3/9/2013,
[*] Bruce Ackerman, Foreign Policy
Traduzido pelo pessoal da Vila
Vudu
Dois mentirosos em ação: Barack Obama e James Clapper |
A
virada do presidente Barack Obama na questão da Síria chega como surpresa, dados
seus recentes shows de desdém pelo Congresso. Há apenas poucos meses, as
revelações de Edward Snowden forçaram o Diretor da Agência Nacional de
Inteligência a admitir que mentira à Comissão de Inteligência do Senado – crime
punível com cinco anos de prisão. Mas nem a confissão do crime fez com que o
presidente substituísse Clapper por alguma cara nova que pudesse somar-se ao
Congresso em alguma operação de limpeza, depois do escândalo da Agência de
Segurança Nacional.
Abdel Fattah al-Sisi |
O
show seguinte de unilateralismo de
Obama aconteceu em resposta ao golpe militar no Egito. A Lei de Assistência a
País Estrangeiro impede qualquer ajuda a país cujo “chefe de governo devidamente
eleito seja deposto por golpe militar”. Mas mesmo depois de os militares
egípcios terem moído manifestantes nas ruas, a Casa
Branca ainda insistia que “não é do alto interesse dos EUA”
determinar “se houve golpe ou não”. Apesar de protestos do Capitólio, não se viu
sinal algum de que o presidente obedeceria à lei.
Quando
o drama mudou-se para a Síria, a política de Obama variou no rumo oposto. Dessa
vez, os EUA não pagariam o general Abdel Fattah el-Sisi para matar
manifestantes, mas passariam a bombardear Bashar al-Assad por matar civis com
armas químicas – o que não está provado que tenha acontecido. O Secretário de
Estado, John Kerry, lidera a carga e o mundo prende a respiração na angústia de
esperar os primeiros ataques, depois que, surpreendentemente, Obama buscou o
Congresso.
David Cameron |
Num
momento de terrível ironia histórica, a derrota do Primeiro-Ministro David
Cameron na Casa dos Comuns, foi a causa que precipitou o desesperado movimento
do presidente. Durante quase mil anos, a Constituição britânica excluiu o
Parlamento de declarar guerra – o
rei exigia para si esse poder, como “prerrogativa real”. Mas na
guerra de George III contra seus colonos rebeldes, passou a ser imperativo para
os Pais Fundadores nos EUA determinar que seu novo presidente tivesse papel
diferente – e esse novo papel implicava que o Congresso tomaria, nos EUA, as
decisões cruciais sobre guerra e paz. E então, dois séculos depois, o velho
Parlamento Britânico reaparece para aplicar uma lição ao presidente imperial do
outro lado do mundo.
Foi
só em 2003, que Tony Blair decidiu que sua aventura com George W. Bush exigia
algo mais que um decreto real. Para reforçar sua legitimidade democrática, Blair
requereu aprovação formal do Parlamento – que obteria, porque seu partido tinha
firme maioria na Casa. Mas em 2013, Cameron já não passava de cabecilha de uma
vacilante
coalizão Tory-Liberal, e
não conseguiu os votos de que precisava.
Assim,
o presidente Obama, decidido a atacar militarmente a Síria, viu-se na lamentável
posição de ter conseguido ainda menos que Bush.
Tony Blair e George W. Bush,, outros mentirosos contumazes |
Por
mais terríveis que tenham sido os erros da Guerra do Iraque considerada a lei
internacional, Bush e Blair conseguiram, sim, montar uma formidável “coalizão de
vontades”. Por mais mentiras que Bush tenha mentido à opinião pública sobre as
armas de destruição em massa de Saddam Hussein, ele, pelo menos, obteve a
aprovação no Congresso.
Mas,
no minuto em que os britânicos pularam fora, ficou claro que a coalizão
internacional de Obama seria muito menos substancial que a outra, que apoiara
Bush. E, se Obama não buscasse a aprovação do Congresso, se condenaria a ser
atacado pela direita e pela esquerda, se sua intervenção unilateral lhe saísse
pela culatra.
Obama
mostrou potente instinto de autopreservação, nessa virada de último momento. Mas
o ato terá consequências muito maiores do que as que Obama pretendia obter. É
possível que tivesse ganho alguma coisa, vitória rápida e rasa, se tivesse
proposto resolução ao Congresso que limitasse estritamente seu uso de força a um
ataque cirúrgico, como dizia pretender fazer.
