5/7/2013, [*] MK
Bhadrakumar, Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Leia
antes:
5/7/2013, redecastorphoto, MK Bhadrakumar, em: “Egito:
Fraternidade Muçulmana não capitulará (1ª Parte)”
Abdul Fattah al-Sisi (E) e Mohamed Mursi |
Na
sequência de eventos, o que se viu foi que uma série de concessões que Mohamed
Mursi fez, na reunião de quatro horas no palácio presidencial com o general
Abdul Fattah al-Sisi, comandante do Exército Egípcio, não foi suficiente. Mursi
ofereceu, como concessões políticas, segundo o jornal The Guardian:
-
Formar um governo nacional com representação de todos os partidos;
-
Formar uma comissão neutra, para alterar a Constituição;
-
Convocar um Conselho Constitucional para apressar a legislação sobre eleições parlamentares; e
-
Um novo Procurador Geral (que já partiu).
Além
disso, Mursi deixou fortemente sugerido que, se lhe apresentassem um plano para
realizar um referendum sobre sua presidência, seria aceito. Pois nada disso
impressionou Sisi. O xis da questão é que Sisi já tomara todas as decisões,
depois de receber sinal verde de Washington para prosseguir com um golpe “suave”
[orig. “soft”].
Chuck Hagel |
Sabe-se agora que ninguém menos
que o Secretário de Defesa dos EUA Chuck Hagel, esteve em contato com Sisi ,
de Washington. O Pentágono foi forçado a admitir que Hagel telefonou a Sisi semana
passada, mas recusa-se a divulgar detalhes da conversação. Perguntado por que o
Pentágono mantém segredo sobre essa conversa, o porta-voz do Pentágono, George
Little, respondeu aos jornalistas que:
Acho que vocês entendem que a
questão é muito sensível. É isso. Tomamos a decisão de divulgar que
houve o telefonema. E
ponto final.
Significa
que o famoso ultimatum dado pelo Exército Egípcio a Mursi na 2ª-feira
aconteceu, sim, depois de conversa entre Hagel e Sisi. A explicação de Sisi é
que o Exército rejeitara a oferta feita por Mursi, de um governo de unidade e
reconciliação nacional, porque sentia que o povo estava pedindo ajuda.
William Hague |
Simultaneamente, houve outros
sinais eloquentes. Os britânicos recusaram-se a condenar o golpe no Egito. William
Hague, secretário de Relações Exteriores disse
que:
A
chance de um futuro democrático foi duramente conquistada pelo povo egípcio há
dois anos e meio. Mas, com olhos no futuro, conclamamos todos os partidos a
mostrar capacidade de visão e de liderança para renovar a transição democrática
no Egito.
O
presidente Barack Obama evitou cuidadosamente a palavra “golpe”, ao comentar os
eventos no Egito. Pela lei dos EUA, se se tratasse de “golpe”, toda a ajuda
norte-americana ao Egito teria de ser suspensa. A declaração da Casa Branca
exibiu tom defensivo, extremamente cauteloso, evitando qualquer condenação aos
militares egípcios e, na direção oposta, conclamando a Junta a agir com
bom-senso e completar a transição até um governo democraticamente eleito.
Estranhos
parceiros de cama
Adly Mansour |
Os
EUA planejam aumentar a ajuda aos militares egípcios, para influenciar as
políticas da Junta. A declaração da Casa Branca reconhece explicitamente que, em
última análise, as políticas dos EUA baseiam-se em “valores e interesses
partilhados”.
O
golpe de estado no Egito provocou diferentes reações na Região. Poucas horas
depois da fala de Sisi à nação, na 4ª-feira, na qual anunciou que o presidente
da Suprema Corte Constitucional do Egito, Adly Mansour, assumia o posto de
presidente interino, chegava ao Cairo um telegrama do rei Abdullah da Arábia
Saudita, felicitando o novo presidente e congratulando-se com os militares.
Ao
falar, pela televisão, Sisi apareceu ladeado, dentre outros, pelo presidente do
Partido Nour (salafista), que claramente apoiou o golpe. O Partido Nour é
financiado pela Arábia Saudita, como contrapeso à Fraternidade Muçulmana. Ao
lado de Sisi via-se também o xeique da mesquita Al-Azhar no Cairo, que mantém
laços muito próximos com o establishment saudita.
Ahmed Davutoglu |
Um
dos primeiros atos da Junta militar foi invadir a redação da sucursal da rede
al-Jazeera no Cairo e prender seus jornalistas. Essa empresa de mídia é ligada
ao regime qatari, e Doha sempre foi dos mais empenhados apoiadores – e
financiadores – do governo de Mursi.
Mas
a Turquia, diferente os sauditas que festejam, criticou o golpe no Egito. O
ministro de Relações Exteriores da Turquia, Ahmed Davutoglu, segundo os jornais,
teria dito que:
Só
eleições podem dispensar do dever de governar, vale dizer, o desejo do povo. É
inaceitável que um governo, chegado ao poder mediante eleições democráticas,
seja derrubado por meios ilícitos e, ainda pior, por um golpe
militar.
