5/9/2013, [*] Ellen
Brown, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Os membros da OMC
foram induzidos a assinar o novo acordo; foram ameaçados de ver fechado seu
acesso aos mercados globais, se recusassem. Todos assinaram, exceto o Brasil. O
Brasil foi então ameaçado com um embargo. Mas a resistência valeu a pena: só o
Brasil, de todas as nações ocidentais, sobreviveu e cresceu durante a crise
2007-2009. [1]
Greg Palast |
Em
artigo de agosto de 2013, intitulado “Larry Summers e o Memorando Secreto Chute-direto-ao-gol [2]” [orig. “Larry Summers and the Secret End-game Memo” [3]], Greg Palast apresentou
provas de um plano secreto, do final dos anos 1990s, construído por funcionários
de Wall Street e do Tesouro dos EUA,
para abrir as atividades bancárias ao lucrativo negócio dos derivativos.
Para
obter esse resultado, era indispensável afrouxar as regulações dos serviços
bancários, não só nos EUA, mas globalmente. O veículo a ser usado era o Acordo
de Serviços Financeiros [orig. Financial Services Agreement] da
Organização Mundial do Comércio.
O
“chute-direto-ao-gol” exigia não só coagir os membros da OMC para que apoiassem,
mas também assumir o controle nos países que se recusassem a fazê-lo. Alguns
países permaneceram como fortalezas contra os avanços da OMC, entre os quais
Iraque, Líbia, Irã e Síria.
Nesses países islâmicos, os bancos
são predominantemente estatais; e a “usura” – auferir lucro do “uso” do dinheiro
– é vista como pecado, quando não como crime. [4] Cria-se assim oposição forte ao
modelo ocidental, no qual intermediários privados podem auferir lucro do próprio
dinheiro.
Bancos
públicos também são ameaça à expansão do negócio de derivativos, porque governos
que possam operar seus próprios bancos não precisam manipular taxas de juros nem
ficam subordinados a agências privadas que construam tabelas de qualidade do
crédito para empurrar as próprias operações.
Banksters |
A
desregulação dos serviços bancários avançou conforme o plano, e o negócio dos
derivativos sancionados e alimentados pelos governos converteu-se num esquema de
pirâmide de mais de $700 trilhões. Altamente alavancado, completamente
desregulado e perigosamente insustentável, desmoronou em 2008, quando o banco de
investimentos Lehman Brothers faliu,
arrastando com ele um grande segmento da economia global. Só escaparam os países
que contavam com bancos públicos, externos à rede bancária privada
internacional.
Nem todos esses países são países
islâmicos. 40% dos bancos em todo o mundo são bancos
públicos. A maioria dos bancos públicos
concentra-se nos países BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China – quatro países
onde vive 40% da população do planeta. Safaram-se da catástrofe global na crise
de crédito de 2008, mas todos fizeram, pelo menos, algum “arremedo”, ou deram
algum sinal de que se adaptariam às regras bancárias do ocidente.
Mas
não as nações islâmicas “bandidas” [rogue states], onde a usura
permaneceu proibida pela lei islâmica. Para “libertar” o mundo para a usura,
para criar “usura segura”, esses estados islâmicos tiveram de ser silenciados
por outros meios.
E
afinal, dado que não sucumbiram à coerção econômica, todos entraram na alça de
mira dos poderosos exércitos norte-americanos.
Aqui,
alguns dados que apoiam essa tese.
O
Memorando “Chute-direto-ao-gol”
Em
seu artigo de 22/8, Greg Palast postou a fotografia de um memorando de 1997, de
Timothy Geithner, então vice-secretário de Negócios Internacionais do secretário
Robert Rubin, endereçado a Larry Summers, então vice-secretário do Tesouro dos
EUA. No texto, Geithner referia-se ao “chute-direto-ao-gol nas negociações de
serviços financeiros na OMC” e exigia que Summers entrasse em contato
imediatamente com os presidentes dos bancos Goldman Sachs, Merrill Lynch, Bank of America, Citibank, e Chase Manhattan Bank, cujos telefones
privados Geithner informava a Summers.
Banksters |
O
jogo que estava sendo jogado era a desregulação dos bancos como meio para que
pudessem continuar a jogatina no lucrativo novo campo dos derivativos. Para
chegar lá, era preciso, para começar, pôr fim à Lei Glass-Steagall, de 1933, que
impunha uma porta corta-fogo entre os bancos de investimento e os bancos de
depósitos, e visava a proteger os fundos dos depositantes contra a especulação
bancária. Mas o plano exigia mais do que apenas a desregulação dos bancos
norte-americanos. Era preciso eliminar os controles regulatórios sobre os bancos
também no plano global, de modo a impedir que o dinheiro voasse para países com
legislação bancária mais protegida contra a especulação. O “chute-direto-ao-gol”
seria conseguir essa desregulação global mediante um obscuro adendo aos acordos
de comércio internacional policiados pela OMC, o Acordo de Serviços Financeiros
[ing. FSA]. Palast escreveu:
Antes
de os banqueiros começarem a jogatina, os acordos da OMC só tratavam do comércio
de produtos – meu carro, pelas suas bananas. As novas regras que estavam sendo
implantadas por Summers e os bancos forçariam todas as nações a aceitar o
comércio de ativos “ruins”, tóxicos, como os derivativos
financeiros.
