4/10/2013, [*] Pepe
Escobar, Asia Times Online –
The Roving Eye
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Xi Jinping sendo presenteado na Indonésia (clique na imagem para aumentar) |
O
mais recente espetacular evento da superpotência disfuncional, o chamado
shutdown, “trancamento”, forçou o presidente Barack Obama a cancelar uma
viagem inteira à Ásia. Primeiro, a Casa Branca anunciou que Obama estava
‘'trancando'’ a viagem à Malásia e às Filipinas – pressupostas estrelas do
“pivoteamento” “para a Ásia”. Depois, se confirmou que toda a viagem de Obama
para participar da reunião da APEC (Asia-Pacific Economic
Co-operation) em Bali, na 3ª-feira, e da ASEAN (Association of
Southeast Asian Nations) e Leste da Ásia, na 5ª-feira seguinte, no Brunei,
seria ‘'trancada'’.
Assim
sendo, o presidente chinês Xi lá ficou, sozinho, para brilhar sem rivais no
centro do palco mundial. Como se ele precisasse de alguma “ajuda”extra, e como
se Xi já não lá estivesse, de pleno brilho próprio.
Mapa com os países da ASEAN (Association of Southeast Asian Nations) |
Ontem,
5ª-feira (3/10/2013), Xi tornou-se o primeiro governante estrangeiro, em todos os tempos, a
falar ao Parlamento indonésio, em Jakarta. Disse que Pequim deseja a todo custo
elevar o comércio com as nações da ASEAN a impressionantes US$1 trilhão,
até 2020 – e constituir um banco regional de infraestrutura.
Peng Liyuan |
A
mensagem de Xi, resumidamente, é: a China e “alguns países do Sudeste da Ásia”
têm de resolver pacificamente as suas disputas de soberania territorial e
direitos marítimos (traduzido: discutiremos aquele caso complicado do Mar do Sul
da China; mas Xi não fez, no discurso, qualquer referência direta àquela
questão); mas não permitiremos que aqueles problemas interfiram nos nossos
negócios comerciais e de investimento (que são coisa séria). E quem seria a
ASEAN para discordar?
Em
seguida, já tendo chegado antes de Obama à Indonésia (e se poderiam escrever
gordos livros só sobre isso), e depois de ter assinado negócios de mais de $30
bilhões (quase todos, de mineração), Xi partiu rumo à Malásia.
Comparem-se
o triunfo indonésio de Xi – ao qual não faltaram o glamour da esposa,
Peng Liyuan, e o casal metido em panos estampados em batik [1] – e uma recente visita do
primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, o qual, para todas as finalidades
práticas, queria convencer os indonésios a cercar a China. Elaboradamente
polidos como sempre, os indonésios descartaram Abe. A China é o maior parceiro
comercial da Indonésia, depois do Japão, e prevê-se que, em pouco tempo,
ultrapassará Tóquio.
Shinzo Abe |
Pequim
já aceitou discutir um Código de Conduta legal e cogente com a ASEAN,
para o Mar do Sul da China. Mês passado, um grupo já começou a trabalhar em
Suzhou. Quatro dos dez membros da ASEAN (mas não a Indonésia) estão
envolvidos na disputa no Mar do Sul da China – a qual, como se adivinha
facilmente, tem a ver exclusivamente com muito petróleo e gás ainda a ser
explorado. Os filipinos continuarão a acusar Pequim, como já fizeram mês
passado, de violar o código de conduta (que por enquanto ainda é informal). A
Indonésia ofereceu-se para servir como mediadora. Não será um jardim de rosas,
mas fato é que a China e a ASEAN já estão conversando.
Pivoteio-me,
eu sozinho...
É
problema, e não é pequeno, se você anuncia – com muita fanfarra, e no Pentágono,
nada mais nada menos! – um “pivoteamento” na direção da Ásia, para fortalecer o
papel da “Ásia do Pacífico para a prosperidade e a segurança dos EUA”... mas
você não consegue pivotear-se, nem só você e só por uns dias! Para começar, nem
há, de fato, qualquer pivoteamento – não, pelo menos, agora. O governo Obama
está focado em dois dossiês imensamente complexos – Síria e Irã; e, como se não
bastasse, tem de tentar conter a demência do primeiro-ministro Benjamin
Netanyahu de Israel; e a Casa de Saud, cada dia mais paranoica e com mais medo.
