Hakimullah Mehsud raramente permanecia mais de seis horas em cada local
2/11/2013,
[*] Rob Crilly (Islamabad), The Telegraph, UK
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Nota dos
tradutores: (...)
a questão real é o timing do ataque
dos drones norte-americanos. Em
resumo: por que agora? Evidentemente, se tomou a decisão crucial de iniciar a
detonação final dos Talibã-No-Paquistão, para que as conversações de paz com os
Talibã-No-Afeganistão possam seguir como o esperado, em trilha paralela à reunião
da Loya Jirga em Kabul, que se iniciará em 10-12 dias, para aprovar o acordo
pelo qual se estabelecerão nove bases militares dos EUA no Afeganistão”.
Hakimullah Mehsud |
Durante
anos, Hakimullah Mehsud, o líder de longos cabelos, dos Talibã-No-Paquistão,
sempre tomou todos os cuidados com a própria segurança. Raramente passava mais
de seis horas num mesmo local, trocando de casa dentre as suas várias
fortalezas espalhadas por toda a região tribal paquistanesa.
Mas, com
as negociações com o governo do Paquistão já entrando em nova fase, parece que
um dos homens mais procurados do mundo teria cometido erro fatal: relaxou,
assumindo que o próximo processo de paz significaria que estaria salvo. E
demorou-se descuidadamente por tempo demais em sua casa nova. Foi tempo
bastante para que os drones dos EUA que sempre rondam os céus da região
tribal montanhosa o localizassem – e disparassem dois mísseis contra o carro
4x4 de Mehsud, quando entrava pelo portão de casa, na 6ª-feira. (...)
Assim
morreu um dos mais competentes comandantes dos Talibã, homem que, pelo menos
aos olhos de Washington, valia até o último tostão da recompensa de US$5
milhões prometida por sua cabeça. Porque Mehsud não só levou o terror ao
Paquistão; foi também quem planejou e comandou a execução do mais mortal ataque
contra a CIA dos últimos 25 anos, quando um suicida-bomba, que se fazia passar
por informante da al-Qaeda, se autoexplodiu numa base no Afeganistão em 2009,
matando vários agentes da CIA.
Mas, por
mais que o assassinato de Mehsud esteja sendo apresentado no ocidente como
silencioso triunfo do controverso programa dos drones da CIA, a reação durante o final da semana,
no Paquistão, foi muito diferente.
Ontem à
noite, o governo paquistanês convocou o embaixador dos EUA, Richard Olson, ao
qual apresentou protesto formal contra o ataque, o qual, ao que se diz, teria
interrompido as conversações de paz iniciadas pelo novo primeiro-ministro
paquistanês Nawaz Sharif, eleito em maio passado.
Declaração
do Serviço Exterior diziam que o ataque da 6ª-feira foi “contraproducente para
os esforços do Paquistão na direção de trazer paz e estabilidade ao país e à
região”.
Mas a
retórica oficial não calou a especulação segundo a qual o governo paquistanês
dera luz verde à operação desde o início, e possivelmente também forneceu a
indispensável inteligência sobre os movimentos de Mehsud.
Emb. Richard Olson (E) reunido com o PM Newaz Sharif (D) em maio/2013 |
Mehsud foi
morto menos de um mês depois de dar uma entrevista à BBC,
na qual disse que estava preparado para iniciar conversações de paz com o
Paquistão, se os EUA suspendessem o emprego dos drones. (...)
Seja como
for, o assassinato de personagem tão importante no contexto do terror
paquistanês, criará novo período de incertezas. Ontem, a polícia apertou o
cerco de segurança em várias cidades do país, ante o temor de que recomecem os
ataques, no momento em que o conselho dos Talibã No Paquistão reúne-se para indicar
o substituto de Mehsud.
Enquanto
isso, detalhes reunidos de várias fontes de militantes e moradores em Danda Darpa Khel,
a vila na qual Mehsud estava morando, permitem reconstruir as circunstâncias
nas quais aconteceu o assassinato. Um conjunto de casas de tijolos, a vila fica
na periferia da cidade de Miranshah, capital da região do Waziristão Norte,
junto à fronteira afegã.
Embora os
militares paquistaneses mantenham ali uma base, cujas metralhadoras leves
alcançam a vila, esses militares não controlam de fato essa área.
