8/10/2013, [*] Nikolai BOBKIN, Strategic
Culture
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Leia antes: O futuro do Afeganistão (1/3)
Abdul Rassoul Sayyaf chega a Kabul para se candidatar à presidência do Afeganistão |
A volta
dos Talibã a Kabul é causa de
preocupação especial para a Rússia e os estados vizinhos, da Comunidade de
Nações Independentes [orig. Community
of Independent Nations (CIN)]. Para Karzai, o Afeganistão é país
independente e tem direito de decidir o próprio destino, inclusive o
envolvimento dos Talibã no processo político. Está seguro e nada preocupado
pelo fato de que, depois da saída da Força Internacional de Segurança [orig. International Security Assistence Force
(ISAF)], os Talibã possam voltar à cena política e partilhar o poder. Os
que assumiram o governo depois da retirada das forças soviéticas permitiram que
o Afeganistão se convertesse numa espécie de criadouro do terrorismo
internacional. Eles também se sentiram seguros. Os que antes governaram o país
não tinham nenhum desejo político de empurrar a recém obtida independência na
direção de trabalhar a favor do povo afegão.
Agora,
Karzai está à beira de cometer o mesmo erro; e insiste em que seu governo
estaria em condições para assumir total responsabilidade pelo futuro do país. O
atual governo afegão opera ao lado de EUA e OTAN, para envolver o país numa
confusão cujas consequências são difíceis de prever...
Hamid Karzai |
A presteza
com que a OTAN liderada pelos EUA optaram por manter a própria presença nos
limites da missão de Resoluto Apoio para garantir a transferência para os
afegãos da responsabilidade pela segurança não deve passar despercebida. Do
mesmo modo, segundo a OTAN, Kabul já é hoje responsável por 90% das operações
de combate dentro do país – o que não implica que o regime-fantoche de Karzai
seja suficientemente forte para essa missão. A OTAN evidentemente exagera, ao
dizer que as forças do governo contariam com o apoio da maioria da população.
O que o
ocidente tem dito, que os Talibã teriam apoio só de uma pequena minoria depois
de 12 anos de guerra que não trouxeram qualquer resultado tangível, parece ser,
antes, mais uma desastrada manobra de propaganda, para encobrir o fato de que a
operação comandada pelos EUA fracassou.
Os
soldados da ISAF sairão todos, ou alguns permanecerão no
Afeganistão, como parte da missão de Resoluto Apoio? Tudo depende dos EUA e do
governo de Karzai; e deixarão os Talibã voltar ao país?
Chegou o
momento da verdade. Os EUA e a OTAN devem informar a comunidade internacional
sobre os resultados da sua presença durante 12 anos no Afeganistão.
Absolutamente
não é verdade que a força constituída de 100 mil soldados tenha eliminado a
infraestrutura da Al-Qaeda – e esse seria o principal feito do ocidente. O
Afeganistão está bem próximo de, outra vez, ver-se dominado pelos Talibã. O
movimento é apoiado pelo Paquistão – sua terra natal. Para Islamabad, uma Kabul
amigavelmente controlada pelos Talibã é vantagem estratégica. Lembremos que
durante os cinco anos de governo dos Talibã, o movimento não conseguiu
disseminar seu poder e controle por todo o país, apesar de comandarem as rédeas
do poder de estado, aspecto no qual o Paquistão também falhou.
Atualmente os
Talibã contam com apoio internacional muito limitado (da Arábia Saudita, dos
Emirados Árabes Unidos e do Paquistão, países que ainda não alteraram sua
posição). O dinheiro continua fluindo, até agora sem parar, para o Diretorado
para Inteligência de Interserviços [orig. Diretorade
for Inter-Services Intelligence], os serviços secretos do Paquistão, mais
conhecidos como Inter-Services
Intelligence ou pela sigla ISI; não raras vezes, o processo
escapou completamente ao controle governamental.
Os Talibã
são o único instrumento de pressão que Islamabad pode usar para influenciar a
política afegã; a elite paquistanesa jamais romperá os laços que a ligam aos
Talibã. O Paquistão fará o máximo possível para conseguir a volta dos Talibã,
como um dos resultados do processo de reconciliação sob “o comando do povo
afegão no papel protagonista”. Isso significa a possibilidade de os Talibã
serem escolhidos por via eleitoral, em vários níveis de governo.
A lógica
da abordagem dos paquistaneses baseia-se no fato de que os pashtuns são o maior
grupo étnico na população do Afeganistão. Poucos falam do fato de que os
pashtuns são tão amplamente dominantes na população. Cálculos mostram que o
candidato dos Talibã tem boa chance de vencer as eleições de 2014. E, seja como
for, a próxima eleição presidencial pode converter-se no principal evento
político no Afeganistão. O atual chefe de estado, Hamid Karzai, não exclui a
possibilidade de que o próximo presidente venha a sair das fileiras dos
Talibãs.
Mulá Muhammad Omar |
Pode ser o
fundador dos Talibã, Muhammad Omar. Karzai está pronto para cooperar com ele,
sob a condição de que os Talibã desistam da luta armada. Há notícias de que os
Talibã já iniciaram conversações secretas com o governo. Estariam em andamento
em Kabul, não em algum outro país – o que implica que os EUA apóiam o processo.
A posição de Mullah Omar antes da retirada vai-se tornando cada vez mais forte;
ele sabe que o atual governo é fraco.
