27/9/2013, [*] Nil Nikandrov, Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Dilma Rousseff na abertura da 68ª Assembleia Geral da ONU |
Pode-se
entender facilmente a razão da indignação do governo brasileiro, quando vieram à
luz as revelações de Edward Snowden, que provaram que os EUA estão envolvidos em
vastos esforços de espionagem eletrônica e de inteligência contra o Brasil.
A
presidenta Dilma
Rousseff e seu
governo não se sentiram obrigados a render-se à descoberta de que, de fato há
muito tempo, segredos militares e da indústria do petróleo nacionais eram
conhecidos pelo principal rival econômico do país na região, ou, dito em termos
mais claros: pelo único opositor da democracia brasileira no Hemisfério
Ocidental.
Thomas Shannon |
Sempre
sorridente, o embaixador Thomas Shannon falava de sentimentos de amizade
fraternal com o povo brasileiro, ao mesmo tempo em que, gradualmente, ia
enredando o Brasil nos esquemas da Pax Americana. Como seus predecessores,
Shannon de fato hipnotizava alguns, com promessas de que Washington apoiaria o
acesso do Brasil à posição de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
Há anos o Brasil insiste em que a ONU deve ser reformada, de modo a reconhecer o
status do Brasil como uma das grandes potências mundiais – e pacíficas.
Shannon
fez o que pôde para difamar os BRICS. Sempre repetiu que a inclusão do Brasil no
grupo dos BRICS cortava a possibilidade de o Brasil vir a ser membro do
“primeiro mundo”. Quando falava a políticos, jornalistas e aos veículos de
propaganda em geral, Shannon jamais deixou de repetir que laços econômicos,
comerciais, políticos e militares com Rússia e China não serviriam jamais a
qualquer objetivo geostratégico que os brasileiros acalentassem.
O embaixador
dos EUA muito se empenhou para promover organizações não governamentais que
operam no Brasil e as atividades da agência USAID, agência que opera como cobertura para agentes especiais de espionagem, sejam agentes ativos, sejam
aspirantes à nomeação para o serviço ativo, que ainda têm de ‘'mostrar serviço'’
na proteção dos interesses do império nos flancos distantes.
Segundo
especialistas brasileiros, há pelo menos 500 agentes operativos dos serviços especiais dos EUA ativos no Brasil, clandestinos e “abertos”. A possibilidade de esses espiões agirem no Brasil
absolutamente sem qualquer limitação até há pouco tempo, permitiu que os
norte-americanos criassem uma rede bifurcada de inteligência humana
(HUMINT) que pode causar grave dano aos interesses brasileiros, como a
Agência de Segurança Nacional dos EUA e sua rede de vigilância eletrônica.
Dia
6/9 passado, Shannon deixou o posto em Brasília, caído em desgraça e sem sequer
cumprir a rotina de “despedidas” de praxe. Como é normal nesses casos, o pessoal
da comunidade de inteligência norte-americana acelerou o trabalho com fontes
locais de informação no Brasil, dado que se sabe que a Agência Brasileira de
Inteligência (ABIN) e outras estruturas locais assemelhadas já se organizam para
fechar os caminhos que, até agora, permaneceram desprotegidos.
A
presidenta Dilma Rousseff tomou medidas para manifestar amplamente seu protesto
ante a pobreza e a insuficiências das explicações que recebeu da Casa Branca
sobre as ações de vigilância norte-americana em território brasileiro. Como
primeira medida, cancelou uma visita oficial já agendada a Washington. Na
sequência, em discurso na sessão de abertura da 68ª Assembleia Geral da ONU,
vergastou duramente os EUA. Em termos bastante duros, Rousseff atacou
diretamente o sistema de vigilância norte-americano. Disse que é “uma afronta” à
soberania do Brasil e totalmente inaceitável. Nas palavras da presidenta do
Brasil:
Revelações
recentes concernentes a atividades de uma rede global de espionagem eletrônica
causaram indignação e repúdio na opinião pública mundial. No Brasil, a situação
foi ainda mais grave, dado que se descobriu que nosso país foi alvo preferencial
dessa intrusão. Dados pessoais de cidadãos foram indiscriminadamente
interceptados. Informação de natureza empresarial – em vários casos de alto
valor econômico e até estratégico – foram alvos centrais da atividade de
espionagem.
