29/8/2013, [*] Patrick L.
Smith, Salon
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Enquanto escrevo, 5ª-feira
(29/8/2013de manhã cedo, muitos sírios estão sendo “agendados” para pagar com a
vida pela “credibilidade” dos EUA. O bombardeamento de um país já devastado pela
guerra é dito “simbólico”, para simplesmente “dar um recado”. É obscenidade tão grande quanto
aquela contra a qual Washington diz reagir. Mais uma sociedade do Oriente Médio
será ainda mais destroçada e os destroçadores nada terão a oferecer para
substituir o que destroçarão.
Os
EUA há muito tempo desperdiçaram qualquer credibilidade que talvez tenham tido
ou desejado ter no Oriente Médio. Se a credibilidade for a causa, Washington
precisa fazer muito mais que se pôr a desmontar a vila cenográfica que ela fez
dos princípios que tediosamente gagueja. Mas aí está pensamento que hoje em dia
já não vai a lugar nenhum.
E
os EUA mergulham em outra guerra no Oriente Médio. Diferente das guerras do
Iraque e do Afeganistão – verdadeiras obras de arte norte-americanas – o
conflito na Síria é quadro pintado por outros. Mas, exceto por isso, esses três
casos de hostilidade injustificável contra regimes “desobedientes” são
espantosamente similares.
Manifestantes em Downing Street, Londres contra a intervenção ocidental na Síria |
Melhor
dizendo: são tragicamente similares. Ao longo da história, os norte-americanos
insistimos na virtude da ignorância, em nada aprender, não saber de nada. E o
que estamos à beira de fazer é o que sempre fazemos, previsivelmente, sempre. Os
norte-americanos somos povo singular. Não há dúvida. Talvez, até, excepcional.
Como tantas vezes já aconteceu, o
governo Obama está na mídia, rejeitando qualquer deliberação que a ONU considere justa. Na noite de 4ª feira,
o Primeiro-Ministro britânico David Cameron rendeu-se às objeções do Partido
Trabalhista ao apoio que o ministro vinha dando aos planos de Washington para invadir a
Síria. A Grã-Bretanha agora quer esperar
um relatório da ONU sobre os supostos ataques químicos, dos inspetores de armas,
e dar mais tempo ao processo do Conselho de Segurança.
Mas
ouçam o que disse o presidente Obama na 4ª-feira, no programa Newshour, da PBS, e é evidente que os
EUA consideram atacar sozinhos o regime sírio, se preciso for:
Estamos
preparados para trabalhar com qualquer um – russos e outros – para tentar reunir
os grupos e resolver o conflito,
disse Obama. Mas queremos que o regime
Assad entenda que, ao usar armas químicas em larga escala contra o próprio povo
(...) está criando uma situação na
qual os interesses nacionais dos EUA são afetados, e isso tem de parar.
Portanto,
já nada conta, nem a folha de parreira da concordância internacional.
Os
eventos, desde o que parece ser ataques com armas químicas em quatro áreas
residenciais de Damasco semana passada já trazem todas as marcas de um assalto
violento de rua, com os bandidos atropelando e espancando vítima colhida em alta
velocidade.
Dado que os mísseis Cruisers que o governo está a ponto de
disparar contra a Síria levarão a impressão digital de todos os
norte-americanos, como uma bomba da 2ª Guerra Mundial, os bandidos somos nós
(aliás, outra vez). Aí, a responsabilidade é partilhada. Somos cúmplices.
As
mentiras e frases inventadas que nos contam, enquanto Washington prepara-se para
“responder” à mais recente selvageria contra os sírios são construídas de modo
tão esquisito, que é difícil acompanhar a jogada. O pessoal de Obama mudou
completamente a coisa, diametralmente, diante de nossos olhos, deixando de lado
qualquer preocupação com a verossimilhança, inventando argumentos conforme a
hora. É claro que é tudo inventado! E é sempre a mesma história que já recitaram
incontáveis vezes. Vai-se ver, é a única narrativa que os norte-americanos
sabemos articular ou compreender – ideia assustadora, mas da qual é impossível
fugir, considerando o que estamos vendo.
