sábado, 6 de julho de 2013

Golpe no Egito agita a política regional (2ª Parte)

5/7/2013, [*] MK Bhadrakumar, Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Leia antes:
5/7/2013, redecastorphoto, MK Bhadrakumar, em: Egito: Fraternidade Muçulmana não capitulará (1ª Parte)

Abdul Fattah al-Sisi (E) e Mohamed Mursi
Na sequência de eventos, o que se viu foi que uma série de concessões que Mohamed Mursi fez, na reunião de quatro horas no palácio presidencial com o general Abdul Fattah al-Sisi, comandante do Exército Egípcio, não foi suficiente. Mursi ofereceu, como concessões políticas, segundo o jornal The Guardian:

  • Formar um governo nacional com representação de todos os partidos;
  • Formar uma comissão neutra, para alterar a Constituição;
  • Convocar um Conselho Constitucional para apressar a legislação sobre eleições parlamentares; e
  • Um novo Procurador Geral (que já partiu).
Além disso, Mursi deixou fortemente sugerido que, se lhe apresentassem um plano para realizar um referendum sobre sua presidência, seria aceito. Pois nada disso impressionou Sisi. O xis da questão é que Sisi já tomara todas as decisões, depois de receber sinal verde de Washington para prosseguir com um golpe “suave” [orig. “soft”].

Chuck Hagel
Sabe-se agora que ninguém menos que o Secretário de Defesa dos EUA Chuck Hagel, esteve em contato com Sisi, de Washington. O Pentágono foi forçado a admitir que Hagel telefonou a Sisi semana passada, mas recusa-se a divulgar detalhes da conversação. Perguntado por que o Pentágono mantém segredo sobre essa conversa, o porta-voz do Pentágono, George Little, respondeu aos jornalistas que: 

Acho que vocês entendem que a questão é muito sensível. É isso. Tomamos a decisão de divulgar que houve o telefonema. E ponto final.

Significa que o famoso ultimatum dado pelo Exército Egípcio a Mursi na 2ª-feira aconteceu, sim, depois de conversa entre Hagel e Sisi. A explicação de Sisi é que o Exército rejeitara a oferta feita por Mursi, de um governo de unidade e reconciliação nacional, porque sentia que o povo estava pedindo ajuda.

William Hague
Simultaneamente, houve outros sinais eloquentes. Os britânicos recusaram-se a condenar o golpe no Egito. William Hague, secretário de Relações Exteriores disse que 
A chance de um futuro democrático foi duramente conquistada pelo povo egípcio há dois anos e meio. Mas, com olhos no futuro, conclamamos todos os partidos a mostrar capacidade de visão e de liderança para renovar a transição democrática no Egito.

O presidente Barack Obama evitou cuidadosamente a palavra “golpe”, ao comentar os eventos no Egito. Pela lei dos EUA, se se tratasse de “golpe”, toda a ajuda norte-americana ao Egito teria de ser suspensa. A declaração da Casa Branca exibiu tom defensivo, extremamente cauteloso, evitando qualquer condenação aos militares egípcios e, na direção oposta, conclamando a Junta a agir com bom-senso e completar a transição até um governo democraticamente eleito.

Estranhos parceiros de cama

Adly Mansour
Os EUA planejam aumentar a ajuda aos militares egípcios, para influenciar as políticas da Junta. A declaração da Casa Branca reconhece explicitamente que, em última análise, as políticas dos EUA baseiam-se em “valores e interesses partilhados”.

O golpe de estado no Egito provocou diferentes reações na Região. Poucas horas depois da fala de Sisi à nação, na 4ª-feira, na qual anunciou que o presidente da Suprema Corte Constitucional do Egito, Adly Mansour, assumia o posto de presidente interino, chegava ao Cairo um telegrama do rei Abdullah da Arábia Saudita, felicitando o novo presidente e congratulando-se com os militares.

Ao falar, pela televisão, Sisi apareceu ladeado, dentre outros, pelo presidente do Partido Nour (salafista), que claramente apoiou o golpe. O Partido Nour é financiado pela Arábia Saudita, como contrapeso à Fraternidade Muçulmana. Ao lado de Sisi via-se também o xeique da mesquita Al-Azhar no Cairo, que mantém laços muito próximos com o establishment saudita.

Ahmed Davutoglu
Um dos primeiros atos da Junta militar foi invadir a redação da sucursal da rede al-Jazeera no Cairo e prender seus jornalistas. Essa empresa de mídia é ligada ao regime qatari, e Doha sempre foi dos mais empenhados apoiadores – e financiadores – do governo de Mursi.

