sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Ucrânia e o Renascimento do Fascismo

29 janeiro de 2014, [*] Eric Draitser, Counterpunch
The Menace Across the European Continent
Traduzido por João Aroldo

Neofascistas queimam ônibus em Kiev (24/1/2014)
A violência nas ruas da Ucrânia é muito mais do que uma expressão de raiva popular contra o governo. Em vez disso, ela é apenas o mais recente exemplo da ascensão da forma mais insidiosa do fascismo vista na Europa desde a queda do Terceiro Reich.

Nos últimos meses houve protestos regulares pela oposição política ucraniana e seus apoiadores - protestos aparentemente em resposta à recusa do presidente ucraniano, Yanukovich, em assinar um acordo comercial com a União Europeia, o que foi visto por muitos observadores políticos como o primeiro passo para a integração europeia. Os protestos permaneceram em grande parte pacíficos até o dia 17 de janeiro, quando manifestantes, armados com porretes, capacetes e bombas improvisadas, desencadearam a violência brutal contra a polícia, atacando prédios do governo, batendo em qualquer pessoa suspeita de simpatias pró-governo e, geralmente, causando estragos nas ruas de Kiev. Mas quem são esses extremistas violentos e qual é a sua ideologia?

Vitali Klitschko, ex-campeão mundial de box, um dos líderes da oposição neofascista ucraniana 
A formação política é conhecida como “Pravy Sektor” (Setor Direita), que é essencialmente uma organização guarda-chuva para vários grupos ultranacionalistas (leia-se fascistas) de direita, incluindo os apoiadores do Partido “Svoboda” (Liberdade), “Patriotas da Ucrânia”, “Assembleia Nacional da Ucrânia - Autodefesa Nacional Ucraniana” (UNA-UNSO), e “Trizub”. Todas essas organizações compartilham uma ideologia comum que é veementemente antirussa, anti-imigrantes e antijudaica, entre outras coisas. Além disso, eles compartilham uma reverência comum pela chamada “Organização dos Nacionalistas Ucranianos”, liderada por Stepan Bandera, os infames colaboradores nazistas que lutaram ativamente contra a União Soviética e se envolveram em algumas das piores atrocidades cometidas por qualquer lado na Segunda Guerra Mundial.

Enquanto as forças políticas ucranianas, oposição e governo, continuam negociando, uma batalha muito diferente está sendo travada nas ruas. Usando intimidação e força bruta mais típica de “camisas marrons” de Hitler ou “camisas negras” de Mussolini do que de um movimento político contemporâneo, esses grupos conseguiram transformar um conflito sobre a política econômica e as alianças políticas do país em uma luta existencial pela própria sobrevivência da nação que estes assim chamados “nacionalistas” dizem amar tanto. As imagens de Kiev em chamas, ruas de Lviv cheias de bandidos, e outros exemplos assustadores do caos no país, ilustram, sem sombra de dúvida, que a negociação política com a oposição Maidan (praça central de Kiev e centro dos protestos) agora não é mais a questão central. E, ao invés disso, é a questão do fascismo ucraniano e, se é, ele será apoiado ou rejeitado.

Neofascistas constroem barricadas de pneus e veículos incendiados (25/1/2014)
Por sua vez, os Estados Unidos se colocaram fortemente do lado da oposição, independentemente de seu caráter político. No início de dezembro, os membros do establishment dominante dos EUA, como John McCain e Victoria Nuland, foram vistos em Maidan dando seu apoio aos manifestantes. No entanto, como o caráter da oposição tornou-se evidente nos últimos dias, os EUA e a classe dominante ocidental e sua máquina de mídia têm feito pouco para condenar o surto fascista. Em vez disso, seus representantes se reuniram com representantes do Setor Direita e não os consideraram uma “ameaça”. Em outras palavras, os EUA e seus aliados deram a sua aprovação tácita para a continuação e proliferação da violência em nome de seu objetivo final: mudança de regime.

Neofascistas preparam coquetéis molotov para enfrentar a polícia
Em uma tentativa de tirar a Ucrânia da esfera de influência russa, a aliança EUA-UE-OTAN, e não pela primeira vez, aliou-se aos fascistas. É claro que, durante décadas, milhões na América Latina desapareceram ou foram assassinados por forças paramilitares fascistas armadas e apoiadas pelos Estados Unidos. Os mujahideen do Afeganistão, que mais tarde se transformaram em Al Qaeda, também reacionários ideológicos radicais, foram criados e financiados pelos Estados Unidos para desestabilizar a Rússia. E, claro, há a realidade dolorosa da Líbia e, mais recentemente, da Síria, onde os Estados Unidos e seus aliados financiam e apoiam jihadistas extremistas contra um governo que se recusou a se alinhar com os EUA e Israel. Há um padrão perturbador aqui que nunca foi perdido pelos observadores políticos mais atentos: os Estados Unidos sempre fazem causa comum com os extremistas de direita e fascistas para ganho geopolítico.

