28/6/2013, Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving
Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
O Qatar é o mais empenhado “Amigo
da Síria”. Mas o que, afinal, o Qatar tem feito? Em Doha, o que mais se ouve é
que o Qatar consumiu a espantosa quantia de US$3 bilhões para conseguir que
“Assad tem de sair”. Mas Assad não saiu, nem dá sinais de estar saindo. Até o
Emir do Qatar, Hamad bin Khalifa al-Thani, se autodepôs essa semana e coroou o
filho, ex “herdeiro aparente” [orig. heir apparent] Tamim Bin Hamad
al-Thani (ver Pepe Escobar: “Agora somos todos qataris”,
redecastorphoto, 26/6/2013). E Bashar al-Assad lá continua,
sem se mover. O que, exatamente, o Qatar fez, até agora?
O
Qatar gastou uma fortuna armando as muitas
facções “rebeldes” sírias, comprando de tudo, de sucata da Líbia a material novo
na Croácia, despachadas as armas como carga comum e distribuídas pela
inteligência turca (além de um fluxo alternativo de armas enviadas por sunitas
libaneses ligados aos sauditas.) O comandante da operação “armar ‘rebeldes’” é
um general qatari.
Doha
mandou as Forças Especiais do Qatar para pôr os próprios coturnos em solo – como
fez também na Líbia – e dar aconselhamento tático a alguns bandos de “rebeldes”
preferidos do Qatar. De importante, mesmo, que essas Forças Especiais são
instrutores experientes. Não são qataris: são paquistaneses – como se lê,
explicado em detalhes, no dossiê Pak-Gulf
Defense and Security Cooperation, que é leitura obrigatória.
Nem
é preciso dizer que esses paquistaneses saíram da mesma tradição de formação
militar de onde saíram os mujahideen nos anos 1980s e os Talibã nos anos 1990s. Todos
sabemos o que resultou disso. Asia
Times Online tem noticiado frequente
e extensivamente, que a Síria é o novo Afeganistão – mas, agora, com bônus
extra, porque já incorpora desenvolvimentos que os jihadis adquiriram na guerra do Iraque (suicidas-bombas,
degola e devoração de tripas).
Forças Especiais do Qatar intervém no conflito na Síria |
Não
é segredo que a maior parte dos “rebeldes” são mercenários – salário, quase
sempre, de US$1,300.00/mês, pago diretamente
pelos qataris, com adicional de US$1,000.00 para quem participe de operações
especiais. Vários desenvolvem carreira secundária como cineastas de filmes para YouTube, arma preferencial de que se
servem as redes árabes (para nem falar das redes ocidentais) para comprovar que
o regime de Assad é “o mal”.
Como
faz Washington, Doha também divulga e perpetua o
mito de que agentes da CIA ajudariam a organizar os “rebeldes” – e que o Supremo
Conselho Militar reuniria todas as armas e organizaria a distribuição. Quem
acredite nisso acredita também que as armas de destruição em massa de Saddam
Hussein foram compradas pela internet.
Além
do mais, a embaixada síria em Doha é diferente
de tudo que o mundo conhece – é habitada exclusivamente por “rebeldes”. O
lobby qatari linha-duríssima forçou as 22 nações da Liga
Árabe – hoje já equivalente a uma Liga do Conselho de Cooperação do Golfo – a
dar aos “rebeldes” o lugar que pertencia à Síria. A Coalizão Nacional Síria
[orig. Syrian National Coalition
(SNC)] – mais recente e confusa nova
“união” política dos “rebeldes” – foi anunciada em Doha (e onde mais seria?) em
novembro de 2012. Dependendo da latitude árabe envolvida, ouve-se que a agenda
qatari une, ou, para outros, que racha, a tal Coalizão Nacional Síria.
Brigadas al-Farouq do comando terrorista da Al-Nusra/Al-Qaeda |
O
único elemento que permanece estável na direção da política externa do Qatar é
nada negar à Fraternidade Muçulmana como, por exemplo, apoiar as brigadas al-Farouq que, em teoria, controla(ria)m alguns
subúrbios de Aleppo.
Apanhado
na arapuca
Com
a ascensão de Tamim, o novo emir, a questão chave é
saber se essa orgia de armas, caminhões de dinheiro, lobbying-chantagem-monstro e cobertura diplomática já se
converteu ou algum dia se converterá em benefícios tangíveis para o emirado.
