26/9/2013, [*] Pepe
Escobar, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
O Presidente do Irâ, Hassan Rouhani, discursando na ONU em 25/9/2013 |
Rouhani
veio. Rouhani ouviu. Rouhani surfou a onda.
Ouvi
cuidadosamente a fala do presidente Obama ante a Assembleia Geral da ONU (...).
Espero que eles consigam impedir-se de seguir os interesses de visão curta dos
grupos que pressionam a favor de mais guerras e que consigamos chegar a um
quadro que nos permita administrar nossas diferenças.
Na
sequência, delineou a posição que sempre foi a posição iraniana:
Podem
acontecer conversações; todos em pés de igualdade e respeito mútuo devem
comandar as conversações.
Depois
falou sobre expectativas (de fato, de todo o mundo):
É
claro, esperamos ouvir alguma voz consistente, vinda de Washington. Nos anos
recentes, a voz dominante foi sempre pela opção militar.
Mas,
então, ele teve outra ideia. E preparou o terreno para o golpe de mestre: É
tempo de WAVE [onda], quer dizer, World Against Violence and
Extremism [o Mundo Contra a Violência e o Extremismo]. Não em farsi [nem em
português, que se perde na tradução]. Em inglês.
Proponho,
como ponto de partida
(...). Convido todos os estados a
empreender um novo esforço que guie o mundo nessa direção (...). Devemos começar a pensar numa coalizão pela
paz em todo o mundo, em vez das sempre inefetivas coalizões para guerra.
Assim,
o presidente da República Islâmica do Irã, Hassan Rouhani, acaba de convidar
todo o planeta a unir-se nessa onda, WAVE. E por que nenhum líder da
“coalizão das vontades” nunca pensou nisso?
Mohamed Mossadegh |
Isso,
sim, é entrar para arrebentar, no palco do mundo. O discurso de Rouhani
merece leitura cuidadosa, atenta. Rouhani foi contido, moderado e composto – mas
firme o bastante para desmontar a “propaganda de uma imaginária ameaça
iraniana”; para marcar bem os efeitos horrendos das sanções, e para ainda
manifestar esperança de que seja possível derrubar o Muro de Desconfiança que há
34 anos separa Washington e Teerã.
Obama,
diga-se a favor dele, fez o que pôde para não ser completamente ofuscado.
Demorou mais de 60 anos para que um presidente dos EUA afinal admitisse que
Washington participou do golpe que derrubou o governo democraticamente eleito de
Mossadegh em 1953 (embora a formulação construída pelo redator do discurso tenha
sido extremamente sinuosa).
Obama
também reconheceu oficialmente a fatwa pela qual o Supremo Líder, Aiatolá
Khamenei, condenou absoluta e completamente todas as armas atômicas (imaginem
se, algum dia, o governo Bush faria tal coisa!). E disse, oficialmente, que
Washington não trabalha por mudança de regime em Teerã – o que acelerou o
processo de mais um ataque cardíaco para o ex-vice-presidente Dick Cheney. Obama
chegou até a pronunciar as palavras-chaves “respeito mútuo”.
Quanto
ao golpe de misericórdia cinematográfico – um encontro “casual” ou um aperto de
mãos nos corredores da ONU – não poderia, mesmo, acontecer tão cedo. Ambos,
Rouhani e Obama, estão sob pressão violentíssima dos respectivos falcões, nos
dois países e, até agora, ainda não há sobre a mesa nada de substancial.
Barack Obama |
Mas
nem enquanto tentava enviar algum sinal certo a Teerã, Obama conseguiu resistir
à abstinência, e lá veio com:
Creio
que os EUA são excepcionais, em parte porque mostramos a disposição, mediante o
sacrifício de dinheiro e de sangue, de defender, não só nosso próprio
autointeresse, mas o interesse de todos.
E
o corolário: voltou a insistir numa resolução do Conselho de Segurança da ONU
que o autorize a bombardear Damasco caso alguma coisa dê errado na retirada, da
Síria, dos arsenais químicos. Claro: é os EUA pensando no “interesse de todos”,
onde “todos” = Israel e Casa de Saud.
A
vasta maioria, no mundo real, contudo, está ocupada é em lembrar ao presidente
dos EUA que os EUA, absolutamente, não são excepcionais; das ações do presidente
da Rússia, Vladimir Putin, no caso de Edward Snowden e da tragédia síria, à
presidenta Dilma Rousseff do Brasil, a qual, em discurso contundente, a seguir,
qualificou a espionagem pela Agência de Segurança Nacional dos EUA como “uma
afronta”. Não foi por acaso que os quatro BRICs originais, Brasil, Rússia, Índia
e China, foram espionados até o tutano dos ossos.
A
ONDA/WAVE afogará os falcões?
John Kerry |
Passada
a catarse na ONU, o cenário agora está pronto para o trabalho pesado a começar
nessa 5ª-feira, quando o secretário de Estado dos EUA, John (“Assad é como
Hitler”) Kerry encontra-se com o ministro das Relações Exteriores do Irã, Javad
Zarif, no quadro multilateral do grupo P-5+1 (os cinco membros permanentes do
Conselho de Segurança da ONU, mais a Alemanha).
Os
pontos chaves do mapa do caminho adiante estão claros. Total clareamento dos
detalhes relativos ao direito do Irã a um programa nuclear para finalidades
pacíficas, que deve evoluir para o desmantelamento das sanções. O abjeto
bloqueio financeiro que Washington está impondo às vendas de petróleo iraniano
não está funcionando; ninguém, da China à Índia e dali em diante, parará de
compara energia iraniana, só porque os EUA ordenem.
E
o Irã tem, também, de ser reincluído no mecanismo bancário global de câmbio.
Trita Parsi |
Trita Parsi, presidente do
Conselho Nacional Iraniano-Norte-americano, chama a atenção para um ponto extremamente
importante. O timing – por várias
circunstâncias – pode ser perfeito hoje; mas a janela de oportunidades não
permanecerá aberta por muito tempo.
E
mais uma vez, tudo volta a ser o velho drama de sempre: Obama e sua equipe terão
colhões para dobrar o lobby de Israel, a Casa de Saud, os
neoconservadores e sortimento variado de fazedores de guerra, de poltrona,
ativos no Departamento de Defesa? Se não tiverem, a vitória do Partido da Guerra
será cópia da vitória dos linhas-duras anti-Rouhani em Teerã – e as
consequências serão devastadoras.
Assim
sendo, sim, as apostas jamais foram tão altas. O que o mundo precisa agora é de
WAVE após WAVE após WAVE, onda depois de onda, depois de
onda, depois de onda.
E
aprender a surfar.
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista e correspondente das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu, no blog redecastorphoto.
Livros
- Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007
- Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007
- Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009
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