A situação na Ucrânia é profundamente preocupante, pois representa uma conflagração política que poderia muito facilmente despedaçar o país menos de 25 anos após a sua independência da União Soviética. No entanto, há outro aspecto igualmente preocupante para a ascensão do fascismo no país – não é só na Ucrânia.

A Ameaça Fascista pelo Continente

A Ucrânia e a ascensão do extremismo de direita não podem ser vistas, e muito menos entendidas, de forma isolada. Em vez disso, isso deve ser examinado como parte de uma tendência crescente em toda a Europa (e mesmo no mundo) - uma tendência que ameaça os próprios fundamentos da democracia.

Passeata do Aurora Dourada (Golden Dawn) em Atenas
Na Grécia, a austeridade selvagem imposta pela troika (FMI, BCE e Comissão Europeia) paralisou a economia do país, levando a uma depressão tão ruim, se não pior, do que a Grande Depressão nos Estados Unidos. É contra esse pano de fundo de um colapso econômico que o partido Aurora Dourada (orig. Gol;den Dawn) cresceu e se tornou o terceiro partido político mais popular do país. Defendendo uma ideologia do ódio, a Aurora Dourada – de fato, um partido nazista que promove chauvinismo antijudaico, anti-imigrantes, antimulheres - é uma força política que o governo em Atenas entendeu como uma séria ameaça para o próprio tecido da sociedade. É essa ameaça que levou o governo a deter a liderança do partido depois de um nazista da Aurora Dourada ter fatalmente esfaqueado um rapper antifascista. Atenas lançou uma investigação sobre o partido, ainda que os resultados desta investigação e julgamento permaneçam pouco claros.

O que torna a Aurora Dourada uma ameaça tão insidiosa é o fato de que, apesar de sua ideologia central do nazismo, a sua retórica anti-UE, anti-austeridade atrai a muitos na Grécia economicamente devastada. Tal como aconteceu com muitos movimentos fascistas do século 20, a Aurora Dourada culpa os imigrantes, muçulmanos e africanos, principalmente, por muitos dos problemas enfrentados pelos gregos. Em circunstâncias econômicas terríveis, tal ódio irracional torna-se atraente, uma resposta para a pergunta de como resolver os problemas da sociedade. De fato, apesar dos líderes da Aurora Dourada estarem presos, outros membros do partido ainda estão no parlamento, ainda concorrendo por grandes cargos, incluindo para prefeito de Atenas. Embora uma vitória eleitoral seja improvável, outra forte presença nas urnas vai tornar a erradicação do fascismo na Grécia muito mais difícil.

Deputados da Aurora Dourada tomam posse no Parlamento grego em 2012
Se tal fenômeno fosse confinado à Grécia e Ucrânia, não constituiria uma tendência continental. Infelizmente, no entanto, vemos o surgimento de partidos políticos semelhantes, embora ligeiramente menos abertamente fascistas, por toda a Europa. Na Espanha, o Partido Popular pró-austeridade governante transformou-se para estabelecer leis draconianas que restringem a liberdade de expressão e de protesto, e dando poder e sancionando táticas policiais repressivas. Na França, o Partido Frente Nacional, de Marine Le Pen, que culpa veementemente os imigrantes muçulmanos e africanos, ganhou quase vinte por cento dos votos no primeiro turno das eleições presidenciais. Da mesma forma, o Partido da Liberdade na Holanda - que promove políticas antimuçulmanos, anti-imigrantes – já é o terceiro maior no parlamento. Por toda a Escandinávia, os partidos nacionalistas, que antes operavam em completa irrelevância e obscuridade, são agora players importantes nas eleições. Estas tendências são preocupantes, para dizer o mínimo.

Deve-se notar, também, que, para além da Europa, há uma série de formações políticas quase fascistas que são, de uma forma ou de outra, apoiadas pelos Estados Unidos. Os golpes de direita que derrubaram os governos do Paraguai e Honduras foram tacitamente e/ou abertamente apoiados por Washington em sua busca aparentemente interminável para suprimir a esquerda na América Latina. Claro, deve-se também lembrar que o movimento de protesto na Rússia foi encabeçado por Alexei Navalny e seus seguidores nacionalistas, que defendem uma ideologia racista virulentamente antimuçulmanos que vê os imigrantes do Cáucaso russo e ex-repúblicas soviéticas como abaixo dos “russos europeus”.  

