7/9/2013, [*] Franklin Lamb, Al-Manar TV,
Líbano
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
“Onde está o professor Falk, quando preciso dele?”
Noite em Damasco antes do ataque dos EUA |
Os
persas, que são alunos brilhantes e articulados bem conhecidos em todo o mundo,
e com muitos dos quais tenho tido a honra de discutir política internacional,
parecem ter encontrado companheiros intelectuais à sua altura nos árabes sírios.
Cheguei
a essa conclusão pelo que vejo acontecer nas ruas em Damasco, não só nas
universidades e escolas, mas nas sessões de “feiras de ideias” que acontecem
pelas ruas, nos cafés e em locais de reunião.
A
noite de ontem é um exemplo. Já passava muito da hora de esse observador ir para
a cama, quando apareceram por aqui alguns amigos, convidando para sentar na
calçada “por alguns minutos” e discutir notícias que estavam chegando de
Washington e São Petersburgo. Terminamos empoleirados nos blocos de concreto que
dividem a rua Al Bahsa em frente ao meu hotel – que está fechada para carros –
por mais de três horas! Hiba, uma jovem forte e maravilhosa, jornalista
palestina nascida no campo Yarmouk de refugiados, serviu-nos de intérprete.
Rapidamente se juntaram a nossa volta alguns soldados, e uns tipos da segurança
nacional e shabiha apareceram para ver o que estava acontecendo. Alguns
até falaram, na discussão animada, rápida, que logo se seguiu.
Vários
estudantes e moradores das vizinhanças reuniram-se também no início do
“seminário” e logo ficou bem claro que os sírios acompanham atentamente cada
desenvolvimento, até a “sexta-feira negra”, dia 12/9/2013, daqui a menos de uma
semana. É quando muitos damascenos e observadores estrangeiros creem que os EUA
começarão a atacar.
Estudantes caminham calmamente pelas ruas de Damasco antes do ataque dos EUA |
Na
superfície, a vida parece continuar normalmente, mas as tensões aumentam e as
pessoas mostram-se alarmadas com a possibilidade de um ataque norte-americano.
Esse observador muito aprendeu dos sírios sobre várias coisas, inclusive sobre o
conflito que se vive aqui, e sobre como os eventos tendem a desenvolver-se,
tanto localmente quanto internacionalmente.
Bem
poucos aqui, praticamente ninguém, ainda supõe que o ataque norte-americano seja
“limitado” ou rápido, embora nos últimos dias o pessoal de Obama tenha usado
frequentemente a palavra “degradar” (em vez de “demolir” ou “arrasar”); nem
alguém acredita que o único objetivo do ataque seja “dar um recado” ao governo
sírio.
Velho farmacêutico |
Um
senhor, idoso, dono de uma farmácia próxima, explicou:
É
mudança de regime aqui e em Teerã, nada menos que isso. Bombardearão sem nem
saber o quê, porque os tais 75 alvos que listaram já foram esvaziados e estão
sendo diariamente mudados de lugar. Todos trabalhamos para não deixar alvos
fixos para Obama.
Chamou-me
a atenção a sofisticação dos comentários, numa reunião “de rua”. Uma aluna da
Universidade de Damasco, que se prepara para voltar às aulas no final desse mês,
fez um apanhado do que se deve esperar dos votos no Congresso e explicou ao
grupo, que já era então bem maior que o inicial, que, como no dia 4/9/2013,
haverá 47 votos “sim”, praticamente imutáveis; 187 “não” altamente prováveis;
com 220 votos ou indecisos ou imprevisíveis. Na sequência, disse que tem quase
certeza de que o presidente terá ou de retirar a proposta de resolução ou adiar
uma votação da Câmara de Representantes.
Uma senhora síria |
Outra
senhora, que tenho visto no pátio do meu hotel, mencionou matéria do
Washington Post com notícia de que a Conferência dos Presidentes das
Maiores Associações de Judeus dos EUA está associada ao lobby israelense
do AIPAC numa gigantesca campanha de propaganda a favor de guerra total
dos EUA contra a Síria. Não sabia e me perguntei como ela estaria tão
atualizada. Ela só disse que fizera as contas:
Até
aqui, só 21 senadores já declararam apoio ou dão sinais de que apoiam Obama; 13
disseram que se opõem ou tendem a opor-se à Resolução; e há 66 votos indecisos
ou desconhecidos.
