2/2/2014, [*] MK Bhadrakumar,
Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
O ano era 1979. As ruas de Teerã ferviam de fervor revolucionário. O Imã
Khomeini acabava de voltar há alguns dias de Paris e começavam os dez dias de
manifestações que levariam à grande virada, dia 11 de fevereiro, quando as
Forças Armadas mudaram de lado: da lealdade ao xá, à lealdade aos
revolucionários. Por tradição, o Irã celebra a volta do exílio do Imã Khomeini
no dia 1º de fevereiro, e, esse ano, a revolução completa 35 anos.
Há muito simbolismo no fato de os 4,2 bilhões de dólares, a primeira parte
dos fundos
iranianos congelados no exterior, terem sido devolvidos, depositados em
bancos suíços, anteontem, 6ª-feira , véspera do início da “Alvorada de Dez
Dias” – as cerimônias que comemoram a Revolução Iraniana.
Também na 6ª-feira (31/1/2014) foi anunciado que a próxima e crucial
rodada de conversações P5+1 e Irã será realizada dia 18 de fevereiro.
Interessante: o encontro acontecerá em Viena, sob o teto da ONU, mais perto do
Irã. O Ministro de Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif chegou a comentar em
público que essa rodada de negociações bem poderia ser realizada em Teerã. E
até a linguagem
corporal é animadora.
A MRE da União Europeia, Catherine Ashton e o MRE iraniano, Javad Zarif chegam para a reunião de Genebra em 24/11/2013 |
Mais importante: os senadores dos EUA que ameaçavam impor novas
sanções contra o Irã retrocederam, depois que o presidente Barack Obama
reagiu às ameaças e disse que vetaria eventual resolução do Congresso nessa
direção. De fato, será muito difícil mudar o lócus da questão nuclear
iraniana e trazê-lo de volta para a conversa das sanções.
Quando até a rede
Fox News noticia que os iranianos são povo amigável, é hora
de a direita que faz oposição a Obama prestar atenção e tomar nota.
O Irã tem grandes planos para reciclar sua indústria de petróleo e as
preferências andam na direção de levar o Grande Petróleo de Houston, Texas,
para fazer a atualização da tecnologia. O que, por sua vez, começará a servir
como padrão
significativo do engajamento EUA-Irã.
O cenário também agrada ao establishment clerical iraniano, que tem
laços profundos com o bazaar em Teerã. O que, por sua vez, dará ao
clericato iraniano perspectiva completamente diferente sobre do que tratam, de
fato, as conversações nucleares – ou do que poderiam tratar.
Hassan Rouhani, Presidente da República Islâmica do Irã |
A Reuters
noticiou que o
presidente Hassan Rouhani já garantiu o apoio do poderoso establishment
clerical na cidade santa de Qom para o modo como abordará as conversações do
dia 18 de fevereiro próximo.
Nada disso, contudo, deve minimizar o desafio diplomático que aguarda
norte-americanos e iranianos no próximo encontro em Viena, no qual se negociará
um acordo definitivo para a questão nuclear. O que está em jogo é um acordo de
longo prazo, sustentável e fiscalizável, a ser negociado em contexto de total
confiança mútua, que pode levar ao fim do regime de sanções que será levantado
passo a passo.
O hiato nas posições em negociação que se vê hoje não pode ser
subestimado. A própria evidência de que vieram
a público as
diferenças de interpretação em torno do acordo provisório de Genebra – se o Irã
aceitou ou não desativar seu programa nuclear – já chama a atenção para o
quanto estão sensíveis as opiniões públicas dos dois lados, nos EUA e no Irã.
Barack Obama discursando em 17/1/2014 sobre a espionagem da NSA |
Mais fundamentalmente, se pode descartar completamente a possibilidade de
que o Irã algum dia aceite a total destruição de suas 19.800 centrífugas já
instaladas, ou o fechamento total e definitivo do reator de água pesada em
Arak. O ponto, portanto, é a disposição do Irã para negociar depende da
convicção de que, como qualquer outro país signatário do Tratado de Não
Proliferação, o país pode oferecer provas verificáveis à comunidade
internacional de que seu programa nuclear é inteira e absolutamente civil.
Rei Abdullah da Arábia Saudita |
Por outro lado, a posição dos EUA é que o Irã não é como qualquer
outro país; e que terá de fazer muito mais que qualquer outro país para merecer
confiança de que seu programa é pacífico. É preciso construir uma fórmula de
concessões que talvez envolva o Irã diluir os atuais estoques de urânio
enriquecido a 20% e converter Arak em, digamos, sistema de água leve. O Irã, é
claro, avaliará muito cuidadosamente o que obterá em troca de cada concessão.
Tanto quanto posso ver, começa a haver clima para posições conciliatórias.
O plano de Obama, de visitar
a Arábia Saudita no final de
março pode ser visto como sinal inicial de que Washington está cautelosamente otimista
sobre a possibilidade de que algum acordo brote das conversações de Viena e já
prevê a urgência de trazer para bordo também o rei Abdullah.
Enquanto isso, não se entende por que o governo Obama mantém Israel no
circuito. Pode ser cedo demais para saber, mas há sinais incipientes de que
Israel começa a abandonar a posição de rejeição total a qualquer engajamento
EUA-Irã, para uma posição de tentar aproximar-se de Washington para influenciar
os “pontos de divulgação” do encontro de Viena. No mínimo, leitura atenda do editorial
do Jerusalem Post de ontem (2/1/2014), parece reforçar o que “meu
faro” me sugere.
[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira
do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do
Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É
especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de
energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian
Punchline. É o filho mais
velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e
militante de Kerala.
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