Stepan Bandera
Estes e outros exemplos começam a pintar um retrato muito feio da política externa dos EUA, que tenta usar as dificuldades econômicas e agitação política para expandir a hegemonia dos EUA pelo mundo.

Na Ucrânia, o "Setor Direita" levou a luta da mesa de negociações para as ruas, na tentativa de realizar o sonho de Stepan Bandera - uma Ucrânia livre da Rússia, de judeus, e de todos os outros "indesejáveis", como eles os veem. Estimulados pelo apoio contínuo dos EUA e da Europa, esses fanáticos representam uma ameaça mais séria à democracia do que Yanukovich e o governo pró-russo jamais poderiam ser. Se a Europa e os Estados Unidos não reconhecem essa ameaça em sua infância, no momento em que, finalmente, o fizerem poderá ser tarde demais.
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[*] Eric Draitser é Analista independente de Geopolítica com sede em Nova Yorque e fundador do sítio Stop Imperialism. É colaborador regular de Russia Today, Counterpunch, Research on Globalization, Press TV, e muitos outros meios de comunicação. Produz também podcasts disponíveis no iTunes e Stop Imperialism, bem como The Reality Principle, disponível exclusivamente no sítio BoilingFrogsPost.com. Visite StopImperialism.com e acesse todas as suas postagens. 

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Sobre as drogas dos “Pacificadores”

24/1/2014, Nikolai Malishevski, Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Militar dos EUA-OTAN patrulha uma plantação de papoula (ópio) no Afeganistão
Pelo 3º ano consecutivo, o Afeganistão ocupado pela OTAN cultivou número recorde de papoulas do tipo que produz ópio. Segundo relatório do Gabinete da ONU para Drogas e Crimes [orig. United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC)], em 2013 as culturas de papoula de ópio no Afeganistão ocuparam a maior superfície de terra, ultrapassando todos os registros anteriores. Apesar das condições climatológicas desfavoráveis, sobretudo em áreas no oeste e no sul do país, as plantações para produção de ópio ocupavam um total de mais de 209 mil hectares, 36% a mais que no ano anterior.

Taxa de crescimento das plantações de papoula-ópio.
Tabela 1. Em duas décadas, segundo o relatório.
Tabela 2. Comparação (em %), de 2012 e 2013.
Oficialmente, o cultivo da papoula-ópio – principal componente para a produção de heroína – é proibido por lei no Afeganistão, embora o número de províncias nas quais a planta está sendo cultivada não pare de crescer. A produção de ópio alcançou a marca de 5.500 toneladas, mostrando crescimento de 49% em comparação com 2012.

A propaganda ocidental culpa os Talibã pela produção de ópio, ou representantes do regime, que estariam imersos no tráfico de drogas. Mas essas alegações não se confirmam, se se observa o que está realmente acontecendo.

O comando da OTAN diz que os Talibã

(...) opunham-se inicialmente às drogas, mas agora ou cultivam eles próprios, ou criam “impostos” sobre as colheitas das fazendas produtoras .

Mas os comandantes dos Talibã têm repetido, com insistência, que os mujahideen afegãos estão em luta de jihad contra as forças de ocupação; e que o Islã proíbe estritamente tanto o consumo de álcool quanto de drogas. E deve-se dizer que, sim, os islamistas fanáticos seguem essa regra ao pé da letra.

Militares da OTAN e plantadores de papoula (ópio) no Afeganistão
Quanto aos fantoches do ocidente, como Karzai e os que o cercam, aí, sim, há provas mais do que suficientes de envolvimento deles na produção e no comércio de drogas. Em outubro de 2013, eclodiu um escândalo em Kabul quando, durante inspeções no Afeganistão, descobriu-se que 65 altos funcionários da inteligência afegã eram dependentes de heroína. Alguns anos antes, se soubera que a CIA financiava Ahmed Wali Karzai, irmão mais moço do presidente Hamid Karzai, o qual era conhecido, já há mais de oito anos, como um dos principais traficantes de ópio na região.

Nikolai  Malishevski
Pesquisadores norte-americanos insistem que o tráfico de ópio nos EUA está sendo controlado por redes e cartéis que foram descobertos durante o caso “Irã-Contras” e que não suspenderam suas atividades desde os anos 1980s:

O pilar do regime de Karzai é o apoio que recebe do tráfico de drogas, e, para nós, esse pilar é intocável. Os EUA convertemos o Afeganistão no maior fornecedor mundial de heroína. E isso aconteceu sob o comando da CIA – observam aqueles pesquisadores.

