Todos os golpes da CIA são o mesmo golpe
2/10/2013, [*] John Prados, Blog Unredacted (Arquivos da Segurança Nacional dos EUA)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Nós da família [de
João Goulart] estamos fazendo tudo que está ao nosso alcance para elucidar esse
caso. Eu sempre digo o seguinte: a exumação é apenas um dos meios para se
chegar à verdade depois de tanto tempo. A Justiça brasileira tem que cumprir o
seu papel legal, constitucional e, principalmente, soberano. Pedimos ao
Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul que abrisse uma ação cautelar
para nós solicitarmos a oitiva dos agentes americanos que tinham conhecimento da
operação que estão sob proteção do Estado americano e moram dentro dos Estados
Unidos [João
Vicente Goulart, em entrevista à Deutche Welle Brasil, 5/12/2013].
Ngo Dinh Diem assassinado. Essa foto
foi tirada por um funcionário dos EUA em serviço no Vietnã, nunca identificado; está arquivada nos US National Archives (USNA) [Arquivos Nacionais dos EUA]. |
Ngo Dinh Diem |
Com outubro
já chegando a novembro, nos aproximamos do 50º aniversário do golpe militar
apoiado pelos EUA no Vietnã do Sul, que derrubou o governo e resultou no
assassinato do governador de Saigon, Ngo Dinh Diem e de eu irmão e alter ego
Ngo Dinh Nhu. Embora generais do Vietnã do Sul sejam os responsáveis diretos
pelo golpe de Estado, o governo Kennedy apoiou-os com entusiasmo e lhes
ofereceu o apoio da CIA.
Essa
história foi objeto da Conferência “Vietnam, 1963”, semana passada. O
golpe e muitas outras questões pertinentes foram discutidas na Conferência
organizada pelo Centro Vietnã e Arquivos da Universidade Texas Tech,
co-organizada pelo Projeto História Internacional da Guerra Fria do Wilson Center e pela Administração dos
Arquivos e Gravações Nacionais dos EUA, nos dia 26-28/9/2013.
O papel da
CIA no golpe em Saigon já está há muito tempo estabelecido, mas ainda restam
controvérsias sobre quando e como o presidente John F. Kennedy passou a
investir todo seu peso no apoio a generais golpistas do Vietnã do Sul.
Daniel Ellsberg |
Versão
muito amplamente aceita [mas que Ellsberg, nos “Pentagon Papers”,
põe em dúvida (NTs)] afirma que “uma claque [orig. a cabal] de altos
funcionários conspiradores” de Washington, entre os quais o vice-secretário
de Estado, W. Averell Harriman; o vice-secretário de Estado para o Extremo
Oriente, Roger A. Hilsman; e o secretário do Conselho de Segurança Nacional,
Michael Forrestal teriam conspirado para que as coisas acontecessem como
aconteceram. Segundo essa versão, aquela “claque de conspiradores” esperaram
que o governo estivesse fora de Washington, num fim-de-semana em agosto de
1963, e aproveitaram o momento para fazer chegar uma instrução ao embaixador
dos EUA, Henry Cabot Lodge, no sentido de que desse apoio ao golpe dos
generais. Segundo essa narrativa, outros altos funcionários, principalmente o
diretor da CIA, John McCone, ficaram enfurecidos quando souberam da manobra e
denunciaram o que ficou conhecido como “Hilsman cable” [ou “Telegrama 243”,
datado de 24/8/1963] em reunião do Conselho de Segurança Nacional dos EUA do
dia 26/8/1963, o que teria levado o presidente Kennedy a rescindir
as instruções enviadas a Cabot Lodge.
John Kennedy |
No final de
2009, os Arquivos Nacionais reuniram e apresentaram novas provas
desse caso,[atualizadas em 1/11/2013 (NTs)] entre as quais as gravações reais de
áudio das reuniões do Conselho de Segurança Nacional dos EUA sobre o Vietnã
realizadas durante aquela semana crucial em 1963, provavelmente porque o
presidente Kennedy tinha um sistema de gravação instalado em seu escritório na
Casa Branca e no “Cabinet Room”, onde eram realizadas as reuniões do Conselho
de Segurança Nacional. Essa prova, combinada com documentos relevantes da mesma
época, mostram que essa versão padrão da história do telegrama de Hilsman não é
acurada. Apresentei as provas e o caso, na Conferência Texas Tech.
A tal
“claque” de funcionários de Washington não estava simplesmente conspirando
para enviar um telegrama de instruções: estava respondendo a específica
demanda de generais vietnamitas, que pediam resposta no mesmo dia. Foi
coincidência que, naquele dia, os principais decisores estivessem ausentes de
Washington. Embora os funcionários do governo estivessem divididos em facções
baseadas nas respectivas preferências políticas, o “telegrama Hilsman” foi
redigido pelas vias normais e liberado pelos procedimentos habituais.
