13/9/2013, [*] M K
Bhadrakumar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Putin ,o verdadeiro Prêmio Nobel da Paz, segundo a Fox News do Murdoch |
Quando
Kathleen Troia
McFarland, conhecida analista de segurança nacional da rede Fox News, que trabalhou na segurança
nacional dos governos Nixon, Ford e Reagan e foi assessora de Henry Kissinger na
Casa Branca, escreveu que “quem merece o Prêmio Nobel é Vladimir Putin”, sem
dúvida tinha em mente a crise síria.
Kathleen T. McFarland |
Na
3ª-feira (10/9/2013), McFarland
escreveu que:
Numa
das mais competentes manobras diplomáticas de todos os tempos, o presidente
Putin, da Rússia, salvou o mundo de desastre já quase inevitável.
Na
sequência, narrou a via pela qual a famosa gafe do secretário de Estado John
Kerry em Londres ganhou asas, e
(...) a frase leviana foi colhida em pleno voo
por Putin, convertida em Proposta Kerry e, depois, em “plano de paz de Obama”.
Se
se acompanha seu raciocínio, é fácil ver como, ao longo dessa tumultuada semana,
o processo evoluiu de tal modo que, sim, Putin sem dúvida poderia reclamar um
Nobel para si.
E
interessa observar também um dos destaques da cúpula anual da Organização de
Cooperação de Xangai, reunida em Bishkek, Quirguistão, evento que acontecerá à
margem do grande encontro, na 6ª-feira: o encontro “bilateral” já agendado entre
Putin e o presidente do Irã, o recém-eleito Hassan Rouhani. A reunião
Putin-Rouhani em Bishkek é reunião agendada e longamente preparada. Os dois são
homens de vasta experiência na diplomacia internacional.
Depois,
quando voar de volta para sua estação de trabalho na propriedade de
Novo-Ogaryovo, depois de ter sugado os miolos de Rouhani, Putin, na privacidade
dos próprios pensamentos, começará a coreografar mais um plano de paz: o Irã.
Hassn Rouhani e Vladimir Putin em 13/9/2013 |
Será
a primeira vez que Putin reúne-se com o recém-eleito novo presidente do Irã. A
presidência de Rouhani atraiu o interesse mundial, por pressagiar um novo
engajamento significativo entre o Irã e os EUA, o que Rouhani tem sinalizado de
vários modos, com manifestações de um renovado interesse de Teerã por negociar
com o Ocidente – mediante pronunciamentos, indicações para compor seu gabinete
ou esperta “linguagem corporal” diplomática. Rouhani prometeu que sua prioridade
seria fazer reviver a economia iraniana; para isso, precisa de ambiente
internacional mais favorável.
A
parte boa é que o governo de Barack Obama percebe as limitações do poderio
militar dos EUA, que não intimida e só com grande dificuldade, talvez,
conseguiria derrotar o Irã. Mesmo assim, como no caso da Síria, Obama ainda
vacila e é incapaz de jogar-se num salto de fé. Aí está cópia perfeita do dilema
que ele enfrentou no caso da Síria.
O
povo dos EUA, que está fartíssimo de guerras; a pressão dos aliados regionais
sempre beligerantes e de seus lobbies nos EUA; um ambiente regional
perigoso; um adversário já comprovadamente capaz de retaliar contra alguma
agressão; a opinião pública mundial empenhadamente favorável ao diálogo – aí
estão todos os ingredientes, claramente postos.
Putin
pode ter intuído que é mais que hora de alguém ajudar Obama a decidir-se – ou,
mesmo, a seguir objetivamente as suas próprias inclinações naturais.
Como
no caso do plano russo para as armas químicas da Síria, já há um projeto russo,
que tem dois, quase três anos de existência, à espera, e que bem pode servir de
ponto de partida – o Irã abordando de forma mais amigável as preocupações da
“comunidade internacional”; e os EUA desmontando, passo a passo, o regime de
sanções e permitindo a plena integração do Irã como potência regional.
Os
EUA e o Irã estão cuidadosamente testando as intenções um do outro, e qualquer
observador esperto dessas três décadas de impasse já percebe que o idioma
diplomático está mudando. Os EUA já não se opuseram à inclusão do Irã nas
conversações Genebra-2 sobre a Síria.
Mohammad Javad Zarif |
Também
Teerã já tem posição muito nuançada sobre a questão das armas químicas da Síria.
Teerã mantém uma linha muito elaborada, segundo a qual, infelizmente, os astutos
xeiques do Golfo apanharam Obama numa armadilha. Em extraordinária
entrevista à Press TV de Teerã na 4ª-feira, o talentoso ministro
das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif,
disse:
Acho que alguns grupos e pessoas
dentro dos EUA, e alguns interesses fora dos EUA, quiseram empurrar o presidente
dos EUA – o qual, me parece, já relutava antes – para uma armadilha. E a
armadilha, afinal, ele mesmo se criou, infelizmente. A armadilha seria
envolvê-lo numa guerra. O pretexto foi o uso de armas químicas, uma questão
hipotética, porque ainda não há provas de que o governo sírio tenha usado as tais armas.
O
Irã não tardou a manifestar firme apoio ao plano russo sobre as armas químicas
da Síria.
Tudo
isso posto, o encontro de hoje em Bishkek entre os presidentes da Rússia e do
Irã também tem um enquadramento regional. O governo Obama terá de engajar o
regime sírio, porque o plano russo já está em andamento e avança para o estágio
de plena implementação.
A
execução do plano russo obrigará a uma longa e complexa carpintaria. E obriga,
definitivamente, a fazer avançar o processo de Genebra-2.
