24/1/2014, [*] Pepe Escobar,
Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Hassan Rouhani, Presidente da República Islâmica do Irã |
O
presidente Hassan Rouhani do Irã é, hoje, o homem que mais trabalha no show
business geopolítico. Agora, entrou na toca do leão – ou rede para apanhar
peixinhos dourados – o Fórum Econômico Mundial de Davos. E enfeitiçou eles
todos, só com sua estratégia de “moderação prudente”, que diz o que todos os
Patrões do Universo, verdadeiros ou falsificados, realmente querem ouvir: o Irã
está aberto aos negócios.
Jim O'Neill |
Rouhani
destacou o que até o inventor dos BRICS, Jim O'Neill, já reconheceu: o Irã tem
potencial para ser uma das economias Top Tem do mundo, antes de 2040.
Sua estratégia para chegar lá é extremamente sólida: política externa muito
equilibrada subordinada à promoção do desenvolvimento econômico. Começa com
acordo definitivo com o P5+1 – os membros permanentes do Conselho de Segurança
da ONU, mais a Alemanha – até o final de 2014; fim de todas as sanções; e,
então, fluxo sustentado de investimentos que virão do ocidente.
Rouhani não
vê “obstáculos intransponíveis” na trilha de um acordo nuclear permanente e
amplo – “a menos que outras partes não mostrem vontade suficientemente séria”.
Sanções, disse ele, “só fazem exacerbar” a instabilidade, em vez de criar
alguma paz.
Rouhani não
poderia ter sido mais equilibrado, no movimento para “engajar a comunidade
mundial numa base justa”. Voltou a dizer que o programa nuclear do Irã visa
exclusivamente a finalidades pacíficas:
Não temos qualquer ambição de criar uma arma
nuclear (...). Firmemente
declaro que armas nucleares não têm lugar em nossa estratégia de segurança. Mas
o povo do Irã não está disposto a desistir de sua tecnologia pacífica.
Continuaremos a desenvolver o uso pacífico da energia nuclear.
Por isso,
quando perguntado sobre duplo uso de tecnologia nuclear, ele respondeu: “40
países fazem duplo uso da tecnologia nuclear. O Irã não aceitará ser
discriminado”.
Rouhani
destacou que o Irã está construindo laços comerciais mais fortes com seus
vizinhos – a longa lista inclui Rússia, Turquia e Paquistão – e nada quer além
de normalizar os negócios com os europeus. Para tanto, faz a corte a líderes
comerciais ocidentais. Conversou com o Big Oil ocidental, num “quadro de
mútuos interesses”. E que grande negócio está, potencialmente, sobre a mesa: se
você investir em nossa indústria de energia – e eles estão babando para fazer
exatamente isso – ajudaremos no seu crescimento econômico, e isso é bom para a
paz mundial.
Jamie Dimon |
Disse que a
crise financeira provou que as nações não se podem trancar dentro delas mesmas.
Até elogiou o tema de Davos, esse ano: economias bem sucedidas têm também de
ser éticas. Contem essa para Jamie Dimon, do JP Morgan.
Segundo
Rouhani,
Os últimos seis anos nos ensinaram que nenhum
país sozinho pode ser bem-sucedido (...) Nenhum país pode considerar permanente a sua dominação. E todos estamos
ligados mediante a globalização. Se não escolhermos pilotos sábios, a tempestade
nos afogará, todos.
Contem essa
para a claque
barulhenta que não poupará esforços para bombardear qualquer
possibilidade de qualquer entente com o Irã.
Sua posição
sobre a Síria foi, mais uma vez, firme.
Matadores sanguinários chegam aos milhares à
Síria, e fazem guerra – até uns contra os outros (...) Temos de trabalhar juntos para ajudar a
Síria e para expulsar da Síria aqueles matadores. Em seguida, temos de reunir a
oposição em torno da mesa, e organizar eleições gerais e justas na Síria.
Contem essa
à Casa de Saud e à Casa de Thani, do Qatar.