Segundo informação recolhida de vários jornais de grande circulação (The Daily Mail, The New York Times, Pakistan Dail etc.), os principais fornecedores de heroína para o mercado global seriam:


  • Izzatullah Wasifi, governador da província Farah; presidente da Administração Geral Afegã Independente contra a Corrupção, cujas atribuições incluem o combate ao cultivo de papoulas e à produção de ópio, e amigo de infância de Hamid Karzai; e que foi preso por autoridades dos EUA, em julho de 1987, por tráfico de heroína de alto grau (!);
  • Jamil Karzai, presidente do Partido Nacional da Juventude Solidária do Afeganistão [orig. National Youth Solidarity Party of Afghanistan], membro do Conselho Nacional Afegão de Segurança e sobrinho de Hamid Karzai, que manteria relações de negócios com Haji Mohammad Osman, proprietário de um laboratório de produção de drogas no distrito de Achin, na província de Nangarhar (na pequena região do Damgal);
  • Abdul Qayum Karzai, membro da Câmara Baixa da Assembléia Nacional Afegã, ex-empregado da Unocal, empresa norte-americana, e irmão de Hamid Karzai, e que seria o grande barão da droga em Kandahar;
  • Shah Wali Karzai, irmão de Hamid Karzai, proprietários de campos de plantação de papoulas nas províncias de Kandahar, Nangarhar, Urozgan, Zabul, Paktia, Paktika e Helmand; e dúzias de autoridades do Executivo e do Judiciário afegãos, além de funcionários do Ministério de Relações Interiores do Afeganistão. 
Família Karzai em foto sem data. Em pé: Shah Wali Karzai, Ahmed Wali Karzai, 
Hamid Karzai, atual presidente, e Abdul Wali Karzai. Sentados: Abdul Ahmad Karzai, 
Qayum Karzai; Abdul Ahad Karzai, o patriarca, e Mahmoud Karzai.
Se se acredita na imprensa-empresa ocidental, os responsáveis pelos crimes de produção e tráfico são fantoches do ocidente, como a família Karzai e seu círculo, aos quais a mesma imprensa-empresa ocidental culpa pelo rápido crescimento do número de dependentes de heroína em todo o mundo.

Mas a verdade é que só 20% das papoulas-ópio são cultivadas nos distritos do norte e do centro do Afeganistão, que são as regiões controladas pelo governo Karzai.

Todo o resto da produção desse veneno tão lucrativo vem das províncias do sul, da fronteira com o Paquistão – áreas controladas pelas forças da OTAN. O principal centro de produção de drogas é a província de Helmand, que está sob comando de forças do exército britânico.

Áreas de cultivo de papoula (ópio/heroína) no Afeganistão em 2012
(clique na imagem para aumentar)
Em vez de ajudar os agricultores afegãos a mudar-se para colheitas alternativas, os “pacificadores” limitam-se exclusivamente a discutir por que a produção só aumenta; e, segundo provas recolhidas de fontes locais e internacionais, os “pacificadores” também participam ativamente do “negócio”. Alguns analistas estão atribuindo essa “participação” ao fato de que os EUA tentam por todos os meios evitar um conflito potencial contra os barões da droga, cujo apoio político é importante para a existência do governo Karzai.

Mas o que se vê, de fato, é que os EUA estão ignorando deliberadamente o elo que há entre o tráfico de drogas, a crescente instabilidade no Afeganistão e o crescimento de atividade terrorista na região. Dito de forma simples: se os EUA estão garantindo aos barões da droga toda a liberdade de que precisam para manter o “negócio” (em troca de apoio político ao governo de Karzai), os EUA estão, de fato, trabalhando contra os próprios objetivos pelos quais invadiram o Afeganistão: garantir paz e segurança ao país.

Thomas Ruttig
Especialistas ocidentais como Thomas Ruttig, co-diretor do centro de pesquisa independente Afghanistan Analysts Network, observa que:

(...) com a próxima retirada das forças da OTAN do Afeganistão, diminuiu muito a pressão, pelas autoridades, contra os plantadores de papoula-ópio. O relatório divulgado pela ONU diz, dentre outras coisas, que em 2013 as autoridades destruíram 24% de pés de papoula-ópio a menos, que antes.

Resultado: o Afeganistão está-se afirmando, consistentemente, como o maior fabricante de ópio do mundo, produzindo mais de 90% de tudo que o mundo produziu em 2013.