Especialistas em armas químicas das
Nações Unidas na quarta-feira (28/8/2013) se reuniram com moradores de Zamalka,
um subúrbio de Damasco que foi alvo de um ataque químico na semana passada.
|
As
narrativas precisam da imprensa-empresa, é claro, e aí está ela, no caso da
crise síria, distribuindo versões irresponsavelmente recolhidas de uma só fonte,
apresentadas como se fosse opinião responsavelmente exposta, recolhida de várias
fontes. E desde quando os jornalistas passaram a ver-se, eles mesmos, como
agentes clandestinos da segurança nacional? Já é insuportável, essa atitude de
moleque de recados do poder. Se os jornalistas fizessem o próprio trabalho com
decência e seriedade, os EUA nos tornaríamos responsáveis por muito menos
tragédias semelhantes à tragédia síria, e estaríamos todos, aqui, muito mais
seguros. Do jeito que estão as coisas, a imprensa-empresa é peça defeituosa no
mecanismo democrático.
No instante em que chegaram
notícias de armas químicas e vítimas, semana passada, Washington e aliados
puseram-se a exigir que o presidente Bashar al-Assad da Síria autorizasse uma
equipe de inspetores da ONU a examinar os locais em questão. Tinha de ser.
Exigência absoluta. Era isso ou isso. Todos lemos as “declarações”.
48 horas depois, o pessoal de Obama pôs-se a “declarar” que não, que ninguém precisava do relatório da ONU. Desnecessário. Quando Assad autorizou a visita da equipe da ONU, o que nem demorou, considerando-se que se trata de zona de guerra, já era “tarde demais para ter credibilidade. As provas já estariam “degradadas”, como todos também lemos.
48 horas depois, o pessoal de Obama pôs-se a “declarar” que não, que ninguém precisava do relatório da ONU. Desnecessário. Quando Assad autorizou a visita da equipe da ONU, o que nem demorou, considerando-se que se trata de zona de guerra, já era “tarde demais para ter credibilidade. As provas já estariam “degradadas”, como todos também lemos.
William J. Broad |
Tarde
demais? Provas degradadas? A equipe da ONU é equipe de especialistas. Estão na
Síria para examinar locais nos quais se diz que há meses teriam sido usados
produtos químicos, e não estariam lá se a tal “degradação” tivesse algum
fundamento científico. Isso ninguém leu, com uma exceção. Na 4ª-feira, William
J. Broad, correspondente de ciências do New York Times teve a decência e
o bom senso de citar fontes não governamentais – afinal! Alguém! – que informou
que esses agentes químicos que estão sendo discutidos não se dissipam por períodos de tempo terrivelmente longos.
Quem não acreditar, pode perguntar aos vietnamitas.
A
matéria de Broad ganhou o pé da página oito. Como I.F. Stone disse certa vez do
Washington Post, jornais são sempre problema, porque você nunca sabe onde
encontrará a matéria de primeira página.
Mas
no início dessa semana, se é que se pode engolir essa, funcionários dos EUA já
estavam pressionando secretamente a ONU para que abortasse a missão na Síria.
Washington decidira que, dessa vez, nenhuma prova seria interessante. Isso
ninguém leu – não em publicação norte-americana.
Era
o caminhãozão que o pessoal de Obama estava tentando estacionar em cima da
calçada.
As “provas” de que haviam sido usadas armas químicas, por mais que o
pessoal de Obama tivesse tentado, antes, se esconder delas, logo se tornaram
“inegáveis” (Secretário de Estado Kerry), assunto “sem dúvida” (Vice-Presidente
Biden), e mais várias coisas “declaradas” e repetidas. Isso todos lemos em
abundância – e sem qualquer confirmação ou investigação profissional decente, de
parte dos jornalistas que escreviam ou diziam, sem parar.
E...
você percebeu? “Prova de uso” imediatamente se converteu em prova de que o
regime de Assad usou. Aí está o truque sujo. Nenhum funcionário do governo
dos EUA disse que a responsabilidade poderia ser dos “rebeldes”. Claro que, se
nenhum funcionário do governo “declarou”, ninguém leu sobre essa possibilidade
nos jornais norte-americanos ou ouviu-a dos “âncoras” e “comentaristas” de rádio
ou televisão. O imperdoável lapso de lógica passou despercebido. Já não há
palavras para dizer o quão absolutamente idiotas eles supõem que nós sejamos.