Tudo isso
implica que os líderes Talibã não desistiram de tomar em suas mãos o poder no
Afeganistão e de reviver o Emirado Islâmico. Não há dúvidas de que os Talibã
estão decididos a reinserir os métodos de força, na condução do processo
político.
O grupo
não declarou abertamente que tenha planos de participar nas eleições, mas é
opinião generalizada que, se puder candidatar-se, será eleito por ampla
diferença. Os Talibã tem muitos apoiadores fiéis entre os eleitores. Mas há
outras opções; as escolhas não se limitam aos Talibã e a apoiadores do atual
presidente Karzai; outras forças políticas islamistas emergiram, nem muito
próximas de Islamabad nem tão radicais quanto os apoiadores de Mulá Omar.
Abdul
Rassoul Sayyaf registrou-se como candidato na sede
da Comissão Eleitoral Independente em Kabul. É
pashtun do vale Paghman e teólogo. Sayyaf é um dos políticos islamistas mais
influentes do país; por muitos anos, liderou a facção Mujahedin União Islâmica para a Libertação do
Afeganistão [orig.Islamic Union for the Liberation of Afghanistan] em
luta contra a União Soviética. Em fevereiro de 1989, foi eleito o
primeiro-ministro do governo Mujahedin de transição, quando se associou muito
estreitamente aos comandantes afegãos Burhanuddin Rabbani e Gulbuddin
Hekmatyar. Sayyaf sempre se opôs aos Talibã e combateu contra eles, associado à
Aliança do Norte. Depois que as tropas dos EUA chegaram ao Afeganistão, Sayyaf
aliou-se a elas e apoiou Karzai nas eleições.
Antes de
se registrar como aspirante à presidência, Sayyaf foi membro da câmara baixa do
Parlamento, onde manteve o status de imã conservador e muito respeitado. O
comandante de campo Ismail Khan aceitou o convite para integrar a chapa como
vice-presidente e para participar de um possível governo Sayyaf, caso sejam
eleitos. Ismail Khan sempre foi nome influente na província ocidental de Herat,
próxima da fronteira do Irã. Abdul Ahad Irfan, presidente da Câmara Alta do
Parlamento e líder da Comissão de Unidade Nacional do Afeganistão, também se
registrou como candidato; concorre ao cargo de segundo vice-presidente.
Essas
figuras, do triunvirato dos esperançosos podem desafiar os islamistas Talibã
nas eleições. Caberá ao povo avaliar a reputação de Sayyaf como líder religioso
pashtun e o fato de que mantém amplas conexões com grupos islamistas dentro e
fora do Afeganistão. Os eleitores não duvidam de seu importante currículo
militar e da influência que tem nas regiões ocidentais do Afeganistão. A
juventude islamista vê com simpatia e respeito suas qualificações como
intelectual religioso; é hoje uma espécie de novo tipo de pregador religioso,
que não participa da tradição Talibã que prega forte rigidez religiosa em todos
os aspectos da vida, segundo os padrões morais vigentes ao tempo do Profeta
Maomé. Não esqueçamos que os Talibã proibiam as mulheres de saírem de casa.
Hoje, mais de 2 milhões de meninas frequentam escolas; mais de 300 mil crianças
afegãs mantêm contas Facebook; 70% da população é constituída de jovens de
menos de 25 anos. Todos esses fatores pesarão muito, se houver eleições limpas.
Abdullah Abdullah |
Se Sayyaf
vencer as eleições presidenciais, a coalizão chefiada por ele aprofundará e
cimentará laços com a OTAN como organização que garantirá apoio ao Afeganistão
em tempos de dificuldades (sinal claro de que espera receber as bênçãos dos
EUA). Sayyaf prometeu manter-se fiel ao princípio da igualdade no processe da
reconciliação nacional de todas as nacionalidades incluindo os tadjiques,
uzbeques e hazaras, que jamais antes tiveram qualquer chance real de ter
presidente saído de seus respectivos grupos étnicos.
Dessa vez,
Abdullah Abdullah, ex-líder da Aliança do Norte, também concorre. Obteve seu
registro eleitoral dois dias antes de Sayyaf. Não se exclui a possibilidade de
os dois organizarem alguma espécie de ação conjunta contra os Talibã, os quais
jamais partilharam o poder com os vindos do norte do país.
No
momento, como mostra a experiência do governo Karzai, é impossível falar sobre
unidade afegã sem a inclusão das minorias nacionais e religiosas. Se se criarem
determinadas circunstâncias, os eleitores da Aliança do Norte podem vira a
apoiar Sayyaf, se não surgir rivais significativos. O ministro de Assuntos
Exteriores Zalmai Rassoul; o liberal Ashraf Ghani; Qayum Karzai, irmão do atual
presidente, todos concorrem e têm esperanças de ser eleitos. A questão é
definir os principais patrocinadores, inclusive os que vivem no exterior.
(Continua)
__________________________
[*] Nikolay Bobkin; PhD em Ciências Militares,
professor associado e pesquisador sênior no Center for Military-Political
Studies, Institute of the U.S.A. & Canada. Colaborador especialista
na revista online New Eastern Outlook. Escreve habitualmente para
diversos sites e blogs tais como: Strategic Culture, Troubled
Kashmir, Make Pakistan Better e muitos outros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.