Hamad bin Jassim |
O
roteiro oficial simplório distribuído por Doha é
que o emir e seu filho aconselharam al-Assad a não reprimir os primeiros
protestos dos sírios no início de 2011. Mas Assad, sem mais nem menos, pôs-se a
“matar o povo” – nas palavras que o ex-primeiro-ministro Hamad bin Jassim,
codinome “HBJ”, emitiu, muito convenientemente, em palestra na Brookings Institution.
O que ninguém diz é que Doha saltou sobre a possibilidade de a Síria vir a ser
uma segunda Líbia – e o Qatar literalmente abriu os céus aos bombardeiros da
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Para
conseguir acompanhar a imprensa-empresa ocidental e árabe, é preciso assumir que
Tamim é o Novo Messias. Tem sido saudado como “o
monarca da Primavera Árabe”, tão “jovem”, tão “moderno”, atleta, apaixonado por
esportes e automóveis, orgulhoso marido de duas esposas “consumadas”, só até
agora.
Está
mais, isso sim, para Emir da Primavera da Fraternidade Muçulmana – se se
consideram seus laços íntimos com Sheikh Yusuf al-Qaradawi, sectário e extremista,
tele-clérigo-star da rede
al-Jazeera, e o qual, para todas as finalidades práticas,
declarou uma jihad contra alawitas e xiitas na Síria. Al-Qaradawi é um
dos principais consultores-conselheiros de Tamim.
Também
não é segredo para ninguém que a política externa do Qatar recebe de Washington
as ordens essenciais. Há nuances, é claro. O Qatar pode ter convencido o governo Obama a alinhar
sua política exterior ao pensamento da Fraternidade Muçulmana; mas também é
possível que o governo Obama tenha tomado sozinho essa decisão temerária. Tamim
pode ter convencido os Talibã a inaugurarem um escritório em Doha, ideia que
pode ter sido dele mesmo; mas também é possível que tenha obedecido a “sugestão”
que recebeu do governo Obama. Fato é que Tamim vive em reuniões com os figurões
do Departamento de Estado e do Pentágono. E que é o encarregado daqueles
preciosíssimos contratos de compra de armamento dos EUA e também da França.
E
há também as relações fracionadas com a Casa de Saud. O que se ouve em Doha é que Tamim foi responsável
por iniciar o diálogo estratégico de 2010 com os sauditas. É formalmente o
presidente do Conselho Superior Qatari-Saudita. Significa que está sempre em
contato com o líder supremo da inteligência saudita, príncipe Muqrin bin Abdul
Aziz o qual, aparentemente, é grande fã do dinheiro qatari. Não é segredo,
tampouco, que o verdadeiro poder por trás do dinheiro sempre foi a
impressionante Sheikha Mozah, mãe de Tamin.
Abdullah bin Khalifa bin Nasser al-Thani |
A
conexão Muqrin faz sentido, porque a Casa de
Saud amaldiçoou completamente o saltitante HBJ – o que significa dizer que
alimenta as mais graves suspeitas contra o ex-emir. A gangue de HBJ foi mais ou
menos marginalizada em Doha. Tamim indicou Sheikh Abdullah bin Khalifa bin
Nasser al-Thani como novo primeiro-ministro. Doravante, HBJ passará seus dias na
correria, em Londres, administrando a multibilionária Qatar Investment Authority. Não fez mau
negócio.
Ainda
não se sabe se a influência do Qatar na Síria continuará a ser tão importante
como até agora. Todo o planeta já sabe que a CIA
já reuniu impressionante arsenal na Jordânia, a ser repassado – via sistema
“elaborado” – para centenas de “bons” rebeldes sírios treinados pelos EUA. A
Jordânia e os Emirados estão sendo empurrados para a linha de frente, com os
sauditas fornecendo toneladas de armas antiaéreas portáteis. É possível que o
Qatar seja encarregado de armar só algumas milícias inconsequentes. É o que se
verá em agosto, quando acontecer um já fartamente anunciado e propagandeado
ataque “rebelde” contra Damasco.
A
guerra por procuração está condenada a tornar-se ainda mais horrenda. E nada
garante que Assad deixe a presidência da Síria. O novo “jovem e moderno” emir da
Primavera da Fraternidade Muçulmana corre o risco de acabar por descobrir que
foi apanhado na arapuca que ele e seu pai armaram.
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