[*]
Adriano Benayon –
01.07.2013
1.
Por que milhões de pessoas vão às ruas manifestar-se, mesmo sem ter tido
conhecimento dos passos mais recentes dados pelos poderes do Estado no sentido
da destruição do País?
2.
Claro que para revoltar-se nem precisam estar bem informados. Basta sentir os
sofrimentos decorrentes de problemas que continuam agravando-se :
1. transporte
público insuportável e, além disso, nas grandes cidades, transporte particular
inviabilizado pelo excesso de veículos;
2. acesso
difícil ou inexistente a serviços
públicos de saúde e de educação, de alguma qualidade, além de, no âmbito
privado, preços absurdos sem qualidade correspondente;
3. salários
baixos;
4. preços
elevados, em mercados dominados por empresas e bancos concentradores;
5. impostos
e taxas numerosos e custosos.
3.
Credita-se ter desencadeado a faísca ao Movimento do Passe Livre (MPL), baseado
em São Paulo e outras cidades, organizado há anos e voltado para objetivos
justos, embora limitados
4.
O momento em que surgiram os protestos devidos ao aumento das passagens de
ônibus em São Paulo, coincidiu com os jogos da Copa das Confederações, a qual
expôs os superfaturamentos e outros absurdos ligados à construção dos
estádios.
5.
É compreensível que associem esses gastos suntuários às carências no atendimento
das necessidades da população.
6.
Falta, porém, elevar mais o número dos manifestantes e motivá-los a lutar pela
erradicação das verdadeiras causas das desditas do povo. Para isso é urgente
disseminar, para dezenas de milhões de brasileiros, as informações econômicas e
políticas relevantes.
7.
Dizer-lhes, por exemplo:
Os gastos
com a dívida pública absorveram 43,98% dos recursos federais em 2012. Mais de
R$ 750 bilhões. Para a saúde foram destinados somente 4,17% desses
recursos;3,34% à educação; 0,7 aos transportes;
0,39% à segurança e 0,01% à habitação.
8.
Os R$ 750 bilhões para a dívida
equivalem a quase o total dos investimentos públicos e privados no mesmo ano.
Significa que se esse dinheiro fosse investido produtivamente, em vez de
dilapidado em despesas financeiras, poderiam ser dobrados os gastos
realizados na produção e na geração de
empregos.
9.
Desde 1988 foram gastos 10 trilhões de
reais com a dívida pública. Um trilhão é mil vezes um bilhão, e um bilhão é mil
vezes um milhão, que é mil vezes mil.
10.
De onde veio isso: A indústria e os
mercados são controlados por empresas estrangeiras, que remetem dinheiro ao
exterior de mais de quinze modos. Os bens e serviços que vendemos são
subfaturados, e os que compramos são
superfaturados.
11.Então
se acumulam as dívidas. O produto de nosso trabalho, os nossos minérios, a
produção agrícola, tudo é mandado para o exterior por quase nada, e o governo
ainda premia os exportadores e os isenta de ICMS e contribuições
sociais.
12.Por que é
assim? Os políticos recebem dinheiro
das empresas e bancos concentradores para as eleições e dependem também das TVs
comerciais e imprensa, tudo ligado aos concentradores
financeiros.
13.Por
isso o problema dos investimentos produtivos não é só serem poucos, mas serem
mal escolhidos e realizados. Tudo é desenhado, orientado para o ganho dos
concentradores: transportes, educação, saúde, telecomunicações e
energia.
14.
E também: O transporte está ruim?
Lógico, as ruas estão entulhadas com veículos produzidos por montadoras
estrangeiras, às quais o governo federal, os estaduais e os municipais dão
prêmios e isenções de centenas de bilhões de reais. E não construíram linhas de
metrô. Por isso o trabalhador se desgasta durante cinco horas por dia dentro das
conduções. Não se fazem tampouco hidrovias nem ferrovias para transportar
passageiros e cargas.
16.
O povo não protesta, ainda, com a devida força, contra as lesões praticadas pelo
atual governo ao patrimônio público nos leilões de petróleo - trilhões de
dólares entregues praticamente de graça a petroleiras estrangeiras - nem contra
a gradual destruição da Petrobrás.
17.
Ainda por cima Executivo e Legislativo fazem demagogia decretando que 75% dos
royalties do petróleo sejam carreados para a educação e 25% para a saúde. Ora,
esses percentuais incidem sobre praticamente nada, além de a produção ainda
demorar, os royalties são 10% das receitas subdeclaradas (o governo não controla
o que sai).
18.
Ainda se manifesta pouco contra as concessões de ferrovias, portos e aeroportos
financiadas pelo BNDES. Igual com os empréstimos de grande vulto para empresas
concentradoras e para as parcerias público-privadas nos investimentos de
infra-estrutura, em que o setor privado tem lucros garantidos pelo Estado, sem
sequer investir.
19.
Não se mostra ao povo de que modo os bancos obtêm ganhos colossais. Apenas três
bancos privados - Itaú, Bradesco e Santander - somam lucros anuais de R$ 30
bilhões, emprestando e aplicando dinheiro dos depositantes. E o art. 164 da
Constituição obriga o Banco Central a financiar somente os bancos, proibindo-o
de financiar o próprio Tesouro Nacional.
20.
Ignoram-se, ainda, os prejuízos de trilhões de reais que resultaram das
privatizações de FHC, como a da Vale, a do BANESPA, dado ao Santander e as das
siderúrgicas. E as de serviços públicos extorsivos e deficientes, como a
eletricidade e as telecomunicações.
21.
Nem falam das antigas estradas construídas com dinheiro público, mal conservadas
e entregues a concessionárias, que se cevam através de absurdos pedágios. E
ninguém constroi novas.
