individual de coleta –
i.e., alguns circuitos tem fat pipes, mas sistemas de coleta pequenos,
então eles têm de ser seletivos. É problema mais para sites de coleta em outras
partes do mundo, do que para os domésticos, [8] e é o que faz as coleções
domésticas tão aterrorizantes. A Agência de Segurança Nacional dos EUA não é
limitada por poder, espaço, nem por problemas de resfriamento das máquinas.
Entrevistador: A Agência de Segurança Nacional está
construindo um prédio gigante, para um novo centro de dados em Utah. Para
quê?
Snowden:
Repositório massivo de dados.
Entrevistador: Os dados coletados estão sendo armazenados
para durar quanto tempo?
Snowden:
Atualmente, as coleções full-take envelhecem muito depressa (poucos
dias), por causa do tamanho, a menos que um analista tenha de trabalhar [orig.
has “tasked”] [9] um alvo ou
comunicação, caso em que as comunicações “selecionadas” são armazenadas “para
toda a eternidade”, independente de política, porque sempre pode haver ali
alguma pista. Os metadata [10]
também envelhecem, mas menos rapidamente. A Agência quer chegar ao ponto em que
pelo menos todos os metadados sejam armazenados para sempre. Em muitos casos os
metadados valem mais que o conteúdo, porque você pode recapturar o conteúdo a
partir dos metadados ou, se não, pode simplesmente “marcar” todas as
comunicações futuras que interessem à coleção permanente, uma vez que os
metadados contam que parte do fluxo de dados você realmente quer.
Entrevistador: Há
empresas privadas que colaboram com a Agência de Segurança Nacional
dos EUA?
Snowden: Há.
Mas nada mais difícil do que provar qualquer coisa nesse campo, porque a Agência
de Segurança Nacional considera a identidade dos colaboradores privados de telecom como as joias da coroa de
onisciência deles. Como regra geral, multinacionais com sede nos EUA não merecem
nenhuma confiança, a menos que provem merecer. É triste, porque têm capacidade
para oferecer os serviços melhores e mais confiáveis do mundo, se realmente
quisessem fazê-lo. Para facilitar isso, as organizações de liberdades civis
devem usar essas revelações para forçá-los aquelas empresas a atualizar seus
contratos e incluir cláusulas obrigatórias em que declarem que não espionam seus
consumidores. E as empresas têm de implementar mudanças técnicas. Se as
organizações de liberdades civis conseguirem que uma empresa entre no jogo
delas, mudarão para sempre a segurança das comunicações globais. E se não
conseguirem, boa ideia seria criar a única empresa que venda e entregue a
garantia de que os seus consumidores não serão espionados.
Entrevistador: Há empresas que se recusam a cooperar
com a
Agência de Segurança Nacional dos EUA?
Snowden: Há,
mas não sei de nenhuma lista delas. Essa categoria crescerá muito se os
colaboradores forem punidos pelos consumidores no mercado, o que deve ser
considerada Prioridade Um, para todos que creiam na liberdade de pensamento.
Entrevistador: Que páginas não se deve visitar, se alguém
não quiser virar alvo da Agência de Segurança Nacional dos EUA?
Snowden:
Normalmente, você pode virar alvo específico a partir, por exemplo, do que poste
no Facebook ou do que escreva em e-mails. Que eu saiba, a única coisa que
garante que você não seja espionado é frequentar fóruns de jihadistas. [11]
Entrevistador: O que acontece depois que a Agência de
Segurança Nacional define um usuário como “alvo”?
Snowden: Ele
vira “propriedade” da Agência. Um analista fará um relatório por dia (ou noutra
escala, baseada no sumário da exfiltração) sobre o que mudou no
sistema, com os dados que não tenham sido compreendidos pelos leitores
automáticos, os PCAPS [12] etc..
Nesse ponto, cada analista pode fazer o que achar melhor – a máquina do
usuário-alvo já não pertence a ele: pertence ao governo dos EUA.
Notas
de Rodapé
[1] Para saber quem é, veja
6/6/2012, redecastorphoto em: “Assange
entrevista No. 8 – “Cypherpunks [1]” (Parte 1)”. [NTs].
[2]
Ver sobre ela em: Laura
Poitras
[3]
Whistleblower, literalmente, é alguém que “toca o apito” e dá o alarme de
uma situação de perigo iminente para todos. Se se diz que há “prisioneiros de
consciência”, o whistleblower, atualmente, poderia ser dito “vazador de
consciência”. [NTs].
[4]
“Estamos”
= a Agência de Segurança Nacional dos EUA, NSA.
[5]
“Os [notificamos]” = [notificamos] autoridades dos outros
países.
[6]
Os “Cinco Olhos Parceiros” são os serviços de inteligência de EUA, Grã-Bretanha,
Austrália, Nova Zelândia e Canadá.
[7]
“ICMP”
= Internet Control Message Protocol. Snowden aqui oferece resposta
técnica, mas é claro que se refere a todos os pacotes de dados enviados para a
Grã-Bretanha e da Grã- Bretanha.
[8]
“Domésticos” = nos EUA.
[9]
Nesse
contexto, “tasked” refere-se à coleção completa e armazenamento de
metadados e conteúdo para qualquer dos identificadores localizados pela Agência
de Segurança Nacional ou seus parceiros.
[10] “Metadados” podem
incluir números de telefone, endereços de IP e tempo de conexão, dentre outras
coisas. A revista Wired oferece
excelente material sobre metadados em: “Phew,
NSA Is Just Collecting Metadata. (You
Should Still Worry)” (ing.).
[11] No original: “The only one I personally know of that might get you
hit untargeted are jihadi forums” [NTs].
[12]
“PCAPS” é uma abreviatura da expressão packet capture [captura de pacotes
de informações ou dados].
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