19/9/2013
(enviado especial a Damasco, Marcelo Cantelmi) – El Clarín --
AR
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Clarín: Por
que a crise na Síria estendeu-se e se aprofundou mais do que em qualquer outro
país árabe?
Presidente
Bashar al-Assad: Muitos
elementos internos e externos contribuíram para a crise, o mais importante dos
quais é a intervenção externa adversa; daí que, porque os cálculos dos países
que intervieram na Síria eram cálculos errados, a crise se prolongou. Aqueles
estados acreditavam que o plano deles teria sucesso em semanas ou meses, o que
não aconteceu. Aconteceu que o povo sírio resistiu e continuamos resistindo.
Estamos defendendo nosso país.
Clarín: O senhor
sabe que, segundo a ONU, essa guerra já fez mais de 70 mil mortos?
Presidente
Bashar al-Assad: Seria
preciso conhecer as fontes dos que plantam esses números. Todas as mortes são
horríveis, mas muitos dos que morreram em território sírio são mercenários que
vieram para matar sírios. Tampouco se pode esquecer que há muitos sírios
desaparecidos. Qual o número de sírios mortos e de mercenários estrangeiros
mortos? Quantos desaparecidos? Não se conhece ainda o número exato. E esse
número muda muito, porque os terroristas matam e às vezes enterram suas vítimas
em covas coletivas.
Clarín: O senhor
descarta que pode ter havido uso de força excessiva, desproporcional, pelos seus
soldados da
repressão?
Presidente
Bashar al-Assad: Como é que
alguém pode saber se a força foi excessiva ou não? Qual é a fórmula. Nada disso
é informação objetiva. Cada um responde conforme o tipo de terrorismo que o
ataca. No início, o terrorismo era local. Em seguida começou o terrorismo que
vinha de fora, e esses terroristas traziam armamento sofisticado. O que se deve
discutir não é o volume de força empregada ou o tipo de armas, mas o volume do
terrorismo que se organizou contra a Síria e que a Síria teve de
combater.
Clarín: No
início da crise não teria sido possível um diálogo que evitasse esse desenlace?
Presidente
Bashar al-Assad: As
demandas iniciais eram reformistas, embora essa fosse apenas uma fachada, uma
camuflagem, para dar a um plano, que já havia, um aspecto de reivindicação
reformista. Mas fizemos as reformas. Mudamos a Constituição, leis, o estado de
emergência foi anulado e anunciamos um diálogo com as forças da oposição. E a
cada passo das reformas, aumentava o terrorismo. A pergunta lógica que se tem de
fazer é: que relação há entre os terroristas e os reformistas?
Clarín: O que o
senhor responde?
Presidente
Bashar al-Assad: Terrorismo
não pode ser o caminho para reformas. Que relação pode haver entre um terrorista
checheno e as reformas na Síria? Que relação pode haver entre um terrorista
vindo do Iraque, do Líbano ou do Afeganistão e as reformas na Síria.
Levantamento recente nos mostrou que há mercenários de 29 nacionalidades em
combate na Síria. Que relação pode haver entre todos eles e as nossas reformas
na Síria? Não faz sentido algum. Quanto a nós, nós fizemos reformas e agora
também temos uma iniciativa política para o diálogo. A base para qualquer
solução política tem de ser o desejo do povo da Síria. Isso só se pode conhecer
nas urnas. Não se conhece outra forma. E quanto ao terrorismo, ninguém deseja
negociar com terroristas. O terrorismo feriu os EUA e a Europa. E nenhum governo
dialogou com terroristas. O diálogo só é possível entre forças políticas, não
com grupos terroristas, que degola, mata, usa gases venenosos.
Clarín: O senhor
denuncia presença de mercenários estrangeiros na Síria, mas sabe-se que aqui
também há combatentes doHezbollah e do Irã.
Presidente
Bashar al-Assad: Síria tem
23 milhões de habitantes e não precisa de mais gente para ajudar, venha de onde
vier. Para nossa segurança, temos exército e forças especiais. Não precisamos do
Irã e do Hezbollah para nos defender. Há aqui, sim especialistas do Hezbollah e
do Irã, mas não estão em combate e já estavam aqui antes do início dessa
crise.
Clarín: Entre
aquelas reformas da Constituição de que o senhor falou, considera-se garantir
irrestrita liberdade de imprensa?
Presidente
Bashar al-Assad: O senhor
talvez não saiba que, entre várias novas leis já vigentes, há uma nova lei de
imprensa.