Há três anos, os mesmos analistas da ONU observaram que as papoulas estavam sendo cultivadas em apenas 14, das 34 regiões do país; no início de 2014, esse número já subiu para 20. Enormes plantações reapareceram em províncias do norte do Afeganistão, como Balkh e Faryab, nas quais a papoula-ópio havia sido declarada erradicada. Essas províncias afegãs são vizinhas de dois países da Commonwealth of Independent States (CIS, organização que reúne 11 repúblicas ex-soviéticas, inclusive a Rússia) – o Uzbequistão e o Turcomenistão.

Simultaneamente, se observa que está em andamento um processo para militarizar os grupos internacionais de drogas concentrados na região.

Viktor Ivanov, chefe do Serviço Federal de Controle das Drogas da Federação Russa [orig. Federal Drug Control Service of the Russian Federation (FSKN)], diz:

Viktor Ivanov
Já se vê que estão surgindo grupos armados que, vários deles, são ramificações dos cartéis de drogas no norte do Afeganistão. Esses grupos têm suas próprias unidades de combate (...) No Afeganistão, já está em andamento a rápida militarização de grupos ligados ao tráfico. De modo geral, são bem armados. Têm armas leves, armamento portátil, granadas e lança-granadas, e usam regularmente essas armas. O orçamento de grupos ligados aos tráfico como esses é de cerca de 18 bilhões de dólares norte-americanos. É dinheiro que obtêm da produção da droga, e motivo pelo qual esses grupos converteram-se em fator importante em tudo que tenha a ver com a situação política, econômica e criminal dentro dos estados da Ásia Central.

Já há muitos anos, os EUA vêm usando o tráfico de drogas para manter sua Guerra Fria contra os estados pós-soviéticos, porque consideram que a droga seria elemento eficiente para minar o potencial humano dos exércitos adversários naquelas áreas.


Às vésperas de se retirarem do Afeganistão, as forças de ocupação da OTAN tratam de reforçar a produção de papoulas-ópio, por todos os meios possíveis. Assim, contam com empurrar o conflito para confrontos cada vez mais violentos, usando grupos armados das máfias da droga, que se concentram ao longo da fronteira sul da ex-URSS. Por isso, lá circulam hoje tantas armas e tantos grupos armados mantidos pelo tráfico, mas que se ocultam por trás de “bandeiras” islamistas e de slogans “jihadistas”...

É a estrutura, enroladores!


[*] Adriano Benayon - 26.01.2014

Economistas escrevem copiosos e longos artigos sobre o quanto a taxa de câmbio do real, valorizada, prejudica a indústria local e contribui para a crise das contas externas apontada pelo déficit recorde nas transações correntes (TCs) com o exterior em 2013: US$ 81,4 bilhões.

2. Na realidade, é ainda maior, pois as contas foram contabilizadas como exportadas as plataformas de exploração de petróleo em atividade no País. Sem essa maquilagem, o déficit nas TCs  teria sido 10% maior.

3. Claro que a taxa de câmbio do real valorizada pode estimular as importações, mormente num país que está em vias de desindustrialização há decênios, e por incentivar gastos no exterior.

4. Entretanto, faz melhorar a relação de intercâmbio, pois as exportações brasileiras são cada vez mais intensivas de recursos naturais, as commodities, cuja comercialização depende pouco da competição de preços.

5. De fato, foi o grande superávit nas mercadorias, acima de US$ 100 bilhões, que possibilitou o pequeno saldo positivo, de US$ 2,6 bilhões, na balança comercial, em queda impressionante, decorrente do crescente e enorme déficit externo dos produtos industriais: nada menos que US$ 105 bilhões.

6. Na realidade, o déficit industrial chegou a US$ 113 bilhões, se expurgarmos a “mágica” das plataformas. É consequência da desindustrialização do Brasil, dominado pelo capital estrangeiro.

7. A valorização cambial decorre do afluxo de capitais do exterior, que funciona como uma droga, com efeitos altamente prejudiciais à economia, inclusive a própria dependência dessa droga.

8. Por sua vez, os capitais forâneos são atraídos por taxas de juros altas, tendo sido as dos títulos públicos, elevadas, agora, a 10,5% aa. Nos EUA os títulos até dois anos pagam menos de 0,3% aa., e lá a dívida externa, de US$ 16 trilhões, supera o PIB, e a pública ascende a US$ 17 trilhões.

