28/12/2013, [*] Nil Nikandrov,
Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Rafael Correa, Presidente do Equador |
Rafael
Correa é um dos presidentes latino-americanos que os círculos governamentais
norte-americanos consideram incontroláveis e, portanto, especialmente
perigosos. Para livrar-se desse tipo de político [eleito], Washington usa um
vasto arsenal de meios, desde interferir no processo eleitoral até a eliminação
física. Depois da estranha morte de Hugo Chavez, que liderava a resistência
latino-americana contra o Império, é Correa que, cada dia mais, vem sendo visto
como seu sucessor, o líder de “forças populistas” no continente.
No
centro das atividades de política externa de Correa está o
fortalecimento de organizações regionais latino-americanas nas quais não
há representante dos EUA: a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e
do Caribe (CELAC), a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), a Aliança
Bolivariana para os Povos da América (ALBA) e outras. Correa sempre
apoiou as iniciativas de Hugo Chávez que
viabilizaram uma menor dependência da região em relação ao Império, o
esvaziamento da Doutrina Monroe no Hemisfério Ocidental e a interação
entre países latino-americanos com outros centros de poder. Nessa
direção, o Equador está fixando um novo padrão e um exemplo, ao
estabelecer relações amplas com China e Rússia nos campos político,
econômico e militar. A presença dos EUA no país está diminuindo, e o
governo Obama tenta romper essa tendência. O presidente Correa foi
declarado principal responsável pela deterioração das relações
EUA-Equador.
Foi Correa
quem iniciou a campanha internacional contra a empresa Chevron. A Corte de
Arbitragem em Haia dispensou a empresa de ter de pagar multas de vários bilhões
de dólares por poluir a bacia do Rio Amazonas em território do Equador. Correa
não aceitou a decisão, que o Equador considerou humilhante e injustificada.
Visitou pessoalmente a zona do desastre e mostrou a jornalistas e câmeras de
televisão as mãos cobertas de óleo cru deixado a vazar num antigo ponto de
extração, e disse: “Esse é o resultado de a empresa usar aqui tecnologias
ultrapassadas”.
Correa conclamou
os consumidores a não comprar produtos da Chevron. Um tribunal equatoriano
acolheu processo iniciado por índios que habitam a área do desastre ecológico,
que exigiu que a empresa pagasse multa de 19 bilhões de dólares em danos ao
meio ambiente e contra a saúde da população. Fazendo bom uso da grande
experiência que acumulou nesses processos, Chevron conseguiu obter uma sentença
favorável da Corte Internacional de Arbitragem em Haia.
UNASUL |
Mas Correa
não desistiu. Obteve o apoio da UNASUR e da ALBA e conclamou a comunidade
internacional a manifestar solidariedade ao Equador. Já não há propriedades da
empresa Chevron no Equador, mas a multa exigida pelos equatorianos poderá ser
paga com propriedades da empresa na Argentina, Brasil ou Canadá – o que implica
graves consequências financeiras para a empresa.
O governo
Obama decidiu defender os interesses da Chevron a qualquer custo. Esse é um dos
fatores pelos quais está direcionando os serviços secretos dos EUA para que
deem solução radical ao “problema Correa”.
O
presidente do Equador também trabalha contra o avanço da Aliança do Pacífico,
um dos projetos geopolíticos dos neoliberais de Washington e que inclui México,
Colômbia, Peru e Chile. A Aliança foi criada para neutralizar o bloco da ALBA,
e a presença do Equador na ALBA não contribui para os objetivos estratégicos
dos EUA naquela região do Pacífico.
A
espionagem dos serviços secretos dos EUA contra o presidente do Equador é cada
dia mais visível. Conversas telefônicas e comunicações em geral interceptadas no
círculo mais próximo do presidente, de seus agentes de segurança e de sua
escolta pessoal ajudam os norte-americanos a saber de todos os movimentos do
presidente, eventos aos quais comparece, listas de participantes e sistemas de
segurança. O monitoramento ininterrupto oferece farto material para identificar
pontos de vulnerabilidade na organização da segurança. Recentemente, na sua já
tradicional fala dos sábados, por televisão, o presidente Correa falou aos
equatorianos sobre a suspeita concentração de pessoal militar na embaixada dos
EUA em Quito.
Todas as embaixadas têm adidos militares – disse
Correa. – A maioria, tem um. Mas aqui no
Equador eles têm mais de 50!
Ricardo Patino |
Disse
também que instruiu o Ministro de Relações Exteriores, Ricardo Patino, que:
(...) verifique essa informação! Esse número
gigante de militares norte-americanos aqui não é possível! Terão de reduzi-lo
ao nível normal.