Visitantes
contam que a casa de Mehsud era casa simples, do tipo que se espera de um
asceta e islamista religioso: quatro quartos e uma espaçosa ala para hóspedes,
própria para receber comandantes ou mulás visitantes.
“Mehsud
não dormia duas noites no mesmo local” – disse um comerciante da região, que
pediu para não ser identificado, temendo represálias dos Talibã – “mas, de
fato, todos sabiam onde ele estava, cada noite. Aqui, não é possível manter
esse tipo de segredo”.
Manifestação em Danda Darpa Khel contra o assassinato com drones |
A vila e a
área circundante são controladas pelos Talibã-No-Paquistão, que comandam a
região como parte de um miniestado, onde há livre comércio de armas e a lei da
Xaria é implantada em sua modalidade mais brutal.
Ocasionalmente,
reféns ocidentais são mantidos em casas nessa área, fora do alcance de qualquer
autoridade do estado paquistanês. Mas o governo paquistanês mantém também sua
rede local de espiões; e o que se diz é que um desses agentes teria transmitido
aos norte-americanos a informação sobre os movimentos de Mehsud que levou ao
assassinato. Embora a informação, sim, também possa ter vindo de um agente da
CIA, fato é que a rede norte-americana tem sido duramente atingida em anos
recentes e está muito reduzida, ao mesmo tempo em que se vai configurando uma
situação em que o governo do Paquistão vai dando sinais cada vez mais claros de
que não quer ser visto como colaborador que estaria operando ao lado dos EUA.
Quem quer
que tenha informado sobre o movimento de Mehsud, a informação foi passada a uma
sala de operações a milhares de quilômetros de distância, em pleno deserto de
Nevada, no oeste dos EUA, de onde os drones são comandados e atacam acionados por
controle remoto.
Em uma
sala com ar condicionado, cercado de telas de computados, um operador
norte-americano examinou imagens de satélites vindas do Waziristão, enviadas de
um veículo aéreo armado tripulado à distância, um drone MQ-1 Predator que voava a mais de 7 mil
metros de altitude.
Drone MQ-1 Predator idêntico ao que assassinou Mehsud |
O Predator
é equipado com um sensor constituído de três câmeras com mira a laser e sensores de radar. Um fluxo continuado de
imagens é enviado através de um link por satélite, diretamente para a equipe que
comanda a operação, para que confirme que o alvo está à vista.
Quando o
comboio no qual Mehsud viajava afastou-se de uma mesquita na qual já fora
confirmada a presença do líder dos Talibã-No-Paquistão, as imagens na tela, em
Nevada, eram tão claras que o operador podia identificar os algarismos da chapa
do carro. Com o Predador voando na sua velocidade mínima possível – cerca de 120 km/h – deve ter sido
dada a ordem de “disparar míssil”; e partiram dois mísseis Hellfire,
diretamente contra o alvo.
Testemunhas
disseram que houve nove mortos, entre os quais dois guarda-costas mortos no
ataque, que aconteceu segundos depois das 18h da 6ª-feira.
Inúmeros
visitantes estiveram no conjunto de casas cercadas por um muro, ontem, para
apresentar suas homenagens junto ao que restou da casa de Mehsud; circulavam
notícias de que o corpo de Hakimullah teria sido enterrado em local secreto,
depois de funeral realizado à noite, para evitar novos ataques de drones dos EUA. Moradores de áreas próximas de Miranshah
também assinalaram o dia de luto, ontem, atirando com seus rifles e
metralhadoras contra outros drones que sobrevoavam a região, entre os quais um
significativamente maior que os demais.
“Pensamos
que fosse um avião C-130, mas era avião espião especial, maior que os demais” –
disse Farhad Khan, que mora por ali. – “Os militantes atiraram contra ele com
suas armas antiaéreas, mas não conseguiram atingi-lo”.
Hakimullah
comandou uma campanha para derrubar o governo do Paquistão, que ele desejava
substituir por um Emirado Islâmico. Ganhou reputação de comandante impiedoso,
que organizava e distribuía onda após onda de jovens homens-bomba.
Latif Mehsud |
O primeiro
sinal de que o reinado de quatro anos de Mehsud como o homem mais procurado no
Paquistão poderia estar sob nova pressão surgiu no mês passado, quando seu
“secretário” Latif Mehsud foi capturado por forças dos EUA no Afeganistão.