9. O Banco Central, ilegalmente independente na prática, age a serviço dos bancos e empresas transnacionais, inclusive de brasileiros que aplicam diretamente do exterior. As autoridades monetárias servem assim os concentradores, os reais detentores do poder.


10. Entre os prejuízos decorrentes dos juros altíssimos, está o de os juros para as empresas produtivas serem um múltiplo dos títulos públicos, o que eleva o custo de produção de bens e serviços.

11. As grandes empresas e as transnacionais não padecem com essas taxas, pois são favorecidas com benigna TJLP (taxa de juros de longo prazo) aplicada pelo BNDES e por taxas também suaves da Caixa Econômica e de outros bancos públicos. 

12. Tudo isso é para fazer crescer os lucros das transnacionais, pois elas nem precisam de crédito - a que têm acesso no exterior a baixo custo - nem dependem de custos de produção baixos, porque, não sofrendo concorrência, aplicam os preços que desejam.

13. Ademais, elevado às nuvens pelos juros absurdos, o serviço da dívida federal absorve mais de 40% da despesa, impulsionado por taxas de juros acolhidas pelo governo, que, assim, perde capacidade de investimento e custeio.

14. Já se vê que as mazelas da economia brasileira são estruturais e não podem sanadas por medidas de política monetária ou fiscal, sem substituir o modelo dependente por um modelo econômico e social que atenda os interesses do País.

15. Assim, submisso ao modelo dependente, o governo não tem autonomia sequer para manejar as taxas de câmbio, nem as taxas de juros, nem praticar políticas expansionistas ou contracionistas da moeda e do crédito. 

16. O tenebroso art. 164 da Constituição dá todo o poder ao Banco Central para emitir moeda, para passá-la exclusivamente aos bancos privados, deixando sem recursos o setor público e o próprio Tesouro, assim obrigado a endividar-se com os bancos. Não bastasse tudo isso, suas disponibilidades de caixa têm que ser depositadas no Banco Central.


17.  As causas do descalabro são, portanto, estruturais, sistêmicas. Como também estas: 

a) a administração pública tornou-se incapaz de conduzir o desenvolvimento, com o Estado enfraquecido pelo serviço da dívida, e com as estatais incrivelmente capitalizadas pelo Estado antes de serem privatizadas em favor de grupos concentradores, inclusive estrangeiros.

b) o setor privado nacional continua vitimado pelas políticas públicas, desde que foi condenado a definhar, desde o golpe de 1954, que decretou a entrega do mercado ás empresas transnacionais, sem que tivessem sequer de investir realmente, subsidiadas, de forma absurda, para trazer suas máquinas usadas, amortizadas e mais que pagas no exterior.

c) esses oligopólios e carteis – que continuaram sendo subsidiados pela União, Estados e Municípios e ocupam posições dominantes - são os agentes da transferência de recursos para o exterior, através de diversas contas. 

d) essa é a grande fonte da dívida externa, que se desdobrou na enorme dívida interna, cevada com a capitalização de juros, devido às taxas de juros extorsivas; estas, por sua vez, a raiz da dependência financeira, que pretende justificar as altas taxas de juros dos títulos públicos para atrair capitais a fim de compensar os déficits na conta corrente.

e) a ascendência das transnacionais fez delas as beneficiárias dos incríveis subsídios às exportações, instituídos desde o final dos anos 60, as quais não evitaram a explosão da dívida externa daí até o final dos anos 70, que também cresceu com os investimentos públicos na infra-estrutura e nas indústrias básicas, sob dependência financeira (comandada pelo Banco Mundial) e dependência tecnológica, agravadas em função das especificações impostas nas concorrências internacionais.

f) no “modelo brasileiro” – alardeado nos anos dos falsos milagres econômicos – não há como incorporar a maior parte da força de trabalho a um processo produtivo de qualidade, nem elevar o padrão de vida do grosso da população: só cresce a já esmagadora concentração da renda nas grandes empresas e os modestos programas de transferência de renda, na tentativa de sustentar parte do número gigantesco dos  marginalizados, a grande maioria da população; tudo como o Banco Mundial gosta, enquanto  as transnacionais extraem os recursos naturais do País e transferem para o exterior os lucros, principalmente como despesas, afora as crescentes remessas como lucros oficiais e juros.