Mas a proposta formal que Obama enviou ao
Congresso, [1] é perfeita e acabada, uma operação
para tentar enganar todos, todo o tempo. Por aquela proposta, o presidente
ficaria autorizado a “usar as Forças Armadas dos EUA”, inclusive soldados para
combate em solo, e a usar força militar “dentro, para e a partir da Síria”.
Ainda
mais: o presidente poderia agir para deter “o uso ou proliferação” de “armas
químicas e de outras armas de destruição em massa” e intervir para “proteger os
EUA e seus aliados e parceiros contra a ameaça dessas armas”.
Seria
nada menos que aprovação “preventiva”, pelo Congresso dos EUA para intervenção
militar em todo o Oriente Médio e em qualquer lugar do mundo.
John McCain e Lindsay Graham |
Essa
espantosa iniciativa de Obama, de tão espantosa, teria de levar, como levou, ao
exame detalhado de suas premissas – atitude de que os EUA precisam hoje quase
desesperadamente, num momento em que o governo vacila, da mais crua
realpolitik no Egito, para o mais hipócrita moralismo na Síria. Além do
mais, não há chance de que a maioria do Congresso una-se a John McCain e Lindsey
Graham para endossar a quase inacreditável “carta branca” que Obama pediu.
Gerald Connoly |
De fato, os deputados Chris Van
Hollen (D-MD) e Gerald Connolly (D-VA) já prepararam e distribuíram outro texto
de projeto de lei a ser votado [2] que só autorizará a missão limitada – a
única da qual Obama falou publicamente em todas as suas falas para a opinião
pública nos EUA.
O
mais importante da nova proposta, é que o Congresso insiste em limite de tempo
estrito para todos os usos de força – como foi feito na autorização ao
presidente Ronald Reagan para que invadisse o Líbano em 1983. Mas, considerada a
enorme diferença que separa essa limitação e a autorização absolutamente
ilimitada que Obama pediu, deve-se esperar que alguma barganha de último minuto
gere algum tipo de “solução intermediária” que satisfaça a maioria nas duas
Casas.
Seja
como for, o debate que virá estará marcando o fim da era do 11/9. Os próximos
presidentes já chegarão bem avisados de que o povo americano já não apoia
intervenções militares de vasto alcance no mundo islâmico.
Chris Van Hollen |
E
mais uma boa coisa. Embora haja quem se preocupe com alguma perda de estatura de
Obama de curto prazo, a grande preocupação de todos deve começar a ser a perda
de credibilidade dos EUA de longo prazo – tanto moralmente, como resultado da
conduta brutal dos EUA na guerra ao terror, quanto estrategicamente, pelas
fracassadas intervenções militares no Iraque - e pela ainda mais viciosa e
pervertida luta por poder no Oriente Médio. Muito mais do que reduzir os efeitos
daninhos dessas políticas fracassadas, o debate que se aproxima no Congresso
deve abrir as portas para reavaliação total dos fundamentos dessas políticas.
[Aviso
da Vila Vudu - Mas... Atenção, América Latina: Obama, o enganador, pode estar
jogando muito alto, pensando em ganhar noutras frentes! OJO!
ALERTA!]
John Kerry |
Paradoxalmente,
tudo isso pode libertar Obama para que se engaje em iniciativas diplomáticas
mais construtivas. A defesa de um Acordo de Livre Comércio com a Europa tem
probabilidade muito mais alta de gerar resultados duradouros, que o frenesi do
secretário Kerry, que tenta alucinadamente inventar um acordo entre israelenses
e palestinos.
A
virada de Obama para a Ásia pode ser complementada por uma virada para a América
Latina cujos problemas fundamentais são sistematicamente ignorados por uma Casa
Branca continuamente atropelada pela mais recente crise no Oriente Médio.
[Aviso
da Vila Vudu - Atenção, Rússia! Atenção, China! Atenção, América
Latina!]
Mas
tudo isso é para o futuro. O ponto crucial é perceber que algo especial está
acontecendo. Uma disputa contra um déspota de liga de futebol de segunda-divisão
está provocando uma grande virada na política dos EUA para o mundo. É momento em
que o Congresso tem de encarar suas responsabilidades com a máxima seriedade.
[*]
Bruce
Ackerman
é professor de Direito e Ciências Políticas em Yale e autor de The Decline
and Fall of the American Republic.
Notas
dos tradutores
[1]
Texto
em inglês, da proposta que Obama encaminhou ao Congresso dos EUA. Aquela
proposta, se aprovada, lhe daria poder ilimitado, para fazer o que bem
entendesse .
[2]
3/9/2013, New
York Times, “Senate Resolution on Syria”, RESOLUÇÃO CONJUNTA A SER
VOTADA
(traduzida)
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