A função
de Latif era levar mensagens e visitantes ilustres até Mehsud, onde estivesse,
posição sensível, na qual era mantido atualizado sobre os deslocamentos do
chefe, seus contatos e suas medidas contra-drones. Latif esteve em
contato com o Diretorado de Segurança do Afeganistão, a agência afegã de
inteligência, “por longo período de tempo”, segundo um porta-voz do presidente
Karzai. Se foi ele quem deu as informações sobre o deslocamento de Mehsud
naquele dia, ou não, é detalhe que talvez jamais seja completamente
esclarecido.
Seja como
for, contudo, a morte de Mehsud é vingança-acerto de contas promovido pela CIA,
que contalibiza seus sucessos em termos de assassinatos bem-sucedidos de
terroristas versus mortos em
ataques terroristas. Até agora, já foram assassinados muitos dos terroristas
“mais procurados” no Paquistão, apesar de alto número de baixas “colaterais”
entre civis, cujos números os militares ocultam atentamente. Recentemente, uma
família paquistanesa depôs numa audiência pública do Congresso dos EUA,
denunciando que a avó da família fora morta num desses ataques dos drones norte-americanos.
“É um duro
golpe contra os Talibã No Paquistão, que pode levar a graves divisões dentro do
movimento” – disse Bruce Riedel, ex-agente e conselheiro da CIA no governo
Obama, que ajudou a criar e desenvolver a campanha dos drones.
O
Paquistão sempre condenou os ataques, reclamando que são violação à soberania.
Mas várias informações vazadas sugerem que o governo e os militares há muito
tempo autorizaram os ataques pelos drones dos EUA e, inclusive, “encomendaram”
ataques a determinados alvos.
Shaukat Qadir |
O mais
recente ataque pode bem ter sido parte de uma estratégia aprovada por Islamabad
para bombardear os Talibã-No-Paquistão e empurrá-los na direção da mesa de
negociações, segundo opinião de Shaukat Qadir, militar já aposentado, que
trabalha hoje como analista militar.
“Hakimullah
Mehsud era um impedimento às conversas de paz” – disse Shaukat Qadir. – “Diga o
governo o que disser agora, a morte de Mehsud ajudará a atrair os Talibã-No-Paquistão
para as negociações”.
Mas isso
dependerá de quem assuma agora como novo líder, e se conseguirá manter unidas
as várias linhas e grupos e facções que constituem o Talibã-No-Paquistão, ao
mesmo tempo em que assume via pragmática, a favor da paz.
Os altos
dirigentes Talibã reuniram-se ontem em sua assembleia (shura, também
“órgão de aconselhamento”) para definir o novo comandante. Fontes militantes
informaram a jornalistas locais que a reunião muda várias vezes de lugar, para
que os drones não a localize.
Os
candidatos com mais chances são Maulana Fazlullah, conhecido como o “Mulá do
Rádio”, chefe dos Talibã-do-Swat. Outro nome possível é Sheheryar Mehsud, do
mesmo clã do Waziristão do Sul que Baitullah Mehsud, comandante que antecedeu
Hakimullah.
Ou,
também, Khan Said – mais conhecido como “Sajna” [“tio”] – que é analfabeto,
responsável pelo recrutamento e treinamento de suicidas-bomba. Apesar dessas
táticas, sua posição como aliado de comandantes que fizeram mais ataques contra
o Afeganistão que contra o Paquistão, e sempre manteve fortes laços com o
estado paquistanês, sugere que possa ser mais aberto à ideia de buscar uma
acomodação pragmática com Islamabad.
Isso,
contudo, depende de se Islamabad ainda deseja conversar – ou se, diferente
disso, já entende que possa obter alguma vantagem com uma ofensiva militar no
Waziristão Norte.
Quanto ao
Talibã, não há dúvida de que haverá mais violência. “Cada gota de sangue de
Hakimullah se transformará em um homem-bomba” – disse Azam Tariq, um dos
porta-vozes dos Talibã-No-Paquistão. “EUA e seus amigos, que não festejem. Vingaremos
o sangue do nosso mártir”.
____________________
[*] Rob Crilly é correspondente
do The Telegraph no Paquistão. Anteriormente foi repórter no Oriente Médio e África
Oriental do The Times. Fez coberturas
das guerras da Somália, Sudão e na República do Congo. É também autor de: Saving Darfur: Everyone’s Favourite African
War, uma crítica dos esforços internacionais para trazer a paz para
o Sudão.
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