3/10/2013, [*] Pepe Escobar, Russia Today
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Artigo novo, em Russia Today, sobre Bibi na ONU. Russia Today suavizou o título, que era “Bibi The
Sociopath” (3/10/2013, Pepe Escobar,
Facebook).
Bibi, o "Sociopata" |
Mísseis
iranianos atingirão New York em “de
três a quatro anos”. Um Irã nuclear é igual a “50 Coreias do Norte”.
Pode
ser a fala de sociopata doido e perigoso, ou o discurso que o primeiro-ministro
de Israel, Benjamin “Bibi” Netanyahu fez à Assembleia Geral da ONU. Compare você
mesmo: semana passada, o presidente o Irã, Hassan Rouhani, lá estava,
convocando o mundo
a surfar a onda contra a Violência e o Extremismo, no seu projeto WAVE [onda], sigla de World Against Violence and
Extremism.
Semana
seguinte, lá estava Bibi, na mesma tribuna, denunciando o projeto de Rouhani,
que para Bibi não passaria de arapuca “cínica” e “totalmente hipócrita”.
No
mundo segundo Netanyahu:
Ahmadinejad
era lobo em pele de lobo. Rouhani é lobo em pele de cordeiro. Rouhani tenta se
fazer passar por “pio”, mas sempre esteve envolvido no “estado de terror
iraniano”. Não passa de serial
killer que se veste de padre
para ir ao tribunal e fazer-se passar por homem “ético” e “religioso”.
Sandices
à parte, a verdade é que Bibi mudou de jogo. Agora, nada de cartolinas
desenhadas e súplicas, praticamente todas as semanas, para que os EUA
bombardeiem o Irã. Agora, é o “programa nuclear militar” do Irã que tem de ser
extinto – programa que não existe, segundo toda aquela sopa de letrinhas que são
as agências de inteligência dos EUA.
E,
isso, depois de Netanyahu ter dito ao presidente Barack Obama dos EUA que
esquecesse – para sempre – a resolução n. 242 do Conselho de Segurança da ONU,
que ordena a retirada de israelenses de todas as terras ocupadas depois da
guerra de 1967.
Que
bomba
Assim
sendo, deixemos bem claras algumas coisas.
O
estado de Israel não tem fronteiras internacionalmente reconhecidas e não tem
capital internacionalmente reconhecida. É estado em perpétua expansão.
Israel
desrespeitou nada menos que 69 resoluções do Conselho de Segurança da ONU e foi
“protegida” de nada menos que outras 29 resoluções, cortesia dos vetos
norte-americanos.
Israel
ocupa hoje território soberano do Líbano e da Síria, sem dar qualquer bola a
qualquer resolução do Conselho de Segurança da ONU.
Roubo de terras palestinas por Israel (1946 a 2000). Nos últimos 13 anos Israel ROUBOU mais. |
Israel
assinou os Acordos de Oslo pelos quais prometeu parar de construir em terra
palestina ocupada. Na sequência, construiu 270 novas colônias. É parte do
movimento de limpeza étnica em câmara lenta, no qual Israel obra ao longo das
últimas seis décadas.
Israel
vive a ameaçar semanalmente que bombardeará o Irã, há, no mínimo, três
décadas.
Israel
é potência nuclear clandestina, com mais de 400 ogivas nucleares; recusa-se a
assinar o Tratado de Não Proliferação; impede inspeções de inspetores
internacionais; nunca ratificou o Tratado da Convenção das Armas Químicas; usou
armas químicas em Gaza; e mantém o maior arsenal de armas químicas de todo o
Oriente Médio, não declarado, quer dizer, clandestino.
O
Irã, por sua vez, não tem ogivas nucleares. O Irã assinou o Tratado de Não
Proliferação e recebe regularmente os inspetores. O Irã não invade nenhum país
soberano há, no mínimo, 250 anos. O Iraque de Saddam Hussein invadiu o Irã em
1980, mas o Irã não ocupou território iraquiano.
O lobby de Israel em Washington e o Congresso dos
EUA impuseram um bloqueio financeiro ao Irã, o qual, para todas as finalidades
práticas, é uma declaração de guerra. Por causa do bloqueio, o rial iraniano
sofreu grave depreciação – com consequências drásticas para a vida dos iranianos
comuns. Apesar de tudo isso, na reunião com Obama, nessa 2ª-feira em Washington,
Netanyahu não exigiu só mais sanções: também disse que Israel atacará
unilateralmente o Irã, se as palavras de Rouhani não gerarem “ação”.