18. Colocar o Brasil no caminho da industrialização, com produção crescente de bens de alto valor agregado e intensidade tecnológica é tarefa que não há como realizar sem as mudanças estruturais rejeitadas pela atual estrutura de poder, dominada pelos   concentradores, que controlam também o processo político e os centros formadores de opinião, inclusive a mídia.
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[*]Adriano Benayon: Consultor em finanças e em biomassa. Doutor em Economia, pela Universidade de Hamburgo, Bacharel em Direito, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Diplomado no Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, Itamaraty. Diplomata de carreira, postos na Holanda, Paraguai, Bulgária, Alemanha, Estados Unidos e México. Delegado do Brasil em reuniões multilaterais nas áreas econômica e tecnológica. Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e do Senado Federal na área de economia. Professor da Universidade de Brasília (Empresas Multinacionais; Sistema Financeiro Internacional; Estado e Desenvolvimento no Brasil). Autor de Globalização versus Desenvolvimento, 2ª ed. Editora Escrituras, São Paulo.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

NSA, GCHQ mapeiam “alinhamento político” de usuários de celulares

Novas revelações

28 Janeiro 2014, [*] Eric London, WSWS (World Socialist Web Site)
Traduzido por João Aroldo


Edward Snowden
Nova informação tornada pública por Edward Snowden revela que os governos dos Estados Unidos e Reino Unido estão capturando dados de aplicativos (apps) celulares para acumular dossiês sobre os “alinhamentos políticos” de milhões de usuários de smartphones em todo o mundo.

De acordo com um documento interno da GCHQ (Government Communications Headquarters) – Reino Unido - de 2012, a Agência de Segurança Nacional (NSA) e GCHQ estão acumulando e armazenando centenas de milhões de “cookies” de usuários os rastros digitais deixados em um celular ou computador cada vez que um usuário visita um site a fim de acumular informações pessoais detalhadas sobre as vidas privadas dos usuários.

Isso confirma que o principal objetivo dos programas não é proteger a população contra o “terrorismo”, mas facilitar a repressão estatal da oposição da classe trabalhadora à crescente desigualdade social e contrarrevolução social. Os programas não visam principalmente “terroristas”, mas os trabalhadores, intelectuais e estudantes.

A coleta de dados referentes ao “alinhamento político” dos usuários de celulares também sugere que os governos dos EUA e do Reino Unido estão mantendo listas daqueles cujos “alinhamentos políticos” são motivo de preocupação para o governo. Revelações anteriores demonstraram como a NSA e a GCHQ “marcam” alguns “suspeitos” para vigilância adicional: a revelação mais recente indica que os suspeitos são “marcados” pelo menos em parte, com base em seu “alinhamento político”.

A justificativa legal por trás deste processo aponta para um crescente movimento para criminalizar o pensamento político nos EUA e no Reino Unido.

Se, como as revelações indicam, determinar o “alinhamento político” de um usuário é o principal objetivo deste programa, então isso também é, provavalmente, um fator para determinar se o governo tem uma “suspeita razoável articulada” de que o usuário é um “suspeito de terrorismo”. Se este for o caso, os sites que um usuário visita pode elevar o nível de suspeita do governo de que o usuário está envolvido em atividade criminosa, e pode, assim, fornecer ao governo o pretexto pseudolegal necessário para desbloquear o conteúdo de todos os seus telefonemas, e-mails, mensagens de texto, etc..

Constituição dos EUA
Tal raciocínio equivaleria a uma violação flagrante tanto da Primeira como da Quarta Emenda da Constituição dos Estados Unidos. Não só a Quarta Emenda protege contra “buscas e apreensões”, mas a Primeira Emenda também proíbe o governo de monitorar indivíduos com base em suas crenças políticas. A eliminação de um direito democrático tão fundamental seria um passo perigoso para a imposição de uma ditadura de estado policial.

O novo relatório também detalha a profundidade da operação de espionagem de aplicativos de celulares.

Um teste de análise de 2009 “força bruta” realizada pela NSA e GCHQ do que o New York Times descreve como “uma pequena porção de suas bases de dados de celular” revelou que, em um mês, a NSA recolheu dados de celulares de 8.615.650 usuários de celulares. Os dados do teste da GCHQ revelou que em três meses os britânicos haviam espionado 24.760.289 usuários. Expandindo para um ano inteiro, esse dado mostra que em 2009, a NSA recolheu dados de mais de 103 milhões de usuários, enquanto a GCHQ colheu dados de mais de 99 milhões usuários: e isto vem de apenas uma “pequena porção” de dados de um mês!

Eles são coletados em volume, e são atualmente nosso maior tipo de evento - diz um documento vazado.

