29 janeiro de 2014, [*] Eric Draitser,
Counterpunch
The Menace Across
the European Continent
Traduzido por João Aroldo
Neofascistas queimam ônibus em Kiev (24/1/2014) |
A
violência nas ruas da Ucrânia é muito mais do que uma expressão de
raiva popular contra o governo. Em vez disso, ela é apenas o mais
recente exemplo da ascensão da forma mais insidiosa do fascismo vista na
Europa desde a queda do Terceiro Reich.
Nos
últimos meses houve protestos regulares pela oposição política
ucraniana e seus apoiadores - protestos aparentemente em resposta à
recusa do presidente ucraniano, Yanukovich, em assinar um acordo
comercial com a União Europeia, o que foi visto por muitos observadores
políticos como o primeiro passo para a integração europeia. Os protestos
permaneceram em grande parte pacíficos até o dia 17 de janeiro, quando
manifestantes, armados com porretes, capacetes e bombas improvisadas,
desencadearam a violência brutal contra a polícia, atacando prédios do
governo, batendo em qualquer pessoa suspeita de simpatias pró-governo e,
geralmente, causando estragos nas ruas de Kiev. Mas quem são esses
extremistas violentos e qual é a sua ideologia?
Vitali Klitschko, ex-campeão mundial de box, um dos líderes da oposição neofascista ucraniana |
A
formação política é conhecida como “Pravy Sektor” (Setor Direita), que é
essencialmente uma organização guarda-chuva para vários grupos
ultranacionalistas (leia-se fascistas) de direita, incluindo os
apoiadores do Partido “Svoboda” (Liberdade), “Patriotas da Ucrânia”,
“Assembleia Nacional da Ucrânia - Autodefesa Nacional Ucraniana”
(UNA-UNSO), e “Trizub”. Todas essas organizações compartilham uma
ideologia comum que é veementemente antirussa, anti-imigrantes e
antijudaica, entre outras coisas. Além disso, eles compartilham uma
reverência comum pela chamada “Organização dos Nacionalistas
Ucranianos”, liderada por Stepan Bandera, os infames colaboradores
nazistas que lutaram ativamente contra a União Soviética e se envolveram
em algumas das piores atrocidades cometidas por qualquer lado na
Segunda Guerra Mundial.
Enquanto
as forças políticas ucranianas, oposição e governo, continuam
negociando, uma batalha muito diferente está sendo travada nas ruas.
Usando intimidação e força bruta mais típica de “camisas marrons” de
Hitler ou “camisas negras” de Mussolini do que de um movimento político
contemporâneo, esses grupos conseguiram transformar um conflito sobre a
política econômica e as alianças políticas do país em uma luta
existencial pela própria sobrevivência da nação que estes assim chamados
“nacionalistas” dizem amar tanto. As imagens de Kiev em chamas, ruas de
Lviv cheias de bandidos, e outros exemplos assustadores do caos no
país, ilustram, sem sombra de dúvida, que a negociação política com a
oposição Maidan (praça central de Kiev e centro dos protestos) agora não
é mais a questão central. E, ao invés disso, é a questão do fascismo
ucraniano e, se é, ele será apoiado ou rejeitado.
Neofascistas constroem barricadas de pneus e veículos incendiados (25/1/2014) |
Por
sua vez, os Estados Unidos se colocaram fortemente do lado da oposição,
independentemente de seu caráter político. No início de dezembro, os
membros do establishment dominante
dos EUA, como John McCain e Victoria Nuland, foram vistos em Maidan
dando seu apoio aos manifestantes. No entanto, como o caráter da
oposição tornou-se evidente nos últimos dias, os EUA e a classe
dominante ocidental e sua máquina de mídia têm feito pouco para condenar
o surto fascista. Em vez disso, seus representantes se reuniram com
representantes do Setor Direita e não os consideraram uma “ameaça”. Em
outras palavras, os EUA e seus aliados deram a sua aprovação tácita para
a continuação e proliferação da violência em nome de seu objetivo
final: mudança de regime.
Neofascistas preparam coquetéis molotov para enfrentar a polícia |
Em
uma tentativa de tirar a Ucrânia da esfera de influência russa, a
aliança EUA-UE-OTAN, e não pela primeira vez, aliou-se aos fascistas. É
claro que, durante décadas, milhões na América Latina desapareceram ou
foram assassinados por forças paramilitares fascistas armadas e apoiadas
pelos Estados Unidos. Os mujahideen do
Afeganistão, que mais tarde se transformaram em Al Qaeda, também
reacionários ideológicos radicais, foram criados e financiados pelos
Estados Unidos para desestabilizar a Rússia. E, claro, há a realidade
dolorosa da Líbia e, mais recentemente, da Síria, onde os Estados Unidos
e seus aliados financiam e apoiam jihadistas extremistas
contra um governo que se recusou a se alinhar com os EUA e Israel. Há
um padrão perturbador aqui que nunca foi perdido pelos observadores
políticos mais atentos: os Estados Unidos sempre fazem causa comum com
os extremistas de direita e fascistas para ganho geopolítico.
A
situação na Ucrânia é profundamente preocupante, pois representa uma
conflagração política que poderia muito facilmente despedaçar o país
menos de 25 anos após a sua independência da União Soviética. No
entanto, há outro aspecto igualmente preocupante para a ascensão do
fascismo no país – não é só na Ucrânia.