Missões diplomáticas brasileiras, dentre as quais a Missão
Permanente na ONU e até o Gabinete da Presidência da República tiveram
comunicações interceptadas. Intromissão desse tipo em assuntos de outros países
é violação da Lei Internacional e é uma afronta aos princípios que devem guiar
as relações internacionais, sobretudo entre nações amigas. Um estado soberano
não se pode estabelecer em detrimento de outro estado soberano. O direito à
segurança dos cidadãos de um país jamais estará preservado pela violação dos
direitos fundamentais dos cidadãos de outro país. Os argumentos de que a
interceptação ilegal de informações e dados visaria a proteger nações contra o
terrorismo não se sustentam.
As TELES querem ALTERAR o Marco Civil da Internet (clique na imagem para ler) |
A
presidenta do Brasil também propôs um marco internacional de governança para a
Internet e disse que o Brasil adotará legislação e tecnologia para proteger-se
contra a interceptação ilegal de comunicações:
Tecnologias
de informação e telecomunicações não podem ser novos campos de batalha entre
estados. O tempo está maduro para criar condições para impedir que o ciberespaço
seja usado como arma de guerra mediante espionagem, sabotagem e ataques contra
sistemas e a infraestrutura de outros países –disse
Rousseff.
Os
brasileiros já estão engajados em conversações com outros países
latino-americanos que também consideram totalmente inaceitáveis os esforços de
vigilância e espionagem dos norte-americanos. As provas de que os EUA espionam
políticos, grandes empresários, diretores de empresas, militares dos altos
escalões e pessoal dos serviços especiais, para recolher informação a ser usada
em chantagens contra os espionados, geraram indignação generalizada também entre
as elites latino-americanas. Por isso, precisamente, Dilma Rousseff anunciou que
serão tomadas as medidas necessárias para introduzir leis que prevejam medidas
punitivas para esses crimes; e que serão adotadas medidas para ampliar o poder
protetor de tecnologias, até que impeçam, com eficácia, qualquer intromissão que
vise à coleta ilegal de informações.
Evo Morales |
Evo
Morales, presidente da Bolívia, usou o pódio da Assembleia Geral da ONU para
apoiar a presidenta do Brasil. Não é de hoje que a Bolívia combate contra os
serviços especiais dos EUA. Desde que Morales foi eleito presidente, a CIA-EUA,
a agência de inteligência militar, a Agência Controladora de Drogas, dentre
outras, tentam minar a posição do presidente boliviano, não economizando
esforços para criar em torno de Evo Morales uma imagem de “barão das drogas” e
de “barão índio dos entorpecentes”.
Na
crítica a Obama, Morales falou muito claramente. Acusou o presidente dos EUA de
cinismo, sempre que fala de liberdade, justiça e paz. Na avaliação de Morales,
Obama fala como se fosse patrão do mundo. Mas ninguém é patrão do mundo, e cada
país é soberano, com pleno direito de defender a própria dignidade. Descreveu
Obama como “criminoso” que viola deliberadamente a lei internacional e
intromete-se nos assuntos internos de outros países.
O presidente boliviano
enfatizou que o Império conclama a lutar contra o terrorismo, mas, de fato, tem
objetivos completamente diferentes – e recorre aos mais variados métodos para
pressionar, perseguir e espionar. A luta contra o terrorismo não passa de
pretexto ao qual os EUA recorrem para tentar estabelecer seu próprio controle
sobre o fluxo do petróleo e promover seus específicos interesses geopolíticos.
O
presidente Morales denunciou que os EUA garantem fundos para movimentos rebeldes
e de oposição, em outros países. E lembrou que, depois que o embaixador dos EUA
e a agência USAID foram expulsos de seu país, a Bolívia tornou-se muito mais
estável, em termos políticos.
Especialistas
preveem que se ouvirão discursos semelhantes, de outros presidentes
latino-americanos, ao longo dos trabalhos da Assembleia Geral. Os serviços
especiais dos EUA deixaram rastros de sangue por todo o continente, do México ao
Chile – no Equador, Nicarágua, Cuba, Venezuela, Argentina… O Brasil não estará
só, no confronto contra esse opositor vicioso e inescrupuloso.
[*] Nil
Nikandrov é um jornalista
sediado em Moscou cobrindo a política da América Latina e suas relações
com os EUA; crítico ferrenho das administrações neoliberais sobre as
economias nacionais latino-americanas.
Especializou-se em desmascar os esforços feitos pela CIA e outros serviços de
inteligência ocidentais para minar governos progressistas na América Latina.
Autor de vários livros - tanto de ficção e estudos documentais - dedicados a
temas latino-americanos, incluindo a primeira biografia em língua russa de Hugo
Chávez.
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