Washington
precisou de quatro anos para retirar de território alemão os arsenais de 100 mil
armas químicas norte-americanas da guerra fria. Quando a operação começou, em
1986, previa-se um prazo de seis anos para o deslocamento daquele vastíssimo
arsenal químico.
Implica
dizer que será absoluta e criticamente necessário que as estruturas do estado
sírio estejam operantes e disponíveis, para implementar o plano russo. Dito de
outro modo, a agenda da “mudança de regime” está cancelada; e seja qual for a
transição democrática possível nas atuais condições de guerra civil ela incluirá
necessariamente o regime de Bashar al-Assad.
Teerã,
é claro, assiste atentamente a tudo isso. A posição firme dos russos sobre a
Síria ao longo de toda a crise, desde que os EUA começaram a reunir uma armada
no Mediterrâneo leste, certamente impressionou o Irã, para quem qualquer projeto
de “mudança de regime” em Damasco sempre teve ecos existenciais.
E
é aí que o Irã verá como absolutamente imperativo o renascimento de sua parceria
estratégica com a Rússia. Do ponto de vista do Irã, a conexão russa é que será
fator “multiplicador de força” quando o país começa a negociar com o grupo
“P5+1” (EUA, Grã-Bretanha, França, Rússia e
China “mais” a Alemanha) e diretamente com os EUA.
Rouhani
rapidamente levará em conta que, com sua credibilidade como negociador já
crescendo aos olhos ocidentais, a sua capacidade para negociar também muito se
beneficia com o fortalecimento das relações Irã-Rússia nesse momento.
Mas
tango exige dois. Se se olha o passado, a visita de Putin ao Irã, em
2007, a
primeira de um governante do Kremlin desde a visita de Joseph Stalin em 1943,
fez subir as esperanças de uma retomada histórica nas relações bilaterais e de
um novo gabarito na geopolítica do vasto espaço em que os dois países se
sobrepõem na e em torno da Heartland – Ásia Central e o Cáspio, o Cáucaso
e o Oriente Médio.
Naquela
ocasião, aquelas esperanças levaram a nada. Putin deixou o Kremlin em 2008.
Durante o governo de Dmitry Medvedev, depois que apareceu o “reset” de Obama
para Rússia e EUA e a questão iraniana passou a ser pauta diária entre as duas
potências, o cálculo para as relações russo-iranianas mudou.
Foi
quando os grupos pró-ocidente da elite russa ganharam ascendência no Kremlin. Em
pouco tempo já havia a disputa sobre se a Rússia cumpriria ou não o contrato
para fornecimento de mísseis S-300 ao Irã. A Rússia dizia que agiu conforme as
sanções dos EUA a obrigavam a agir, mas Teerã viu ali a “mão oculta” dos EUA e
de Israel. Enquanto isso, crescia a cada dia mais complexa “questão nuclear”
iraniana, que impôs limites ao engajamento do Irã, dadas as ramificações
internacionais.
É
muito possível e razoável supor que, diferente de Medvedev, talvez Putin já
esteja agudamente consciente de que o Irã é o que os geoestrategistas
norte-americanos chamariam de “estado pivô” – com potencial para virar o jogo,
de um lado do campo para outro.
Mahmud Ahmadinejad |
É
difícil supor que não tivesse passado pela cabeça de Putin que o ex-presidente
Mahmud Ahmedinejad já era “pato manco” quando os dois se encontraram no Kremlin
em julho, durante a reunião de cúpula do Cáspio. Putin mergulhou entusiasmado em
discussões substantivas sobre modos de reviver e fortalecer a aliança
russo-iraniana, incluindo a construção, pelos russos, de uma segunda usina
nuclear no Irã.
Assim
também Teerã, com certeza, anotou a imensa diferença entre os modos como os
russos abordaram a agenda de mudança de regime na Líbia (março 2011) e na Síria
hoje.
Paradoxalmente,
a presidência de Rouhani traz o Irã para muito mais perto da Rússia,
precisamente por causa da abordagem “desideologizada” dos dois lados. De fato, a
Rússia não vê o mundo por algum prisma “Leste-Oeste”. Nem está seduzida pelas
ideias da “resistência” e de “justiça” que inflamavam Ahmedinejad, e que
Rouhani, gradualmente, vai afastando do discurso iraniano.
É
inconcebível que, como a Rússia de Putin, que escrupulosamente evita os excessos
soviéticos, o Irã de Rouhani venha algum dia a pôr de lado os interesses
nacionais como consideração central de política externa, por mais que se
envolvam em questões de segurança regional.
Mas
Rouhani tende às políticas neoliberais e da globalização, tanto quanto a Rússia;
e os dois lados veem a inovação da economia como objetivo central de suas
políticas nacionais. A primeira prioridade de Putin sempre foi trabalhar na
direção de parceria equilibrada com o Ocidente, e nunca se cansa de buscar
janelas de oportunidade. A abordagem de Rouhani, que pisará em solo
norte-americano em poucos dias para participar da Assembleia Geral da ONU em New York, é praticamente a mesma.
Em
resumo, ambos, Irã e Rússia, estão pensando de modo tal que pode dar vida nova a
essa parceria estratégica. A única saída que resta a Obama para evitar o Nobel
de Putin é impedir preventivamente que o Kremlin lance um novo, inderrotável,
plano de paz.
[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Irã,
Afeganistão e Paquistão e escreve
sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais The
Hindu, Asia Times Online e
Indian Punchline. É o filho mais
velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e
militante de Kerala.Em português
seus artigos, traduzidos pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu, podem ser
encontrados no blog redecastorphoto.
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