O papel de Obama |
Assim
sendo, o que Obama teria a fazer na Ásia? Ora. Nas Filipinas, para começar,
teria tentado armar um negócio para dar “maior flexibilidade” ao Pentágono para
usar bases militares. Dizer que o projeto é “controverso” é dizer pouco sobre o
que o projeto é.
E
na Malásia, Obama teria podido pressionar ainda mais a favor da já infame
Parceria Trans-Pacífico [orig. Trans-Pacific Partnership (TPP)] –
essencialmente uma ação corporativa que é grande negócio para as multinacionais
norte-americanas, embora não exatamente para os interesses dos asiáticos. A
TPP é a resposta norte-americana ao projeto chinês de ampliar ainda mais
os seus já massivos laços comerciais com a Ásia.
Mahathir Mohammad |
O
ex-ministro da Malásia, Mahathir Mohammad já viu a TPP – que exclui a
China – pelo que ela de fato é, e não se mostra absolutamente convencido de que
a TPP dê à Malásia qualquer acesso mais livre ao mercado norte-americano.
Feitas
todas as contas, o que se viu foi o palco asiático deixado absolutamente livre
para que Xi ali encenasse mais um triunfo chinês no Sudeste Asiático. Pequim
pôde oferecer a Kuala Lumpur vasta riqueza de investimentos, sem a mal-vinda
interferência à moda TPP sobre o modo como o país administra as empresas
estatais ou distribui os contratos do governo. Sobretudo, Xi conseguiu trunfo
importante, no trabalho de atrair a Malásia para o seu campo, nas negociações
sobre o Código de Conduta no Mar do Sul da China.
Xi,
é claro, será a estrela da reunião da APEC em Bali. Na sequência, o
premiê Li Keqiang conduz a equipe chinesa para a Cúpula do Leste da Ásia no
Brunei e, dali, estende sua viagem de negócio também para a Tailândia e o
Vietnã.
Comparem,
pois, essa ofensiva chinesa, potente como um Lamborghini Aventador em
marcha acelerada, com a percepção palpável, embora não declarada em todo o
Sudeste Asiático, de que o “pivô” norte-americano não passa de Chevrolet velho e
enferrujado. Pode-se apostar que a think-tank-lândia nos EUA por-se-á
outra vez a choramingar sobre confiabilidade que os EUA estão perdendo, ou,
melhor ainda, sobre a “credibilidade” moribunda – mesmo que continue a defender
o futuro da “pivotagem”, apresentada não só como decisão norte-americana
estratégica, mas como se também fosse de alto interesse para os cidadãos do
Sudeste Asiático.
Tudo
isso é disparate. O líder da torcida uniformizada a favor de os EUA
pivotearem-se muito, muito, para a Ásia é o Japão. – E o Japão é visto por todo
o Sudeste Asiático, sob diferentes tons de cinza, como fantoche dos EUA. O que é
garantido é que o sumiço de Obama só reforça a percepção predominante, de que a
atual política externa dos EUA é absoluta confusão. E de que, enquanto os EUA
fazem shutdown e “trancamento”, a China faz
negócios.
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Nota
dos tradutores
[1]
Na Indonésia, o presidente chinês foi presenteado com um grande quadro a óleo,
no qual o artista, especialista em pintura em tecidos, pintou o casal Jinping,
Xi e Peng Liyuan, usando roupas estampadas em batik. Vê-se o quadro sendo entregue no
topo deste artigo.
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Pepe Escobar
(1954)
é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye)
no
Asia
Times Online;
é também analista e
correspondente
das redes
Russia
Today,
The
Real News Network
Televison
e
Al-Jazeera.
Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de
Tradutores da Vila Vudu, no
blog
redecastorphoto.
Livros
- Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid
War, Nimble Books, 2007
- Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007
- Obama
Does Globalistan, Nimble Books, 2009
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