O
Partido Liberdade e Justiça, no governo da Turquia, foi aliado íntimo da
Fraternidade Muçulmana no campo ideológico e tem apoiado o braço sírio da mesma
Fraternidade.
O
presidente sírio Bashar
al-Assad, como seria de esperar, não escondeu a satisfação ante o fim do
governo de Morsi.
Bashar al-Assad |
De
fato, o golpe gerou estranhos companheiros de cama. Foi recebido com
compreensão, apoio ou aquiescência, por EUA e Grã-Bretanha, seus aliados no
Golfo, sobretudo a Arábia Saudita, e na Jordânia. É interessante também para a
Síria, que vê a Fraternidade expulsa do poder num país árabe chave. Teerã não
ganha nem perde, mas a mídia iraniana deu destaque à reação síria e criticou
Mursi.
Quem
ganha e quem perde
Há
um complexo conjunto de razões a analisar nesse estranho realinhamento regional.
Evidentemente, os EUA têm parceiro importante no exército egípcio, mas jamais
confiaram plenamente na agenda e nas intenções da Fraternidade, indutora do Islã
político no novo Oriente Médio. Sisi é figura bem conhecida em Washington e seu
toque islamista “suave” ajuda as políticas dos EUA no cenário regional
dominante.
Do
ponto de vista dos EUA, o fator crucialmente decisivo é que os militares
egípcios sem dúvida alguma trabalharão em íntimo contato com Israel; sem dúvida
manterão o tratado de paz de 1979; e sem dúvida manterão o Hamás (ramo brotado
no tronco da Fraternidade Muçulmana) sob rédea curta.
O
governo provisório é uma coalizão que inclui o timoneiro da era Hosni Mubarak e
muitos políticos liberais conhecidos pela adesão ao Consenso de Washington. O
FMI, muito provavelmente, controlará a economia do Egito. Por outro lado, os
militares cooptaram o Partido Nour (islamista salafista) que vive sob influência
da Arábia Saudita – o que aumenta ainda mais o limiar de conforto de EUA-Israel,
garantindo que o incipiente aquecimento de relações entre Egito e Irã volte a
esfriar completamente. Feitas as contas, o governo Obama pode ter esperança de
que um novo arranjo no Cairo não criará dificuldades à agenda geopolítica dos
EUA na Região.
A
antipatia dos sauditas e de seus parceiros do CCG – sobretudo dos Emirados
Árabes Unidos – assim como da Jordânia, contra a Fraternidade Muçulmana não é
difícil de entender, posto que os Irmãos procuraram ativamente fazer “mudança de
regime” nesses países e a ascendência da Fraternidade no Egito é mau exemplo
para a rua árabe. A volta das elites da era Mubarak ao poder no Cairo muito
agradará aos sauditas.
Ao
contrário, Qatar e Turquia, que acalentam ambições regionais e consideram a
Fraternidade Muçulmana como parceiros úteis, têm de voltar às mesas de
planejamento. Para o regime sírio, a Fraternidade Muçulmana tem sido anátema,
porque o eixo turco-qatari projeta seu braço sírio como oposição dominante.
Recep Erdogan |
A
rivalidade saudita-qatari pode lançar sombras sobre o conflito sírio e pode
também se alastrar para o Líbano. Mais uma vez, o governo de Recep Erdogan terá
muito com que se preocupar com a possibilidade de o golpe militar no Egito impor
um mau precedente para a Turquia, onde, também, um cisma agudo apareceu contra a
agenda de “islamização” do partido governante. Os militares turcos são parecidos
com os militares egípcios no ethos secular, e tem longa tradição como
agenciadores do poder. Enquanto isso, a parceria entre Erdogan e o governo Obama
perdeu o brilho e é cada vez mais incômodo para Washington “equilibrar” o
islamismo e a antipatia de Erdogan contra Israel.
Bem
feitas as contas finais, contudo, Israel é a potência regional mais afetada
pelas mudanças no Egito. A volta da liderança militar no Cairo trabalha a favor
dos interesses de segurança de Israel. O estado egípcio olhará mais para dentro,
no futuro próximo, buscando uma nova identidade, empreitada eivada de todos os
tipos de incertezas. Dito em outros termos, o alinhamento regional nascente
Egito-Qatar-Turquia, do qual a liderança do Hamás começou a ocupar-se
ultimamente, desintegrou-se do dia para a noite; e isso deixa o grupo militante
vulnerável à pressão dos israelenses...
Quanto,
afinal, ao governo Obama, teve de voltar atrás no flerte com os Irmãos egípcios
(e com o islamismo), que Israel e seus apoiadores nos EUA buscavam
insistentemente. Em
resumo: Israel é o grande vencedor
individual.
*MK
Bhadrakumar
foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do
Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e
segurança para várias publicações, dentre as quais The
Hindu, Asia Times Online e
Indian Punchline. É o filho mais velho
de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de
Kerala.
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