Já amanhecia quando nossa reunião
começou a acabar, e falava-se sobre a Constituição dos EUA. Um jovem,
provavelmente aluno de Direito, citou de memória, não o resumo, mas o texto
completo do artigo 1, sessão 8, parágrafo 11: “O Congresso tem o poder de
declarar guerra (...) e fazer leis sobre captura de terras e águas”.[1]
Em
seguida, explicou que essa específica passagem não prescreve nenhum formato que
a lei deva ter para ser considerada “Declaração de guerra”, nem a Constituição
usa essa expressão. E perguntou:
O
senhor pode comparar esse artigo e parágrafo com a lei de 1973 dos “Poderes de
Guerra”, interpretá-los um à vista do outro, e nos dizer o que, afinal, o
presidente dos EUA está ameaçando fazer contra o nosso país?
Surpreendi-me
pensando “Quem será esse moço?” e em seguida, angustiado: “Onde está o professor
Richard Falk, quando preciso dele? Só Falk saberia responder essa pergunta...”
Sem
saber nem por onde começar a responder, gaguejei alguma coisa como “é excelente
pergunta, e podemos nos reunir mais tarde para discutir isso. Já é muito tarde”.
Para
minha sorte, quando eu via no relógio que já eram 4h28 da manhã, todos ouvimos o
Adhan, (chamada para as preces islâmicas) cantado por um muezzin
de uma mesquita próxima. O som reconfortador, meio mágico, flutuou à nossa
volta. Era hora das preces do amanhecer, al-fajr. Fui salvo. Eu não
saberia o que responder àquele jovem sírio.
Soldados sírios |
Os
soldados pela rua fizeram silêncio, ouvindo. Sabe-se lá o que passaria pela
cabeça deles, para a semana que se anuncia de guerra, talvez sob ataque dos
norte-americanos. O grupo começou a dispersar-se e fui salvo de ter de mostrar a
minha ignorância. Pelo muezzin, não pelo professor Falk.
O
povo da República Árabe Síria é gente politicamente sofisticada e os sírios
estão surpreendentemente (para mim) bem informados sobre a atual crise, até
detalhes precisos sobre os atores externos e seus projetos e planos.
Temos
de desejar o bem deles, e nos unir a eles e às pessoas de boa vontade, como
tantos cristãos e muçulmanos e de outras fés em todo o mundo, que se uniram no
dia de jejum e preces convocado para esse 7/9/2013, por Sua Santidade o papa
Francisco.
______________________________
Nota dos tradutores
[1] Orig. The Congress shall have
Power To declare War, grant Letters of Marque and Reprisal, and make Rules
concerning Captures on Land and Water. É
texto que exige tradução técnica, de precisão. Traduzimos o suficiente, só, para
ajudar a ler. Correções e sugestões são todas
bem-vindas.
__________________________
[*] Franklin Lamb foi advogado-assistente do Comitê
Judiciário da Câmara dos EUA e professor de Direito Internacional na Northwestern College of Law, Portland, Oregon. Obteve seu diploma de Direito na
Boston University, sua pós graduação
(LLM), mestrado (M.Phil) e doutoramento (Ph.D). na London School of Economics. Ele está
atualmente residindo em Beirute e Damasco.
Depois de 3 anos advogando no
Tribunal de Haia, tornou-se professor visitante na Harvard Law
School’s East Asian Legal Studies Center,
onde se especializou em Direito chinês.Ele foi o primeiro ocidental admitido
pelo governo da China visitar a famosa prisão de “Ward Street”, em Xangai. Lamb está
atualmente pesquisando no Líbano e trabalhando com a Palestine Civil Rights Campaign-Lebanon
e a Sabra-Shatila
Foundation. Seu novo livro,
The Case for Palestinian Civil
Rights in Lebanon, será lançado em
breve.
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