Antes
de os banqueiros reescreverem os acordos FSA, cada nação controlava e
enquadrava os bancos dentro das próprias fronteiras nacionais. As novas regras
do jogo forçariam todas as nações a abrir seus mercados ao Citibank, JP Morgan e aos seus “produtos”
derivativos.
E
todas as 156 nações reunidas na OMC teriam de pôr abaixo suas portas corta-fogo,
da Lei Glass-Steagall, que dividiam bancos comerciais de depósitos e os bancos
de investimentos que jogam com derivativos.
O
serviço de converter os acordos FSA em aríete a serviço dos banqueiros
foi dado a Geithner, que foi nomeado Embaixador dos EUA na OMC.
Banksters |
Os membros da OMC foram induzidos
a assinar o novo acordo; foram ameaçados de ver fechado seu acesso aos mercados
globais, se recusassem. Todos assinaram, exceto o Brasil. O Brasil foi então
ameaçado com um embargo. Mas a resistência valeu a pena: só o Brasil, de todas
as nações ocidentais, sobreviveu e cresceu durante a crise 2007-2009.
[4] Quanto às
demais:
Os
novos acordos FSA abriram a
caixa de Pandora do comércio mundial de derivativos. Dentre outras transações,
foram legalizadas as seguintes: o banco Goldman Sachs (do qual o Secretário do
Tesouro fora co-presidente) acertou uma troca secreta de euro-derivativos com a
Grécia, que destruiu o país. O Equador, que desregulou e demoliu o próprio
sistema bancário, explodiu em tumultos. A Argentina teve de vender suas empresas
de petróleo (aos espanhóis) e o sistema de água (à Enron) enquanto professores
argentinos tinham de recolher comida nas latas de lixo. Os banqueiros europeus
que mergulharam de cabeça nas piscinas de derivativos, mas sem saber nadar, logo
se afogaram e, agora, o continente está sendo fatiado e vendido, em pedaços
pequenos, baratos, à Alemanha.
As
fortalezas “contra”
Aquele foi o destino dos países na
OMC, mas Palast não discutiu o destino dos países que não participavam da OMC,
entre os quais Iraque, Síria, Líbano, Líbia, Somália, Sudão e Iraque. Esses sete
países foram chamados pelo general (aposentado) Wesley Clark dos EUA, em
entrevista em 2007 a Democracy Now, [vídeo a seguir, em inglês]
de os novos “estados
bandidos” que os EUA definiu como alvos, depois do 11/9/2001. O general disse
que dez dias depois do 11/9, ouviu de um general que a decisão estava tomada,
para guerra contra o Iraque. Em seguida, o mesmo general disse que o plano era
ocupar os sete países em cinco anos: Iraque, Síria, Líbano, Líbia, Somália,
Sudão e Irã.
O que esses países têm em comum?
Além de serem países de religião islâmica, não são membros, nem da OMC, nem
participam do Banco
Internacional de Compensações [ing. BIS].Assim, não são alcançados pelo
longo braço regulatório do banco dos bancos centrais, na Suíça. Outros países
adiante também incluídos como “estados bandidos” e que não são membros do
BIS são Coreia do Norte, Cuba e Afeganistão.
O
corpo que hoje regula os bancos e chamado de Financial Stability Board
(FSB) [aprox. Comitê de Estabilidade Financeira], e funciona no Banco de
Compensações Internacional (BIS) na Suíça. Em 2009, os chefes de estado
dos países do G20 acordaram que aceitavam as regras do FSB,
ostensivamente para impedir uma segunda crise global dos bancos. Suas regulações
não são apenas consultivas, são cogentes [têm de ser seguidas] e elas podem
promover ou quebrar, não só bancos, mas nações inteiras. Foi o que ficou
demonstrado em 1989, quando o Acordo Basel I aumentou a exigência de capital em
meros 2%, de 6% para 8%. O
resultado foi que a mudança forçou redução drástica nos
empréstimos feitos pelos maiores bancos japoneses, que eram então os maiores e
mais poderosos distribuidores de crédito do mundo. Mas ficaram descapitalizados,
em relação a outros bancos. A economia japonesa afundou com os seus bancos e
ainda não se recuperou completamente.
Dentre outras regras para inverter
o jogo impostas pelo FSB estão os acordos de Basel III e novas regras de
bail-in. [5] Pelo acordo Basel III,
impuseram-se exigências de capital a bancos comunitários, cooperativos e
públicos, que impediram que continuassem a operar e facilitaram a venda a
grandes bancos multinacionais.
Banksters |
As
regras da operação de bail-in foram testadas pela primeira vez em Chipre
e seguiram a regulação imposta pelo FSB em 2011. Bancos “grandes demais
para falir” devem redigir “testamentos” nos quais exponham o modo
como evitarão a insolvência, no caso de não serem resgatados por dinheiro
público. A solução criada pelo FSB é jamais oferecer o recurso de
bail-in a depositantes de bancos comunitários, cooperativos e públicos –
o que converte os depósitos de seus depositantes em estoque do próprio banco; na
prática, o banco confisca os depósitos.