Agora nos prometem prova incontroversa da culpa de Assad,
para a 5ª-feira, ao longo do dia.Inútil tentar adivinhar. Na guerra
de imagens e espetáculo, frequentemente se repetem variantes da rotina acima
descrita. Lembrem do yellowcake, ou de Colin Powell na ONU, ou os “tubos
de metal” de Judith Miller ou os “laboratório de armas móveis” no Iraque – todos
empenhadamente noticiados pelo New York Times.
Nesse
espaço, semana passada, aventei minhas suspeitas de que os “rebeldes” bem poderiam ser os
culpados. Repito aqui os mesmos argumentos.
Os
inimigos de
Assad não têm suprimentos de gás sarin ou de outros agentes químicos –
como se sugere.
Bobagem.
Podem ter, é claro.
Os
“rebeldes” não seriam capazes de montar um ataque de grande escala como parece
que foi o ataque em Damasco semana passada
– como disseram incansavelmente. Mais bobagem.
Posição
defensável é a dos russos e de alguns elementos responsáveis na Grã-Bretanha:
querem investigação séria e propõem que todos aceitem os resultados.
Carla del Ponte |
Carla
del Ponte, conhecida especialista, investigadora
de crimes de guerra e membro da comissão da ONU que examina o caso da Síria, disse em
maio que havia fundados
motivos para examinar se os “rebeldes” seriam responsáveis por uma obscenidade na
Síria, naquele momento, envolvendo gás sarin.
A investigadora de direitos
humanos da ONU disse que “segundo depoimentos que reunimos, os “rebeldes” usaram
armas químicas, tendo feito uso de gás sarin”, e acrescentou que sua comissão
trabalhava, como hipótese mais bem fundada, com a ideia de que “foi usado gás
sarin (...) pela oposição ao governo, pelos “rebeldes”, não pelo governo sírio”.
Foi
depenada e assada, na melhor tradição do “jornalismo” norte-americano.
Mas
Obama parece decidido a atropelar a ONU, independente do que digam os
especialistas.
Na 4ª-feira, a Grã-Bretanha apresentou projeto de resolução ao
Conselho de Segurança, exigindo a intervenção militar, mas só pro forma.
O Conselho de Segurança tem vários membros, para que várias visões de mundo
estejam adequadamente representadas.
Obama honra visões de mundo alternativas,
tanto quanto George W. Bush. Assim sendo, da ONU nada sairá que se aproveite,
não com o veto da Rússia, membro do Conselho de Segurança. Melhor partir logo
para o crime e a marginalidade outra vez, e esse é o mundo para termos em mente,
se os fogos de artifício prometidos começarem a chover sobre a Síria nos
próximos dias. (...)
Nas colinas de Golan - Síria, sentinela israelense fica sobre um "bulldozer" |
Concluo
com o que considero o máximo, a cereja do bolo, o prêmio de
“notícia-mais-ridícula-da-semana”, embora só se encontre, na “mídia”
norte-americana, online.
A
parte mais consistente das provas de que o regime de Assad usou armas químicas e que dá base legal essencial para justificar ação militar ocidental – foi
apresentada pela inteligência militar de Israel.
É.
Aquele pessoal confiável. Do Mossad. A notícia está no The Guardian, grande jornal britânico, que
simplesmente repete uma revista alemã, Focus.
Santo
deus! Chamem os palhaços. Eles já estão aí.
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[*] Patrick
Smith é o autor de
“Time No Longer:
Americans After theAmerican Century” foi chefe da sucursal do International Herald Tribune em Hong
Kong e Toquio 1985-1992.Durante este tempo também escreveu a coluna “Carta de
Tóquio” para a revista The New Yorker. É o autor de quatro livros e contribuiu
com frequência com artigos para o New
York Times,The Nation, The Quarterly Washington e outras
publicações.
Essa política imperialista estadounidense torna-se necessária diante da crise econômica e falta de recursos que o país atravessa. Vão fazer da Síria mais uma colônia nos moldes modernos, vão tornar a Síria dependente do FMI, das empresas dos EUA e com grandes dívidas externas.
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