O
presidente também exigiu que seja investigado um incidente na fronteira
Equador-Colômbia, de queda de um helicóptero equatoriano, com vários militares
dos EUA a bordo. A preocupação de Correa é compreensível; a base dos EUA em
Manta foi fechada em 2009, mas assessores militares do Pentágono e agentes dos
serviços secretos dos EUA continuam a manter operações em território
equatoriano sem qualquer limitação.
A
intensificação da espionagem e de atividades de subversão por agentes
norte-americanos no Equador é óbvia. Segundo informação obtida de especialistas
cubanos, divulgadas pelo site Contrainjerencia.com, só o número de agentes da CIA
já dobrou, entre 2012-2013, na “base” equatoriana. Dúzias de novos agentes
chegaram ao país. Operam não só a partir da embaixada dos EUA em Quito, onde
há, no mínimo, uma centena de diplomatas (!), mas também usam o consulado em
Guaiaquil. Para criar acomodações para o número crescente de agentes
norte-americanos de espionagem (“pessoal de inteligência”) nessa importante
cidade portuária, estrategicamente crucial, o Departamento de Estado teve de
construir um novo prédio para o consulado, o qual, segundo agência de
inteligência que colabora com o Equador, abriga o equipamento eletrônico da
Agência de Segurança Nacional dos EUA. O cônsul dos EUA em Guaiaquil é David
Lindwall, chegado ao país depois de ter servido no Iraque como Conselheiro de Assuntos
Político-Militares. Lindwall também serviu como Adido Político nas embaixadas
em Bogotá, Manágua, Tegucigalpa, Assunção e outras capitais latino-americanas.
David Lindwall |
O nome de
Lindwall aparece com alta ocorrência nos telegramas diplomáticos distribuídos por
WikiLeaks. Qualquer rápida pesquisa nos telegramas assinados por ele obriga a
concluir que Lindwall é experiente funcionário de carreira da CIA, muito
informado sobre a América Latina, enviado ao Equador para resolver problemas
muito sensíveis.
O presidente
Correa várias vezes falou dos EUA como “potência arrogante” que tenta impor ao
mundo o que entende que sejam “valores democráticos universais” e vive a dar
aos outros “lições de moral e boas maneiras”. O presidente frequentemente
repete que os EUA têm um dos sistemas eleitorais mais imperfeitos do mundo, que
permite a eleição de candidatos derrotados nas urnas. Correa considera
“insultantes” as tentativas da Agência de Desenvolvimento Internacional
(USAID), para impor padrões da democracia norte-americana ao Equador e outros
países, como se fossem colônias dos EUA. Recentemente, ao comentar o fim do
financiamento que a USAID dava a projetos no Equador, no valor de 32 milhões de
dólares, Correa sugeriu, não sem sarcasmo, que Washington aplicasse a mesma
quantia para aprimorar a democracia norte-americana.
O
escritório da USAID está deixando o Equador, mas as operações de espionagem dos
EUA para desestabilizar o país continuam. Ao que tudo indica, novos ataques
nessa área podem estar em conexão com planos de Correa para reduzir o tamanho
das forças armadas e transferir parte do pessoal militar para as agências
policiais. “Exércitos de dissidentes” anônimos já divulgaram declaração hostil
a Correa e suas “tentativas para tomar o lugar de Chávez no continente”. Até o
palavreado indica quais são as forças por trás da campanha que está sendo
lançada contra Correa.
Durante
levante policial em setembro de 2010, o presidente do Equador foi apanhado no
fogo cruzado de atiradores postados em prédios; daquela vez, escapou ileso. É
perfeitamente possível que a inteligência dos EUA esteja planejando coisa
semelhante para futuro próximo. Afinal, depois dos ataques contra New York em 2001, as agências
norte-americanas de espionagem receberam carta branca para eliminar todos os
declarados inimigos dos EUA. Ninguém cancelou essa ordem.
_____________________
[*] Nil Nikandrov é um jornalista sediado em Moscou cobrindo a política da América Latina e
suas relações com os EUA; crítico ferrenho das
administrações neoliberais sobre as economias nacionais latino-americanas. Especializou-se em desmascar os
esforços feitos pela CIA e outros serviços de inteligência ocidentais para
minar governos progressistas na América Latina. Autor de vários livros - tanto
de ficção e estudos documentais - dedicados a temas latino-americanos,
incluindo a primeira biografia em língua russa de Hugo Chávez.
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