A
alternativa dos bancos públicos
Países
submetidos a um sistema bancário “de extração” estão sendo forçados a fazer
“ajustes estruturais” e curvar-se à “austeridade” sob o peso de dívidas
impagáveis. Mas alguns países conseguiram escapar. No Oriente Médio, são os
países que estão sendo atacados pelo exército dos EUA e aliados e parceiros,
reunidos sob a designação de “países bandidos”. Os bancos estatais nesses países
podem usar o crédito do estado a favor do estado, alavancando fundos públicos
para uso público, sem pagar o alto custo da intermediação bancária privada.
Abundância de recursos públicos permite oferecer serviços públicos necessários à
vida do povo naqueles países.
Como a Líbia e o Iraque já foram
envolvidos na guerra, a Síria também oferece educação gratuita em todos os
níveis, da escola primária à universidade e assistência pública
gratuita universal. Também subsidia a moradia (embora esse programa tenha sido
comprometido em 2006, quando o país adotou um programa de ajuste estrutural do
FMI e, hoje, pela presença de cerca de 2 milhões de refugiados iraquianos e
palestinos). O Irã também oferece universidade subsidiada, quase
gratuita e assistência básica à saúde.
Como
a Líbia e o Iraque antes da invasão e ocupação, Síria e Irã também têm bancos centrais estatais que emitem a moeda
nacional e são controlados pelo estado. Se esses países conseguirão ou não
manter a soberania financeira, frente à enorme pressão de que são alvo hoje,
pressão econômica, política e militar, só o futuro dirá.
Quanto
a Larry Summers, depois de deslizar pela porta giratória entre o governo dos EUA
e o mundo privado e tornar-se presidente do Citigroup, foi o maior doador de
campanha do então senador Barack Obama. Teve papel crucial na desregulação
bancária que levou à crise atual, e levou milhões de cidadãos norte-americanos a
perder o emprego e a casa.
Apesar
disso, Summers é hoje o nome preferido do hoje presidente Obama para substituir
Ben Bernanke na presidência do Federal Reserve. Por quê? Porque é homem que tem
comprovada capacidade para manipular o sistema e tornar o mundo mais seguro para
Wall Street. E, no mundo às avessas
no qual os banqueiros reinam, esse parece ser o nome do
jogo.
_________________
[*]
Ellen Brown é
advogada, presidente do
Public Banking Institute e
autora de doze livros, incluindo o best-seller
Web of
Debt.
Em
The Public
Bank Solution,
seu
mais recente livro, ela explora modelos bancários públicos bem-sucedidos,
historicamente e no mundo.
Seus
sites
são:
Notas dos tradutores
[1]
Dia 1/1/2007, o presidente Lula assumiu a presidência, para seu segundo mandato. Disse que “Não faltaram
os que, do alto de seus preconceitos elitistas, tentaram desqualificar a opção
popular como fruto da sedução que poderia exercer sobre ela o que chamavam de
“distribuição de migalhas”. Os que assim pensam não conhecem e não entendem este
país. Agora se trata de crescer com pressa, ousadia, coragem e criatividade”.
Grande Lula! Grande Dilma! Viva o Brasil!
[2]
A
expressão aplica-se a uma jogada para “resolver” o jogo. No xadrez diz-se
“fechamento”; no futebol se diria “decidir o jogo”. Geithner, em seu memorando,
pensava em beisebol. A solução aqui oferecida para a tradução, “pensa” em
futebol. Pode ser melhorada. Todas as correções e sugestões são bem
vindas.
[3]
Para
ter ideia aproximada do que são as “finanças islâmicas” há alguma coisa
razoavelmente aproveitável, em português, em: “A brasileira das finanças islâmicas”.
Presidente Lula |
[4]
Dia 1/1/2007, o presidente Lula assumiu a presidência, para seu segundo mandato. Disse que:
Não
faltaram os que, do alto de seus preconceitos elitistas, tentaram desqualificar
a opção popular como fruto da sedução que poderia exercer sobre ela o que
chamavam de “distribuição de migalhas”. Os que assim pensam não conhecem e não
entendem este país. Agora se trata de crescer com pressa, ousadia, coragem e
criatividade.
Grande
Lula! Grande Dilma! Viva o Brasil!
[5]
Acontece operação de bail-in quando, antes
de uma falência, os reguladores têm o poder de impor a perda a alguns acionistas
e preservar outros de igual estatura – como os detentores de derivativos.
Permitindo, em teoria, resolver rapidamente os problemas de instituições
doentes, a operação de bail-in removeria a incerteza e ajudaria a dar
estabilidade ao sistema financeiro. As operações de bail-in têm enervado
os acionistas, porque não são falências tradicionais, para as quais há regras
estritas e o processo é supervisionado, com os credores organizados numa
sequência, para serem reembolsados e todos têm de ser tratados em condições de
igualdade. (Financial Times, Lexicon)
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