Clarín: No...
Presidente
Bashar al-Assad: Nós
partimos do conceito de que o primeiro passo tem de ser dialogar com as forças
políticas. Desse diálogo viria uma Carta Magna a ser submetida a referendo
popular. Essa Constituição garantirá maiores liberdades em geral. Depois dela e
baseadas nela virão novas leis e é previsível que visem a garantir liberdades
políticas e mediáticas. Mas não se pode falar de liberdade de imprensa, onde não
haja liberdades políticas em geral.
Clarín: Como o
senhor avalia a conferência sobre Síria planejada para fins de setembro, por
Rússia e EUA?
Presidente
Bashar al-Assad: Recebemos
bem a reaproximação de Rússia e EUA, e esperamos que o encontro internacional
ajude os sírios. Mas não acreditamos que muitos países ocidentais desejem uma
solução efetiva na Síria. Não acreditamos que muitas das forças que apoiam os
terroristas desejem alguma solução. Apoiamos a gestão que russos e
norte-americanos estão fazendo, mas temos de ser realistas. Na Síria não
funcionará solução unilateral. Precisamos reunir, no mínimo, dois lados claros,
para dialogar.
Clarín: Quem não
quer solução? As forças que se opõem ao seu governo ou as grandes
potências?
Presidente
Bashar al-Assad: Na
prática, os que se opõem ao nosso governo estão vinculados a países de fora e
não têm capacidade para tomar decisões próprias. Vivem do que recebem de fora e
fazem o que são mandados fazer pelos países que os sustentam, recebem fundos e
fazem o que aqueles países decidam. São praticamente a mesma coisa e são os que
já disseram que não querem dialogar com o estado sírio. Disseram várias vezes. A
última, foi semana passada.
Clarín: Quando o
senhor fala em diálogo, pensa em dialogar com quem, do outro
lado?
Presidente
Bashar al-Assad: Já
declaramos que dialogaremos com qualquer um que queira dialogar, sem exceção.
Dialogaremos em todos os casos e circunstâncias em que esteja respeitada a
capacidade livre e soberana da Síria para decidir. Mas isso não inclui grupos
terroristas. Nenhum estado do mundo jamais dialogou com terroristas. Desde que
os grupos armados deponham armas e sentem-se para dialogar, dialogaremos com
todos. Supor que alguma conferência política conseguirá conter o terrorismo é
irrealismo.
Clarín: Que
possibilidade há de que o diálogo inclua essas forças externas, como os EUA, por
exemplo, que supostamente estariam apoiando os
terroristas?
Presidente
Bashar al-Assad: Desde o
início, sempre dissemos que dialogamos com qualquer país e com qualquer grupo,
desde que não sejam grupos ou países armados. É nossa única condição. Exceto
essa condição, não há outras. Entre os grupos armados que há na Síria há
bandidos condenados, procurados pela Justiça. E nem esses grupos foram excluídos
do diálogo, sob a única condição que deponham as armas. Entendemos que temos de
ouvir todos os sírios. O povo sírio decidirá quem luta por ele e quem luta
contra ele. Nunca dissemos que só aceitaríamos solução que convenha ao governo.
Nunca sequer dissemos o que o governo supõe que seja melhor para a Síria. Nós
realmente entregamos a solução ao povo sírio.
Clarín: Com
relação à conferência internacional...
Presidente
Bashar al-Assad: Para nós,
a questão básica de que deverá tratar qualquer conferência internacional é deter
o fluxo de dinheiro e de armas para a Síria e deter o envio de terroristas que
vêm da Turquia, financiados pelo estado qatari e outros estados do Golfo, como a
Arábia Saudita. Enquanto esses países, que não têm interesse em pôr fim à
violência na Síria, nem têm interesse em encontrar solução política, o
terrorismo continuará.
Clarín: Onde o
senhor coloca Israel nessa crise?
Presidente
Bashar al-Assad: Israel
apoia diretamente e por duas vias os grupos terroristas, dá-lhes apoio logístico
e os informa sobre como e quais locais atacar. Por exemplo, atacaram uma estação
do sistema de defesa antiaérea que detecta qualquer avião que venha de fora,
especialmente de Israel.
Clarín: Caso o
diálogo avance, o senhor prevê um cronograma para que a oposição entregue as
armas?
