quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Elites árabes insistem em repelir o Islã político

7/8/2013, [*] Ramzy Baroud, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Egito - Cairo -Praça Tahrir em 11/2/2011
As estações vão e vêm, e os países árabes continuam em convulsão sem fim. Falou-se muito de “Primavera Árabe”. Mas ainda que tivesse sido algum tipo de primavera, como a empresa-imprensa a pintou, não prosperou. E, hoje, já está metamorfoseada em algo muito mais complexo.

Mas tampouco se vê algum “Inverno Islâmico”, expressão muito apreciada por políticos e analistas israelenses. A dimensão islâmica das rebeliões árabes – algumas das quais convertidas em sangrentas guerras civis ou regionais – deveria ser muito clara e palpável, desde o início, para quem compreenda as realidades políticas além do modo como são usadas como ferramentas políticas.

O Islã sempre foi e sempre será componente da modelagem das compreensões coletivas das nações árabes. O Islã político está no coração da luta em curso, a qual, em alguns sentidos, é manifestação de um século de lutas entre o Islã como plataforma de expressão política, governança e jurisprudência, contra tendências ocidentais e ocidentalizantes.

Ao longo da história, jamais houve sequer uma união estável e bem-sucedida entre o Islã e as classes governantes árabes – bem-sucedida no sentido de ter contribuído para o progresso, para avanços nos direitos e para a prosperidade para todos. Ou os islamistas foram cooptados, ou reinou o conflito. A atrocidade dos resultados desses conflitos variou conforme a arte e a esperteza, maiores ou menores, dos governantes árabes aos quais coube gerir os conflitos.

Na Jordânia, sempre houve discórdia nos baixos escalões, entre partidos da oposição islâmica e a classe governante. Oscilou entre inclusão parcial de forças islâmicas num Parlamento que operava com pouca autoridade e surtos ocasionais ou crises políticas de pequenas consequências.

Mas nem todos os experimentos falhados falharam com o mesmo custo relativamente baixo. Na Argélia, uma tentativa de harmonização deu terrivelmente errada. A guerra civil argelina de 1991 durou mais de uma década e fez 200 mil mortos. E nada começou com sangue; as coisas começaram com uma eleição. A Frente Nacional de Libertação que governava cancelou as eleições depois do primeiro turno, temendo o que parecia ser sua derrota certa nas mãos da Frente de Salvação Islâmica.

Prisioneiros argelinos vigiados por soldados franceses
Guerra da Argélia 1954-1952 
A promessa converteu-se no segundo pior pesadelo da Argélia; o primeiro fora a luta ainda mais sangrenta, de 1954 a 1962, de libertação colonial, contra o império francês. Naquele momento, reuniam-se todos os ingredientes para um desastre completo. Havia um exército forte que governava o país mediante partido que enriquecera muito; uma oposição política que estava a um passo de alcançar o poder político pela via eleitoral; e uma massa de cidadãos prontos para avançar além de slogans gastos e da miséria econômica.

Ainda mais, uma geração de jovens radicalizados tinha sérias dúvidas, para começar, quanto à sinceridade da classe governante. O cancelamento das eleições foi a gota d’água, e o derramamento de sangue parecia ser o único denominador comum. Até hoje, a Argélia ainda vive enredada nas consequências daquele conflito, num impasse político sem mapa do caminho para lugar algum.

Por mais que não se deva generalizar, sabendo o quanto a imprensa-empresa obra para meter todos os árabes e muçulmanos num só e conveniente discurso, as similitudes entre a experiência argeliana e a experiência egípcia são espantosas.

Dia 25/1/2011, os egípcios revoltaram-se, com a esperança de que afinal romperiam o jugo das elites reinantes, do Partido Nacional Democrático e de seus aliados – o exército e a classe comercial-empresarial – que operavam como se toda a economia egípcia fosse eles e só deles.