O programa — chamado em um documento da NSA de “Golden Nugget!”—também permite que os governos recebam um registro de uso do aplicativo Google Maps dos usuários. Essa informação permite que as agências de inteligência rastreiem o paradeiro exato de vítimas de vigilância em todo o mundo. Um gráfico de uma apresentação de slides interna do NSA pergunta: “Onde o meu alvo estava quando eles fizeram isso?” e “Aonde o meu alvo está indo?”.

Entrada do edifício-sede da NSA em Fort Meade, Maryland
Um relatório da NSA de 2007 se gabava de que tantos geodados poderiam ser coletados que as agências de inteligência “seriam capazes de clonar o banco de dados do Google” de todas as buscas feitas através do Google Maps.

Isso efetivamente significa que qualquer pessoa usando o Google Maps em um smartphone está trabalhando em prol de um sistema GCHQ - observou um relatório GCHQ 2008.

A apresentação adicional de material vazado por Snowden mostra que em 2010 a NSA explicou que o seu “cenário perfeito” era “visar o upload de fotos para um site de mídia social feito com um celular”. O mesmo slide pergunta: “O que podemos conseguir?”. A resposta, de acordo com a mesma apresentação, inclui as fotografias do usuário, listas de amigos, e-mails, contatos telefônicos, e “uma série de outros dados de redes sociais, assim como a localização”.

As agências também usam informações fornecidas por aplicativos móveis para ter uma imagem clara da localização da vítima atual, orientação sexual, estado civil, renda, etnia, nível de escolaridade e número de filhos.

A GCHQ tem um sistema de nome de código interno para a classificar sua capacidade de espionar um usuário de celular específico. Os códigos são baseados na série de televisão “Os Smurfs”. Se as agências podem acessar o microfone do telefone para ouvir conversas, o código “Smurf Xereta” é empregado. Se as agências podem rastrear a localização exata do usuário enquanto ele ou ela se move, o código “Smurf Rastreador” é usado. A capacidade de rastrear um telefone que está desligado é chamado de “Smurf Sonhador”, e a capacidade de esconder o software espião é chamado de “Smurf Paranoico”.

Que as agências de inteligência têm códigos de um programa de vigilância orwelliana descaradamente tirados de personagens de um programa infantil é um indicador do desprezo com que a classe dominante vê os direitos democráticos da população mundial.

Além disso, as agências têm rastreado e armazenado dados de uma série de aplicativos de jogo de celular, incluindo o popular jogo “Angry Birds”, que foi baixado mais de 1,7 bilhões de vezes.


O rastreamento de dados de jogos online como “Angry Birds” revela ainda que estes programas não se destinam a proteger a população contra o “terrorismo”. Seria indefensável para a NSA e GCHQ explicar que eles suspeitavam recolher informações sobre ameças iminentes da Al Qaeda de um estúpido jogo de celular.

No entanto, esta é precisamente a forma como a NSA tentou justificar esses programas.

As comunicações de pessoas que não são alvos válidos de inteligência estrangeira não são de interesse para a Agência de Segurança Nacional. Qualquer implicação de que a coleta de inteligência estrangeira da NSA está focada nas comunicações diárias de smartphones ou mídia social de americanos não é verdadeira. Além disso, a NSA não traça perfis diários de americanos, enquanto desenvolve sua missão de inteligência sobre estrangeiros - disse um porta-voz da agência.

Em uma indicação adicional de seu caráter antidemocrático, o governo dos EUA está, portanto, empregando a técnica do “Big Lie”, negando o que acaba de ser provado.

Na realidade, as revelações expuseram ainda mais o discurso do presidente Barack Obama de 17 de janeiro como uma celebração de mentiras.

O presidente disse à nação que os programas de espionagem “não envolvem a NSA examinando os registros telefônicos dos americanos comuns”. Ele também disse que os EUA “não está abusando de autoridade para ouvir as suas chamadas telefônicas privadas ou ler seus e-mails”, e que “os Estados Unidos não está espionando as pessoas comuns que não ameaçam a nossa segurança nacional”.

Ele acrescentou, em referência ao “pessoal” da NSA que “nada que eu aprendi [sobre os programas] indicou que a nossa comunidade de inteligência tem procurado violar a lei ou é inconveniente com as liberdades civis de seus concidadãos”.

Mas há evidências crescentes de que os governos dos EUA e Reino Unido estão compilando informações sobre os “alinhamentos políticos” de centenas de milhões em todo o mundo. Todos os responsáveis por essa campanha antidemocrática, incluindo o presidente Barack Obama, David Cameron, seus assessores, e os líderes dos aparelhos de segurança devem enfrentar processos criminais e a perda imediata do cargo.
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[*] Eric London é editorialista e articulista do Workers Socialist Web Site