13/12/2013, [*] Simon Jenkins, The Guardian, UK
Traduzido por João Aroldo
A guerra contra a guerra às drogas é a
única guerra que importa. A postura do Uruguai levam a ONU e os EUA à vergonha.
O Uruguai não somente legalizou o consumo da maconha, mas corajosamente também sua produção e venda. Ilustração de Satoshi Kambayashi |
Eu pensava
que as Nações Unidas fossem um lugar inofensivo de conversa oca, com empregos
livres de impostos para burocratas que, de outra maneira, estariam
desempregados. Agora eu percebo que é uma força do mal. Sua resposta para uma
tentativa verdadeiramente significativa para combater uma ameaça global – o
novo regime de drogas do Uruguai – foi declarar que ele “viola leis
internacionais”.
Ver a maré
mudar quanto às drogas é como tentar detectar um movimento de uma geleira. Mas
ela está se movendo. O estatuto de quarta-feira foi introduzido pelo presidente
uruguaio, José Mujica, “para livrar as futuras gerações desta praga”. A praga
não são as drogas em si, mas a guerra a elas, que coloca a juventude do mundo à
mercê de traficantes criminosos e à prisão arbitrária. Mujica declarou-se um
legalizador relutante, mas determinado a “tirar os usuários dos negócios
clandestinos. Nós não defendemos a maconha ou qualquer outro vício, mas pior que
qualquer droga é o tráfico”.
Uruguai vai
legalizar não só o consumo de maconha, mas crucialmente, sua produção e venda.
Os usuários devem ser maiores de 18 anos e uruguaios registrados. Enquanto
pequenas quantidades podem ser cultivadas privadamente, empresas vão produzir
cânhamo sob licença estatal e os preços serão estabelecidos para minar
traficantes. O país não tem um problema na escala da Colômbia ou México –
apenas 10% dos adultos admitem usar maconha – e reforçam que a medida é
experimental.
Esta
abordagem comedida está muito à frente mesmo de estados americanos como Colorado e Washington, que
legalizaram tanto o uso recreativo como o consumo medicinal da maconha,
mas não a produção. Apesar da lei uruguaia não cobrir outras drogas, ao negar
aos traficantes uns 90% estimados de seu mercado, a esperança é tanto minar o
grosso do mercado criminoso e diminuir a efeito de porta de entrada a outras
drogas pelos traficantes.
A coragem
de Mujica não deveria ser menosprezada.
José Mujica, Presidente do Uruguai |
Seu país é
um país levemente antiquado, e dois terços dos
entrevistados se opuseram à medida, apesar disto ser acima de 3%
uma década atrás. Além disso, alguns lobbies pró-legalização se opõem à
nacionalização de facto. Uma questão em aberto é se um cartel estatal
será tão eficaz como o livre mercado regulado. Mas o secretário de drogas,
Julio Calzada, é contundente: “Há 50 anos nós estamos
tentando tratar o problema das drogas apenas com uma ferramenta – penalização –
e isso fracassou. Como resultado, temos mais consumidores,
organizações criminosas maiores, lavagem de dinheiro, tráfico de armas e danos
colaterais”.
Raymond Yans |
A resposta
do Painel Internacional de Controle de Narcóticos da ONU (International Narcotics Control Board) foi entoar clichês fúteis. “A
medida”, disse o diretor Raymond Yans, “colocaria em perigo os jovens e
contribuiria para um prematuro início de dependência”. Ela também estaria
rompendo com “um tratado universalmente aceito e aprovado”. Apesar disso, a ONU
admite que meio século de tentativa de supressão levou a 162 milhões de usuários de
maconha no mundo todo, ou 4% da população adulta total.
Mujica, com
seus 78 anos, nota a ironia que muitos de seus contemporâneos sul-americanos
concordam com ele, mas só após deixarem o governo. Fernando Henrique Cardoso,
do Brasil; Ernesto Zedillo, do México; e César Gaviria, da Colômbia, todos eles
propõem a descriminalização do mercado de drogas para que possam começar a
regular um comércio cujos operadores rivais estão matando milhares de pessoas
todos os anos.
O valor do
tráfico de drogas só é menor que o do tráfico de armas . Mesmo assim, os EUA
resistem à descriminalização para que possam continuar a combater a produção de
cocaína e ópio na América Latina e Afeganistão, para evitar enfrentar o
verdadeiro inimigo: o consumo doméstico, que está fora de controle.
Por tudo
isso, a futilidade da supressão está levando a leis decadentes no ocidente. Vinte estados
norte-americanos legalizaram o uso medicinal da maconha. A
Califórnia rejeitou por pouca margem taxar o consumo (recusando algo em torno
de 1,3 bilhão de dólares em receita anual) e ainda pode voltar atrás. O uso de
drogas é aceito em boa parte da América Latina e, de fato, na Europa. Mesmo na
Inglaterra, onde a posse pode ser punida com cinco anos de
prisão, apenas 0,2% dos casos julgados resultam em tal sentença.
Os usuários de drogas mais intensos estão nas próprias prisões do estado. A lei
efetivamente desabou.
A dificuldade
agora é resolver a inconsistência de autoridades “fazendo vista grossa” ao
consumo enquanto deixam a oferta (e assim, o marketing) não taxado e não
regulado nas mãos dos traficantes de drogas. Isto é quase um subsídio estatal
ao crime organizado. A indulgência pode salvar a polícia e os tribunais do
custo da aplicação da lei, mas deixa todas as ruas abertas a um enorme risco,
da maconha ao uso de drogas pesadas.
Acabar com
esta inconsistência requer ação dos legisladores. Mas eles continuam reféns de
uma combinação legal de tabu, tribalismo e medo da mídia. A política britânica
quanto a todos os entorpecentes e narcóticos (do álcool ao benzodiazepam) é
caótica e perigosa. O governo (inglês) admitiu na quinta-feira sua “incapacidade
controlar as “drogas legais”, novas, inventadas toda semana. Eles
estão correndo com laboratórios ambulantes mostrando mandados de prisão e
proibição como os Keystone Cops, a seguir:
A
catástrofe de morte e anarquia que a fracassada supressão de drogas levou ao
México e a outros narcoestados faz a obsessão ocidental com a guerra às drogas
parecer uma atração secundária insignificante. O caminho para fora desta
escuridão está sendo mapeado não no velho, mas no novo mundo, cujos heroicos
legisladores merecem receber um prêmio Nobel da Paz. Foram eles que assumiram o
desafio de combater a guerra que realmente importa – a guerra contra a guerra
às drogas. É significativo que os países mais corajosos são os menores. Graças
a Deus pelos países menores.
_______________
[*] Simon Jenkins é jornalista e escritor. Escreve artigos para o The Guardian e para rádio e TV da BBC. Foi editor do Times
e do London Evening Standard. Atualmente também dirige o National Trust. Seu
último livro é England's Hundred Best
Views.
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