Hosni Mubarak
Mas, por extensão, a revolução teria de ter mirado também o conglomerado mais amplo, regional e internacional, que apoiou e ajudou o regime de Hosni Mubarak e todo seu massivo aparelho corrupto de poder. De fato, sem elaborada rede de apoiadores, sob o comando dos EUA, Mubarak jamais se teria sustentado no poder durante 30 anos. Mas os egípcios não tiveram nem o tempo nem os necessários recursos para desenvolver uma agenda de política externa, e sua revolução já enfrentava obstáculos terríveis e empenhadas tentativas de sabotagem.

Por um lado, o exército continuava no poder, embora se autoproclamasse guardião da nação e de sua revolução, servindo-se para isso da mesma velha empresa-imprensa corrompida. Por outro lado, jamais houve qualquer estrutura coesa que permitisse que os egípcios traduzissem sua aspiração coletiva em algo tangível.

Os únicos fóruns disponíveis eram as eleições e os referendos, e todas as eleições e todos os referendos foram sempre, infalivelmente e democraticamente vencidos por partidos islamistas. Eleições justas e transparentes, sim, talvez; mas graças a elas, o regime de Mubarak ressurgiu à superfície da vida do Egito.

Servindo-se dessa infraestrutura jamais desmontada, com destaque para o aparato da empresa-imprensa mais corrupta, cujos empresários-proprietários eram industriais e comerciantes poderosos, o velho regime conseguiu inverter o sinal da revolução e virou-a contra ela mesma. Espertamente, venderam os protestos de 30/6/2013 como se fossem a via para corrigir o caminho errado tomado depois da revolta do 25/1/2011.

Mohamed Mursi
Numa estranha sucessão de eventos, milhões dos mesmos que haviam protestado contra Mubarak voltaram às ruas para protestar contra um Mohamed Mursi democraticamente eleito, aliados às mesmas velhas forças políticas que durante anos haviam devastado a economia do país; convocando o exército ao poder; e aliados às hordas de baltajiya – gangues de criminosos que, apenas dois anos antes, haviam aterrorizado os manifestantes.

Agora, o Egito está dando seus primeiros passos para tornar-se outra Argélia durante a guerra civil. Os líderes do golpe entenderão, de fato, as verdadeiras repercussões do que fizeram?

A Tunísia, a pequena nação que inspirou o mundo em dezembro de 2010, não está muito distante desse ponto, nessa triste saga. Houve recentemente mais um assassinato, dessa vez de um político nacionalista, Mohamed Brahmi, logo depois de outro assassinato de outro político muito conhecido, Chokri Belaid. A Tunísia permanece dividida entre os que querem derrubar o governo e os que insistem em defender seu direito democrático de governar. De um modo ou de outro, não há dúvidas de que mãos suspeitas tentam empurrar a Tunísia para um abismo chamado de “islamistas versus secularistas”.

A Síria é, de longe, o exemplo mais sangrento. Embora na guerra civil síria as apostas tenham subido muito mais e muito rapidamente, assim como a correspondente discussão, a guerra muito rapidamente assumiu traços de um perigoso conflito sectário, cujas implicações se ressentem na região e também longe dali.

Por uma via atormentada, os regimes árabes estão acumulando ganhos. Alguns os estão obtendo mediante guerra; outros mediante golpes militares; e alguns conspiram ativamente, na esperança de conseguir começar a jogar as próprias cartas.

Mas, por mais alto que seja o preço pago e a pagar pelas revoltas, uma coisa é certa – o velho paradigma do Oriente Médio, de elites poderosas apoiadas em aliados poderosíssimos e a oprimir povos enfraquecidos não parece estar dando sinais de que possa ser ressuscitado.
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[*]Ramzy Baroud é colunista internacional e editor do jornal Palestine Chronicle. seu último livro foi My Father was A Freedom Fighter: Gaza's Untold Story (Pluto Press) ainda sem tradução em português.

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