A
verdadeira “comunidade internacional”, como a vasta maioria no mundo em
desenvolvimento, incluindo as potências emergentes reunidas no grupo BRICS,
conhecem esses dados como a própria palma da mão. Todos esses fatos ajudam a ver
com clareza o jogo de Bibi.
Basta
examinar o mapa
Para
a direita israelense, a mera possibilidade de que haja diálogo entre EUA e Irã é
a real “ameaça existencial”. Bibi não aceitará sequer que o Irã enriqueça urânio
para propósitos civis, direito que o Irã tem, garantido a ele pelo Tratado de
Não Proliferação.
Um
acerto entre EUA e Irã é proposta de ganha-ganha para todos: não só para os dois
diretamente envolvidos, mas também para os europeus sedentos de energia, para a
economia global, para as empresas multinacionais, para tudo e todos. Exceto para
Israel.
O
pesadelo de Bibi é a República Islâmica do Irã, não apenas como ator
independente no Sudoeste da Ásia – o que o Irã já é – mas também, como potência
regional em ascensão; quanto a isso, a única via possível para o Irã é a via
ascendente, se se considera sua vasta população de jovens e bem educados, os
massivos recursos de energia, a localização privilegiada e os complexos laços
que ligam o Irã à Ásia Central, do Sul e do Leste.
Para
a direita israelense, o status
quo é ideal. Os fantoches dos EUA,
como as petromonarquias do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), e as
repúblicas árabes seculares vivem momentos de caos – com graus diferentes de
“empurrão” dos israelenses – como o Iraque e especialmente a Síria.
É
fácil para Israel manobrar entre esses atores; os israelenses podem, por
exemplo, rejubilar-se com um golpe militar no Egito (porque militares egípcios
não são ameaça) e com a parceria com a Arábia Saudita para tentar derrubar Assad
na Síria. A balcanização do Oriente Médio dividido por linhas sectárias é, para
Israel, doce como mel.
Mas
o Irã como potência econômico-política emergente, com relações normalizadas com
os EUA e a Europa Ocidental, é assunto muito mais sério, a ameaçar
“existencialmente” a suposta hegemonia no Oriente Médio, que depende
exclusivamente do músculo militar (além, é claro, da capacidade nuclear
clandestina).
Isso
explica a obsessão de Netanyahu com a mudança de regime em Teerã – ou, a segunda
melhor opção, o total isolamento, bem distante do Ocidente (porque, no que tenha
a ver com o Oriente, o Irã está firmando relações com todos os atores chave na
Ásia).
O
ponto crucial é que apresentar o Irã como “ameaça existencial” foi expediente
extremamente útil para a direita israelense, como tática diversionista, que
desvia a atenção geral para bem longe do que acontece na vida real: Israel, como
estado ocupante militarizado está completamente, literalmente, terrivelmente,
varrendo do mapa um povo inteiro – os palestinos. Quem ainda duvide que examine
o mapa.
Eis
assim onde estamos. Netanyahu é falcão/abutre de extrema direita que jura
pela Eretz Israel – uma Israel “Expandida” com fronteiras
móveis, sempre em expansão, e hegemonia incontrastável militar/nuclear no
Oriente Médio. Tem aliados poderosos: a extrema direita e os neoconservadores
nos EUA; Republicanos ensandecidos que apoiarão qualquer coisa, desde que seja
contra Obama; grande parte do Congresso dos EUA manipulado pelos israelenses;
vastas fatias do complexo de imprensa-empresa nos EUA e no mundo. Essa gente não
parará ante coisa alguma. Farão todo o possível para ver gorar qualquer acordo
entre Washington e Teerã.
A
tentação, para a verdadeira comunidade internacional, é mandar Netanyahu calar a
boca – e ir brincar com suas cartolinas desenhadas. Obama semana passada disse
na ONU que suas prioridades, agora, são o Irã e mais esforço para resolver a
questão e a tragédia dos palestinos. Quer dizer: a bola está no campo de Obama –
não no campo do sociopata.
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Pepe Escobar
(1954)
é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye)
no
Asia
Times Online;
é também analista e correspondente das
redes
Russia
Today,
The
Real News Network
Televison
e
Al-Jazeera.
Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de
Tradutores da Vila Vudu, no
blog
redecastorphoto.
Livros
- Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid
War, Nimble Books, 2007
- Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007
- Obama
Does Globalistan, Nimble Books, 2009
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