Presidente
Bashar al-Assad: Eles não
são uma só entidade, são grupos e bandos, não são dezenas, mas centenas. São
misturados, cada grupo tem um cabeça local. São milhares. Quem consegue unir
milhares de pessoas? A pergunta é essa. Não se pode falar de cronograma, se se
trata também de um outro lado que não sabemos quem seja. Quando tiverem alguma
estrutura unificada, poderemos responder sobre cronogramas.
Clarín: O senhor
estaria disposto a dar um passo atrás, para uma solução definitiva? O senhor
está disposto a renunciar?
Presidente
Bashar al-Assad: Minha
permanência ou não depende do povo sírio. Não é decisão que caiba a mim, se
ficou ou se parto. Cabe ao povo sírio. Se quiserem, fica-se, se não quiserem que
se fique, parte-se. Depende da Constituição e das urnas. Nas eleições de 2014, o
povo decidirá.
Clarín: Foi
sugerida a alternativa de que o senhor se demita, como condição para o fim do
conflito.
Presidente
Bashar al-Assad: Sou
presidente eleito e só o povo decidirá sobre minha permanência. Não se admite
que alguém diga que o presidente da Síria tem de sair porque os EUA desejam que
saia, ou porque os terroristas dizem que seria condição imposta por eles. É
inadmissível.
Clarín: Barack
Obama deu sinais de que não considera intervir no seu país. Mas o chanceler
norte-americano, John Kerry, disse que qualquer avanço teria de incluir sua
saída do cargo.
Presidente
Bashar al-Assad: Não tenho
conhecimento de que Kerry ou outro receberam mandato do povo sírio para falar em
nome do povo sírio sobre quem fica ou quem sai. Já disse que qualquer decisão
sobre reformas na Síria ou ação política são decisões sírias, e não se permite
que EUA nem qualquer outro estado intervenha nessas decisões. Somos Estado
independente, não aceitamos que outros definam o que teríamos de fazer, nem os
EUA nem ninguém. Os sírios votarão nos candidatos que se apresentarem e todos
podem vencer ou perder. Será decidido pelo povo sírio. Não é possível ir àquela
conferência supondo que ali se decidirá algo que o povo sírio ainda não
decidiu.
E
há outro aspecto: o país está em crise e, com o barco em meio a uma tormenta,
renunciar é fugir. O presidente não pode fugir, como o capitão de um navio. Tem
o dever de devolver o barco ao ponto onde tem de estar e então as coisas poderão
ser decididas. Não sou pessoa que fuja à responsabilidade.
Clarín: França,
Grã-Bretanha e o próprio Kerry denunciaram que o exército usou armas químicas,
gás sarín, contra população civil...
Presidente
Bashar al-Assad: Não
precisamos perder nosso tempo com essas declarações. Armas químicas são armas de
destruição massiva. Dizem que nós as teríamos usados em áreas residenciais. Se
uma bomba nuclear fosse lançada sobre uma cidade e houvesse dez ou vinte mortos,
alguém acreditaria? Se se tivessem usado armas químicas em zona residenciais,
haveria milhares, dezenas de milhares de mortos em minutos. Todos sabem disso.
Quem poderia ocultar tal coisa?
Clarín: Então, a
que o senhor atribui essa denúncia?
Presidente
Bashar al-Assad: O tema das
armas químicas entrou em circulação quando terroristas as utilizaram em Aleppo,
em Khan al-Assal, há cerca de dois meses. Recolhemos as provas, o míssil usado e
as substâncias químicas. Analisamos tudo e enviamos carta ao Conselho de
Segurança para que enviassem missão de investigação. EUA, França e Grã-Bretanha
viram-se em situação embaraçosa e disseram que queriam enviar missão para
investigar a existência de armas químicas em outras áreas, onde alegam que
teriam sido usadas. Fizeram isso, para não investigar o ponto onde se produziu o
fato real, que já comprovamos. Um membro dessa comissão, Carla del Ponte, disse
que os terroristas eram os responsáveis. Mas nem a ONU prestou atenção ao que
ela declarou.
Clarín: O senhor
acredita que a denúncia poderia abrir caminho para uma intervenção militar na
Síria?
Presidente
Bashar al-Assad: Se for
usado como pretexto para guerra contra a Síria, sim, é provável. Ninguém
esqueceu o que aconteceu no Iraque. Onde estavam as armas de destruição em massa
de Saddam Hussein? O ocidente mente e falsifica, para produzir guerras, é
costumeiro. Mas nenhuma guerra contra a Síria será fácil, não será um passeio.
