29/7/2013, Kaveh L
Afrasiabi, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
O gigante
pressupõe o anão. Cesar, o herói, deixou atrás de si um
Otaviano... (Karl
Marx)
Kaveh L. Afrasiabi |
Quando o novo homem forte do
Egito, general Abdel Fattah al-Sisi, convocou seus apoiadores para que
manifestassem sua solidariedade ao Exército na 6ª-feira (26/7), 57º aniversário
da nacionalização do Canal de Suez, ato do carismático Gamal Abdel Nasser, minha
reação instintiva foi correr à prateleira, para reler O 18 de
Brumário de Luis Bonaparte, de Karl Marx, em homenagem à analogia
histórica.
No
livro de Marx, tem-se um modelo de análise de repetições históricas (a segunda
vez, como farsa), que surge da comparação entre o golpe na França em dezembro de
1851 (orquestrado por um sobrinho do grande Napoleão, e o qual, embora sem ter
nem uma mínima fração do gênio do tio, se autodenominou Imperador Napoleão III).
Do ponto de vista de Marx, o golpe de 1851 foi uma caricatura do golpe de
Napoleão em 1799 – devida, sobretudo, à “grotesca mediocridade” do sobrinho.
Abdel Fattah al-Sisi, o neopinochet |
Na
comparação, o general Sisi, cujos atiradores assassinaram a sangue frio dúzias
de manifestantes no Cairo e em outras cidades naquela 6ª-feira (26/7/2013), não
chega a ser nem cópia pálida do Nasser pan-arabista, que pôs fim a 72 anos de
dominação britânica no Egito e, assim, se tornou herói do anticolonialismo
pós-Segunda Guerra Mundial. Sisi, não. Sisi mostra-se, a cada dia, mais e mais
parecido com um neo-Augusto Pinochet, em tudo semelhante ao que Friedrich
Engels, camarada de Marx, escreveu de Napoleão III: “o sargentinho e seu bando
de marechais”.
Mohamed Mursi |
Desde
a derrubada do presidente Mohamed Mursi, dia 3 de julho, Sisi, o novo imperador
do Egito, vem decaindo pela trilha dos ditadores mais brutais, mostrando pouca
ou nenhuma piedade ou respeito pelos adversários, pronunciando discursos
sombrios sobre “enfrentar o terrorismo”, desculpa capenga para disparar sem
qualquer limite o seu reinado de terror, contra as vastas porções da população
que se opõem ao golpe militar.
Por
ironia, Sisi quer vencer em todas as frentes e a qualquer custo: quer obter a
legitimidade, associando-se ao orgulhoso legado de Nasser, ao mesmo tempo em que
ataca o presidente Mursi, deposto por fazer precisamente o que Nasser fez em
meados dos anos 1950s: promulgar uma nova Constituição que centralizava o poder
monopolizado, em suas mãos autoritárias.
Já
não há dúvida alguma de que Sisi e seus co-conspiradores calcularam mal a
extensão da oposição popular ao golpe contra Mursi – tacitamente aprovado por
Washington, como se comprovou no empenho do presidente Obama dos EUA para não
chamar o golpe, de “golpe”; no não tomar nenhuma providência para impedir o
golpe; e no movimento de, sem um segundo de hesitação, anunciar que não haveria
qualquer interrupção na ajuda militar e na venda de armas ao Egito.
“Pseudo Nasser”
John Kerry |
“Nenhuma lei nos obriga a dizer golpe ou qualquer outra coisa” – disse
um porta-voz do governo dos EUA, frase dúbia e posição duvidosa que zombam da
lei norte-americana e da responsabilidade
legal e ética dos EUA. A lei norte-americana muito
claramente proíbe que países vítimas de golpes de Estado recebam ajuda
humanitária e inventar exceções a essa regra é desenvolvimento doentio que não
augura qualquer boa notícia para o futuro das relações entre EUA e mundo árabe.
O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, que não se deu sequer o trabalho de
dar um telefonema aos generais egípcios integrados à lista de pagamento do
Departamento de Estado, para desestimulá-los de insistirem no golpe que estava
em curso, vive agora a gemer que o Egito está “à beira do abismo” e suplicando
que todos os partidos retrocedam.
O
que se vê aí é diplomacia de má qualidade, diplomacia inepta, orientada pelo
velho vício imperial de controle e dominação, que já não oferecia qualquer
garantia a partir do momento em que as urnas levaram Mursi e sua Fraternidade
Muçulmana ao poder. Não surpreende que a desculpa que mais se ouve, para
justificar o golpe, seja a “estabilidade” num país geoestrategicamente
importante. De fato, o que se tem aí é o reflexo da velha húbris imperial, que
errou seus cálculos e avaliou mal o desejo popular e a rejeição a qualquer
golpe, também entre egípcios que pouco têm a ver com a Fraternidade Muçulmana.
Resultado disso, a coalizão chefiada pela Fraternidade contra o golpe vai-se
tornando mais forte a cada dia – como reação vital direta à repressão brutal que
Sisi desencadeou e comanda. Falta a Sisi o horizonte intelectual dos
nasseristas, que agiram segundo uma dialética interna da história egípcia.
Esse
pseudo-Nasser, consumido integralmente pelos inimigos internos, opera como força
de desagregação social, de desunião e discórdia, assegurando o resultado mais
catastrófico. As forças seculares nacionalistas e liberais que o apóiam
condenam-se a perder a própria legitimidade apenas por se aproximarem dos
golpistas e desse neo-pinochet do Cairo, cujo discurso a favor da “unidade
nacional” jaz afogado no fundo do Nilo. Ainda não se sabe o que o futuro reserva
ao Egito, mas o lugar do general Sisi na lista dos líderes de farsa da narrativa
que Marx construiu já está selado. “Caussidière por Danton, Louis Blanc por
Robespierre, a Montanha de 1848 a 1851 pela Montanha de
1793 a
1795, o sobrinho pelo tio” – Marx escreveu; e a mesma caricatura aplica-se nas
circunstâncias dessa recente edição de mal disfarçada neoditadura militar no
Egito.
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