Mas a Turquia, diferente os sauditas que festejam, criticou o golpe no Egito. O ministro de Relações Exteriores da Turquia, Ahmed Davutoglu, segundo os jornais, teria dito que:

Só eleições podem dispensar do dever de governar, vale dizer, o desejo do povo. É inaceitável que um governo, chegado ao poder mediante eleições democráticas, seja derrubado por meios ilícitos e, ainda pior, por um golpe militar.

O Partido Liberdade e Justiça, no governo da Turquia, foi aliado íntimo da Fraternidade Muçulmana no campo ideológico e tem apoiado o braço sírio da mesma Fraternidade.

O presidente sírio Bashar al-Assad, como seria de esperar, não escondeu a satisfação ante o fim do governo de Morsi.  
Bashar al-Assad
De fato, o golpe gerou estranhos companheiros de cama. Foi recebido com compreensão, apoio ou aquiescência, por EUA e Grã-Bretanha, seus aliados no Golfo, sobretudo a Arábia Saudita, e na Jordânia. É interessante também para a Síria, que vê a Fraternidade expulsa do poder num país árabe chave. Teerã não ganha nem perde, mas a mídia iraniana deu destaque à reação síria e criticou Mursi.

Quem ganha e quem perde

Há um complexo conjunto de razões a analisar nesse estranho realinhamento regional. Evidentemente, os EUA têm parceiro importante no exército egípcio, mas jamais confiaram plenamente na agenda e nas intenções da Fraternidade, indutora do Islã político no novo Oriente Médio. Sisi é figura bem conhecida em Washington e seu toque islamista “suave” ajuda as políticas dos EUA no cenário regional dominante.

Do ponto de vista dos EUA, o fator crucialmente decisivo é que os militares egípcios sem dúvida alguma trabalharão em íntimo contato com Israel; sem dúvida manterão o tratado de paz de 1979; e sem dúvida manterão o Hamás (ramo brotado no tronco da Fraternidade Muçulmana) sob rédea curta.

O governo provisório é uma coalizão que inclui o timoneiro da era Hosni Mubarak e muitos políticos liberais conhecidos pela adesão ao Consenso de Washington. O FMI, muito provavelmente, controlará a economia do Egito. Por outro lado, os militares cooptaram o Partido Nour (islamista salafista) que vive sob influência da Arábia Saudita – o que aumenta ainda mais o limiar de conforto de EUA-Israel, garantindo que o incipiente aquecimento de relações entre Egito e Irã volte a esfriar completamente. Feitas as contas, o governo Obama pode ter esperança de que um novo arranjo no Cairo não criará dificuldades à agenda geopolítica dos EUA na Região.

A antipatia dos sauditas e de seus parceiros do CCG – sobretudo dos Emirados Árabes Unidos – assim como da Jordânia, contra a Fraternidade Muçulmana não é difícil de entender, posto que os Irmãos procuraram ativamente fazer “mudança de regime” nesses países e a ascendência da Fraternidade no Egito é mau exemplo para a rua árabe. A volta das elites da era Mubarak ao poder no Cairo muito agradará aos sauditas.

Ao contrário, Qatar e Turquia, que acalentam ambições regionais e consideram a Fraternidade Muçulmana como parceiros úteis, têm de voltar às mesas de planejamento. Para o regime sírio, a Fraternidade Muçulmana tem sido anátema, porque o eixo turco-qatari projeta seu braço sírio como oposição dominante.

Recep Erdogan
A rivalidade saudita-qatari pode lançar sombras sobre o conflito sírio e pode também se alastrar para o Líbano. Mais uma vez, o governo de Recep Erdogan terá muito com que se preocupar com a possibilidade de o golpe militar no Egito impor um mau precedente para a Turquia, onde, também, um cisma agudo apareceu contra a agenda de “islamização” do partido governante. Os militares turcos são parecidos com os militares egípcios no ethos secular, e tem longa tradição como agenciadores do poder. Enquanto isso, a parceria entre Erdogan e o governo Obama perdeu o brilho e é cada vez mais incômodo para Washington “equilibrar” o islamismo e a antipatia de Erdogan contra Israel.

Bem feitas as contas finais, contudo, Israel é a potência regional mais afetada pelas mudanças no Egito. A volta da liderança militar no Cairo trabalha a favor dos interesses de segurança de Israel. O estado egípcio olhará mais para dentro, no futuro próximo, buscando uma nova identidade, empreitada eivada de todos os tipos de incertezas. Dito em outros termos, o alinhamento regional nascente Egito-Qatar-Turquia, do qual a liderança do Hamás começou a ocupar-se ultimamente, desintegrou-se do dia para a noite; e isso deixa o grupo militante vulnerável à pressão dos israelenses...

Quanto, afinal, ao governo Obama, teve de voltar atrás no flerte com os Irmãos egípcios (e com o islamismo), que Israel e seus apoiadores nos EUA buscavam insistentemente. Em resumo: Israel é o grande vencedor individual.




*MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Times Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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