Mas, não, não se pode descartar a possibilidade de que iniciem uma guerra contra
a Síria.
Clarín: Em que o
senhor se baseia?
Presidente
Bashar al-Assad: Já
aconteceu, de parte de Israel, já houve ataques. É possibilidade presente,
especialmente depois que conseguimos golpear os grupos terroristas em muitas
zonas da Síria. Então outros países, que você citou encomendaram ataques a
Israel, contra a Síria, para elevar a moral dos grupos terroristas. Nós supomos
que, em algum momento, se produzirá algum tipo de tentativa de intervenção,
mesmo que seja limitada.
Clarín: O senhor
disse que controlam a situação, mas enquanto falamos ouvem-se estrondos de
artilharia na periferia da cidade.
Presidente
Bashar al-Assad: Eu não
disse que controlamos a situação, porque a palavra “controlar” ou “não
controlar” não se usa quando se está em guerra com exército estrangeiro. A
situação é totalmente diferente. Os terroristas entram em zonas dispersas e
fogem de um ponto para outro. Há vastas zonas nas quais se movimentam e nenhum
exército do mundo conseguiria estar em todos os pontos.
Clarín: O senhor
realmente acredita que os EUA cooperam com Qatar ou Arábia Saudita, para pôr no poder
na Síria um regime ultra islâmico wahabista?
Presidente
Bashar al-Assad: O ocidente
não se preocupa com governos, sejam quais forem, desde que lhes sejam leais.
Querem aqui um governo servil que faça o que eles mandem, seja que governo for.
Mas o que se vê no Afeganistão comprova que nem sempre dá certo. Esses países
apoiaram os Talibã e pagaram por isso um preço altíssimo. O perigo de tudo isso
é que os estados wahabitas querem difundir o pensamento extremista. Na Síria
temos um Islã moderado e resistiremos contra o projeto de destruir a Síria, por
todos os meios.
Clarín: Nas
eleições presidenciais de 2014 haverá
observadores internacionais e a imprensa terá livre acesso para cobrir o
evento?
Presidente
Bashar al-Assad: Para ser
sincero, não sei. O tema dos observadores internacionais ainda terá de ser
decidido, porque parte da população síria não tolera a ideia de monitoramento,
que não se faz em outros países do mundo, e implica uma questão de soberania
nacional. E não confiamos no ocidente para essa tarefa. Se aceitarmos a presença
de observadores, serão de países amigos, como Rússia ou China, por exemplo.
Clarín: China?
Presidente
Bashar al-Assad: ... [por
que não?!]
Clarín: Na
entrevista que o senhor concedeu ao Clarín em Buenos Aires, o senhor disse com
firmeza que rechaçava a ideia de negar o Holocausto. Ainda mantém essa
posição?
Presidente
Bashar al-Assad: Perdoe-me,
mas por que falar de Holocausto e não falar do que acontece na Palestina? Ou do
1,5 milhão de iraquianos assassinados? O Holocausto é tema histórico, que exige
visão ampla e não pode ser usado como assunto político. Não sou historiador para
determinar a verdade desse tema. As questões históricas variam conforme quem
escreva a história. Por isso a história às vezes é falseada.
Clarín: Desculpe,
mas há alguma autocrítica que o senhor se faça a si
mesmo?
Presidente
Bashar al-Assad: Não há
sentido algum em autocríticas antes de as coisas estarem feitas, com sucesso ou
sem. Se se assiste a um filme, é tolice criticar antes da última cena. Quando o
quadro estiver completo, então saberei o que criticar e o que não criticar.
Clarín: Finalmente,
o senhor tem alguma informação sobre o paradeiro dos jornalistas James Foley,
norteamericano desaparecido aqui há seis meses, e do italiano Domenico Quirico,
do italiano La Stampa, perdido
há cerca de um mês aproximadamente?
Presidente
Bashar al-Assad: Alguns
jornalistas entraram ilegalmente na Síria, pelas áreas onde os terroristas estão
ativos. Houve casos em que nossos soldados conseguiram libertar alguns
jornalistas que haviam sido sequestrados por terroristas. Seja como for, sempre
que temos informação sobre jornalistas, mesmo que tenham entrado
clandestinamente em território sírio, nós transmitimos a informação ao país
dele. Até o presente, não há qualquer informação sobre os dois jornalistas que o
senhor citou.
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