A gangue de
1914
Só porque
Rouhani não incluiu Israel na lista dos países com os quais o Irã está
construindo laços mais próximos – falou de paz “com todos os países (...) que
reconhecemos oficialmente” – os leões-de-chácara de sempre, no lobby pró-Israel,
já entraram em surto. Teerã não precisa reconhecer um regime bandido em
Telavive que, há anos, todos os dias, ameaça atacar o Irã, com ou sem o escudo
dos EUA. Por falar nisso, os renomados democratas da Casa de Saud tampouco
reconhecem o estado de Israel. Mas... são os “nossos” filhos da puta.
Manifestação em Davos (2014) |
Tudo isso
teria, necessariamente, de misturar-se com uma das obsessões chaves em Davos
esse ano – a ideia de que se trata, tudo outra vez, de 1914. Para os que ainda
não saibam, Davos não prima pela capacidade de antevisão: demoraram anos para
admitir, afinal, que a desigualdade de renda e o desemprego são ameaças mortais
contra a economia global. Empresários e altos executivos, com seus gordos “bônus”,
não tendem ao igualitarismo; só quando é bom p’rôs negócios.
No que
tenha a ver com a desigualdade, esse relatório
da Oxfam, distribuído na 2ª-feira (20/1/2014), diz o que é: “as 85
pessoas mais ricas do mundo concentram riqueza equivalente a tudo que a metade
mais pobre da população mundial possui”.
Outro
relatório distribuído na 2ª-feira (20/1/2014) pela Organização Internacional do
Trabalho, OIT [orig. International Labor Organization (ILO)] mostra que
o desemprego, em nível mundial, afetou nada menos que 202 milhões de seres humanos,
em 2013; e em 2018 serão 215 milhões. O desemprego está crescendo no sudeste da
Ásia, no sul da Ásia e, em menor escala, no Oriente Médio, Norte da África e
Europa Central. Para nem falar do desemprego entre os jovens, que cresce
rapidamente no sul da Europa – Grécia, Espanha, Itália –e na Irlanda.
E adivinhem
quem a OIT responsabiliza? Os Patrões do Universo, os mesmos que estão reunidos
em Davos; as corporações preferiram manter o dinheiro em caixa ou comprar ações
delas mesmas, em vez de investir em maior capacidade de produção ou para criar
empregos.
Shinzo Abe |
Coube
principalmente ao Primeiro-Ministro do Japão, Shinzo Abe, mexer nas brasas do
1914 remix – com seu balãozinho de história em quadrinhos de demonização
da China, onde se lê que a “expansão militar” na Ásia pode sair de controle. (Ver Cowbells, or how Davos saves the world, Asia Times Online, 23/1/2014).
Mas o homem
da hora do 1914 remix é o economista Nouriel Roubini. OK. Exatamente
como há um século, a desigualdade de renda está alta (agora, foi provocada
pelos negócios turvos do turbocapitalismo que a maioria dos Patrões do Universo
abraçaram). Estamos numa “era dourada de desigualdade” (Roubini). E há obviamente
um revide disseminado contra a globalização – por causa dos lucros ilimitados
que as corporações arrancam do mercadeamento de tudo.
Quanto a
“tensões geopolíticas crescentes”, ninguém em Davos parece ter colhões para
dizer de onde elas vêm: do declínio do Império Americano com todas as suas
convulsões centrífugas e centrípetas; do medo de muitos no ocidente e
especialmente o Japão no leste, de um crescimento imparável, da China; e da
nada-santa aliança entre Israel e a Casa de Saud para conservar o Oriente Médio
expandido sempre a chafurdar em conflito sectário. Essas são as verdadeiras
“tensões geopolíticas” que podem reciclar 1914; não as estratégias de política
exterior de Irã, China ou Rússia.
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive quase sempre entre São Paulo, Hong
Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The
Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista
de política do blog Tom Dispatch e
correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos,
traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João
Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
- Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
- Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
- Obama
Does Globalistan, Nimble Books,
2009.
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