A Ameaça Fascista pelo Continente
A
Ucrânia e a ascensão do extremismo de direita não podem ser vistas, e
muito menos entendidas, de forma isolada. Em vez disso, isso deve ser
examinado como parte de uma tendência crescente em toda a Europa (e
mesmo no mundo) - uma tendência que ameaça os próprios fundamentos da
democracia.
Passeata do Aurora Dourada (Golden Dawn) em Atenas |
Na Grécia, a austeridade selvagem imposta pela troika (FMI,
BCE e Comissão Europeia) paralisou a economia do país, levando a uma
depressão tão ruim, se não pior, do que a Grande Depressão nos Estados
Unidos. É contra esse pano de fundo de um colapso econômico que o
partido Aurora Dourada (orig. Gol;den Dawn)
cresceu e se tornou o terceiro partido político mais popular do país.
Defendendo uma ideologia do ódio, a Aurora Dourada – de fato, um partido
nazista que promove chauvinismo antijudaico, anti-imigrantes,
antimulheres - é uma força política que o governo em Atenas entendeu
como uma séria ameaça para o próprio tecido da sociedade. É essa ameaça
que levou o governo a deter a liderança do partido depois de um nazista
da Aurora Dourada ter fatalmente esfaqueado um rapper antifascista.
Atenas lançou uma investigação sobre o partido, ainda que os resultados
desta investigação e julgamento permaneçam pouco claros.
O
que torna a Aurora Dourada uma ameaça tão insidiosa é o fato de que,
apesar de sua ideologia central do nazismo, a sua retórica anti-UE,
anti-austeridade atrai a muitos na Grécia economicamente devastada. Tal
como aconteceu com muitos movimentos fascistas do século 20, a Aurora
Dourada culpa os imigrantes, muçulmanos e africanos, principalmente, por
muitos dos problemas enfrentados pelos gregos. Em circunstâncias
econômicas terríveis, tal ódio irracional torna-se atraente, uma
resposta para a pergunta de como resolver os problemas da sociedade. De
fato, apesar dos líderes da Aurora Dourada estarem presos, outros
membros do partido ainda estão no parlamento, ainda concorrendo por
grandes cargos, incluindo para prefeito de Atenas. Embora uma vitória
eleitoral seja improvável, outra forte presença nas urnas vai tornar a
erradicação do fascismo na Grécia muito mais difícil.
Deputados da Aurora Dourada tomam posse no Parlamento grego em 2012 |
Se
tal fenômeno fosse confinado à Grécia e Ucrânia, não constituiria uma
tendência continental. Infelizmente, no entanto, vemos o surgimento de
partidos políticos semelhantes, embora ligeiramente menos abertamente
fascistas, por toda a Europa. Na Espanha, o Partido Popular
pró-austeridade governante transformou-se para estabelecer leis
draconianas que restringem a liberdade de expressão e de protesto, e
dando poder e sancionando táticas policiais repressivas. Na França, o
Partido Frente Nacional, de Marine Le Pen, que culpa veementemente os
imigrantes muçulmanos e africanos, ganhou quase vinte por cento dos
votos no primeiro turno das eleições presidenciais. Da mesma forma, o
Partido da Liberdade na Holanda - que promove políticas antimuçulmanos,
anti-imigrantes – já é o terceiro maior no parlamento. Por toda a
Escandinávia, os partidos nacionalistas, que antes operavam em completa
irrelevância e obscuridade, são agora players importantes nas eleições. Estas tendências são preocupantes, para dizer o mínimo.
Deve-se
notar, também, que, para além da Europa, há uma série de formações
políticas quase fascistas que são, de uma forma ou de outra, apoiadas
pelos Estados Unidos. Os golpes de direita que derrubaram os governos do
Paraguai e Honduras foram tacitamente e/ou abertamente apoiados por
Washington em sua busca aparentemente interminável para suprimir a
esquerda na América Latina. Claro, deve-se também lembrar que o
movimento de protesto na Rússia foi encabeçado por Alexei Navalny e seus
seguidores nacionalistas, que defendem uma ideologia racista
virulentamente antimuçulmanos que vê os imigrantes do Cáucaso russo e
ex-repúblicas soviéticas como abaixo dos “russos europeus”.
Stepan Bandera |
Estes
e outros exemplos começam a pintar um retrato muito feio da política
externa dos EUA, que tenta usar as dificuldades econômicas e agitação
política para expandir a hegemonia dos EUA pelo mundo.
Na
Ucrânia, o "Setor Direita" levou a luta da mesa de negociações para as
ruas, na tentativa de realizar o sonho de Stepan Bandera - uma Ucrânia
livre da Rússia, de judeus, e de todos os outros "indesejáveis", como
eles os veem. Estimulados pelo apoio contínuo dos EUA e da Europa, esses
fanáticos representam uma ameaça mais séria à democracia do que
Yanukovich e o governo pró-russo jamais poderiam ser. Se a Europa e os
Estados Unidos não reconhecem essa ameaça em sua infância, no momento em
que, finalmente, o fizerem poderá ser tarde demais.
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[*] Eric Draitser é Analista independente de Geopolítica com sede em Nova Yorque e
fundador do sítio Stop Imperialism. É
colaborador regular de Russia Today, Counterpunch, Research on Globalization, Press
TV, e muitos outros meios de comunicação. Produz também podcasts disponíveis no iTunes e Stop Imperialism, bem como The
Reality Principle, disponível exclusivamente no sítio BoilingFrogsPost.com.
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