Michael
Forrestal, secretário do Conselho de Segurança Nacional, deu a Kennedy duas
oportunidades [itálicos no orig. (NTs)] para deter a ação: uma ao comunicar
que havia uma instrução em preparação; a segunda, quando entregou o rascunho da
resposta ao presidente.
As
gravações de áudio das reuniões do Conselho de Segurança Nacional do dia
26/8/1962 mostram claramente que os participantes só discutiram detalhes
instrumentais com vistas a facilitar o apoio dos EUA a um golpe já preparado
pelos generais sul-vietnamitas. Nenhum dos presentes fez qualquer objeção à
política básica.
Ainda mais
evidente: o tom das falas, nas fitas gravadas, não sugere qualquer
‘fúria’ contra membros de alguma “claque” de outros altos funcionários.
Robert Kennedy |
Muitos dos
historiadores que relatam a versão antiga da história do “telegrama Hilsman”
basearam-se numa entrevista (história oral) que Robert F. Kennedy gravou em
meados dos anos 60s. Pelas gravações, sabe-se que Robert Kennedy não esteve
presente na reunião do dia 26/8/1962 do Conselho de Segurança Nacional [itálicos
no orig. (NTs)].
Os
funcionários de Washington mantiveram a mesma atitude antes e depois da
reunião. A CIA, por exemplo, teria sido o centro da “oposição”. Mas as fitas
gravadas mostram que o chefe de operações da CIA no Extremo Oriente, William E.
Colby, reuniu-se com Roger Hilsman imediatamente depois [itálicos no
orig. (NTs)] daquela reunião do Conselho de Segurança Nacional; e que Colby
esteve em contato com Hilsman duas vezes mais frequentemente nos dias depois de
o apoio ao golpe ter sido decidido do que na semana anterior.
Mais que
isso: antes de outra reunião com o presidente, dia 28/8, Colby falou várias
vezes com Hilsman e parece ter ensaiado o briefing do Conselho de
Segurança Nacional para o funcionário do Departamento de Estado. Depois [itálicos
no orig. (NTs)] daquela reunião presidencial, Colby enviou instruções para a
base da CIA em Saigon, para que listassem figuras do Vietnã do Sul adequadas
para substituir Diem, ao mesmo tempo em que Hilsman instruía o embaixador Lodge
a andar devagar nos planos para o golpe.
Mas a
instrução para andar mais devagar foi efeito de novo relatório da CIA, que
informava que os generais estavam adiando seus planos. Mas enquanto os
sul-vietnamitas adiavam, os EUA continuaram nos preparativos decididos na
discussão original do Conselho de Segurança Nacional. Essa prova está exposta
em detalhes no Electronic Briefing Book n. 302.
Em resumo,
os EUA decidiram, sim, em agosto de 1963, apoiar um golpe em Saigon, se Diem
não se livrasse de seu irmão Ngo Dinh Nhu. Tomada a decisão, como política
básica, jamais se afastaram dela nem reduziram o apoio.
[*] John Prados
é um analista de segurança nacional sediado em Washington, DC. Prados é Ph.D. pela
Universidade de Columbia em Ciência Política (Relações Internacionais) e
concentra-se em poder presidencial, relações internacionais, inteligência e assuntos
militares. É um Diretor Geral do projeto com o Arquivo de Segurança Nacional da
Universidade George Washington. Prados lidera projetos de documentação do
Arquivo para o Vietnã e para a CIA, é co-diretor do projeto Iraque, e ajuda com
projeto de Afeganistão. Seu livro mais recente é Islands of Destiny: The Solomons Campaign and the Eclipse of the Rising
Sun (NAL/Caliber). Seu próximo livro
é uma obra sobre as operações da CIA. Outros trabalhos recentes incluem Normandy Crucible: The Decisive Battle That Shaped
World War II in Europe (NAL/Caliber), Vietnam: The History of an Unwinnable War, 1945-1975 (University Presses of Kansas), vencedor
do Henry Adams Prize em História Americana; e How the Cold War Ended: Debating and Doing History
(Potomac). Prados também é autor de
dezesseis outros livros, com títulos sobre a segurança nacional, a presidência
norte-americana, a inteligência, a história diplomática e militar, incluindo o
Iraque, o Vietnã, a União Soviética e a Segunda Guerra Mundial. Foi pioneiro em
contar a história do Conselho de Segurança Nacional em Keepers of the Keys, e The
Soviet Estimate: U.S. Intelligence and Soviet Strategic Forces (um
recurso fundamental na compreensão de poder militar soviético).
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