22.
Está, pois, na hora de o povo ser informado do que precisa saber para exigir
instituições que revertam a lastimável situação do
País.
23.
Conscientizá-lo de que a luta é árdua. A mídia condenará as manifestações quando
focarem no que interessa, e recrudescerá a repressão policial, inexistente para
vândalos e assaltantes.
24.
Mas o povo terá de enfrentar isso tudo, se não quiser, mais uma vez, servir de
massa de manobra para os interesses que o têm mantido sem perspectivas de se
libertar. Libertar-se das imposições de potências estrangeiras, brutais embora
ocultadas.
25.
Em suma, ter-se-á de ir ao fundo da questão: exigir autodeterminação, só
possível num sistema político em que os governantes não sejam escolhidos,
cooptados, corrompidos nem acuados pelos
concentradores.
26.
Os obstáculos são muitos. Um dos principais é o tradicional jogo do império
anglo-americano, de incitar o ódio ideológico. Para vencê-lo, os brasileiros têm
de se unir em torno de questões concretas pautadas pelo interesse
nacional.
27.
Por exemplo, os manipuladores qualificam o governo de socialista ou
neocomunista, quando as políticas dele privilegiam a oligarquia financeira
imperial. Enquanto isso, partidos governistas espalham o mito de serem de
esquerda.
28.
O programa de reconstrução do Brasil deve priorizar a reindustrialização sob
capital nacional e dar ênfase à defesa do País. O oposto do que acabam de fazer
lideranças da Câmara dos Deputados desengavetando o acordo que cede aos EUA,
potência balística, nuclear e imperial, a base de lançamento de foguetes em
Alcântara.
[*]
Adriano Benayon Consultor em finanças e
em biomassa. Doutor em Economia, pela Universidade de Hamburgo, Bacharel em
Direito, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Diplomado no Curso
de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, Itamaraty. Diplomata de carreira,
postos na Holanda, Paraguai, Bulgária, Alemanha, Estados Unidos e México.
Delegado do Brasil em reuniões multilaterais nas áreas econômica tecnológica.
Depois, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e do Senado Federal na
área de economia. Professor da Universidade de Brasília (Empresas
Multinacionais; Sistema Financeiro Internacional; Estado e Desenvolvimento no
Brasil). Autor de Globalização versus Desenvolvimento, 2ª ed. Editora
Escrituras, São Paulo.
Colega blogueiro,
ResponderExcluirreuni uma série de textos sobre os protestos brasileiros de diferentes pontos de vista (inclusive com indicações deste blog, daí porque deixo a sugestão aqui). O compartilhamento habitual ocuparia muito espaço e exigiria diversos posts (são oito textos reunidos em sete posts). Por isso, faço o compartilhamento reunindo-os num só post que serve de apresentação às questões mais gerais, especificando os links. É este post único que segue:
Questões emergentes sobre o pós-manifestações
Os textos reunidos nesta série "Questões emergentes" visam um conjunto de interrogações sobre os protestos brasileiros que ocorreram no mês de junho. Para além da supostamente pura "espontaneidade" eles dão margem a diversos questionamentos políticos.
Desde o ponto de vista de jornalistas que cobrem a política e eles próprios são possuidores de experiências políticas, como é o caso de Mauro Santayana (Estranhando anônimos e autoritários, aqui). Passam pela análise do periódico El País (Una pregunta inquietante sobre la protesta brasileña, aqui). Passam também pela centralidade que as redes sociais que são propriedade privada de corporações midiáticas gigantescas (Quem quer "dobrar o Brasil"?, aqui). Passam ainda pelo apontamento dos riscos colocados às instituições democráticas destacados nas palavras de Wanderley Guilherme dos Santos (O Cerco Reacionário, aqui). Devem contar ainda com a contribuição da análise econômica de Igor Grabois sobre o jogo político-econômico que permitiu a canalização de certos protestos na figura da presidenta Dilma Rousseff (Por que setores da sociedade brasileira com tradicional repúdio às mobilizações populares foram às ruas engrossar fileiras contra Dilma Rousseff?, aqui). Encontram uma perspectiva geopolítica interessante do jornalista Nil Nikandrov (A multipolaridade em xeque e a geopolítica norte-americana, aqui). E vão, finalmente, à análise do sociólogo Manuel Castells sobre os protestos e a novidade representada pela resposta da presidenta brasileira ao conjunto dos manifestantes (A análise ignorada sobre a resposta de Dilma, aqui).
Certamente, diversos outros pontos de vista têm sido colocados desde o início das manifestações até agora. Nem mesmo pode-se dizer que estejamos, de fato, num instante pós-manifestações. A ameaça de lock out patronal (nada espontâneo) no sentido de paralisar estradas em todo território nacional ainda ronda o cenário atual. Sabe-se tratar de uma estratégia que assume conotação política capaz de desestabilizar países e governos. As reações estão em curso e ainda não permitem uma compreensão mais precisa. Os mesmo pode-se dizer em relação ao tema da necessária Reforma Política. Reconhecidamente necessária e ligada à crise de representatividade, foi anunciada de forma a dar esperanças de uma Assembléia Constituinte específica. Por pressões da classe política, acabou resultando na ideia de uma consulta popular e, mesmo esta, já enfrenta diversos obstáculos no Congresso. O resultado periga ser nenhum a não ser o sangramento do governo petista e o esgarçamento ainda maior da coalizão política que lhe dá (em tese) sustentação. De qualquer modo, os textos aqui reunidos dão uma boa dimensão dos problemas que se tornaram emergentes após os acontecimentos de junho.
http://blogumlugar.blogspot.com/2013/07/questoes-emergentes-sobre-o-pos.html