“Hot to trot” [1]: Pode
vir quente que eu estou fervendo
31/1/2014, [*] Pepe Escobar, Russia Today (fotos: Philippe Lopez)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Fiéis queimam incenso e rezam no Templo Wong Tai Sin na
passagem para o Ano Novo Chinês (Ano do Cavalo) em Hong Kong - 30/1/2014. |
Sabe-se que na China, o Festival da Primavera é
ocasião da maior migração interna de seres humanos de todo o mundo, ano após
ano. Em 2014, nada menos que 3,6 bilhões de viagens serão feitas por transporte
público.
Não surpreende que o maior portal e ferramenta de busca na China, Baidu,
tenha oferecido um mapa espetacular, atualizado a cada oito (número de sorte)
horas, mostrando as principais cidades de partida e chegada e os itinerários
mais congestionados. Ver mapa da China a
seguir:
"Screen shot" do sítio chinês BAIDU (o Google chinês) |
O zodíaco chinês, como todos sabemos (menos os pregadores wahhabistas que
pregam a jihad), atribuem a cada ano um animal – real ou mitológico. O
cavalo – considerado muito auspicioso – é o sétimo da lista, depois da serpente
e antes do bode.
A China, como nós também sabemos, tem pressa para chegar ao posto de maior
potência econômica do mundo. A palavra “imediatamente”, em mandarim,
pronuncia-se ma shang, que significa “montado a cavalo”.
Portanto, em toda a China e na diáspora global chinesa, os cartões de Ano
Novo mais populares, no Ano do Cavalo, são fotos de dinheiro, uma casa, um
carro, e tudo montado a cavalo. Significa, literalmente, um desejo de que quem
receba a mensagem consiga montanhas de grana, compre um cavalo e compre uma
casa. Imediatamente, é claro.
Agora, imaginem 1,3 bilhão de chineses a galopar furiosamente rumo à
abundância e à afluência, muitos ao mesmo tempo. Com uma pequena ajuda da
jogatina em Macau.
Mesmo que se saiba que não será esse conto de fadas (com desastre
ecológico). Editorial do jornal China Daily admitiu que “há muito do que reclamar”, e listou
tudo, de “moradores urbanos que reclamam
da poluição” a “moradores rurais que
reclamam de negócios ilegais de terra”, com especial ênfase contra “corrupção, injustiça, desigualdade de renda
e insegurança alimentar”.
Esse catálogo de terríveis pragas que assolam o rápido desenvolvimento da
China não será magicamente superado por um cavalo que traz boa sorte.
Alta combustibilidade à frente
Fonte chave a ser consultada para decifrar o que acontecerá no Ano do
Cavalo é um mestre do feng shui (vento e água). Por toda a Ásia – e em
alguns enclaves ocidentais – multidões ajustam a vida baseados no feng shui,
para obter o justo equilíbrio entre metal, madeira, água, fogo e terra, e
colher o máximo de boa sorte e de benefícios materiais. O problema é que cada
mestre aparece com sua própria leitura.
2014 é Ano do Cavalo de Madeira. A madeira é altamente combustível. O que
se manifestará como muitos escândalos e conflitos.
Homem em traje tradicional durante evento celebrando o
início do Ano do Cavalo, na porta de um shopping center em Hong Kong. |
Os mestres de feng shui em Hong Kong e em toda a China estão
falando de um 2014 muito – literalmente – quente, com temperaturas de derreter
os miolos das pessoas e alta probabilidade de terremotos e irrupções
vulcânicas. Tudo isso, porque a Terra estará “irritada” por um excesso de fogo,
e porque o Cavalo de Madeira é facilmente combustível. Japão e China, além da
Indonésia, estão na zona de perigo.
Mas é na geopolítica que o Ano do Cavalo pode implicar alguns problemas
sérios. A configuração imediata é o Mar do Sul da China, com as ilhas
Diaoyu/Senkaku – quer dizer, a possibilidade de guerra quente, embora contida,
entre China e Japão. Há datas possíveis que já aparecem no radar: fevereiro,
maio ou agosto de 2014. O Primeiro-Ministro japonês, Shinzo Abe, até já
telegrafou que a guerra é possível, no convescote de Davos.
Economias dos EUA e da União Europeia talvez até consigam mover-se, de
algum modo, na direção de alguma recuperação, enquanto o Sudeste e o Sul da
Ásia mostrarão turbulências. É extrapolação das tendências atuais nos mercados
emergentes depois que o Fed começou a beliscar com “alívio quantitativo” [ing.:
quantitative easing].
Para a Rússia, o feng shui nada vê de alarmante; significa que os
Jogos Olímpicos de Sochi transcorrerão sem percalços e que o presidente Putin
se firmará na constelação dos grandes mestres do xadrez geopolítico.
2014 pode ser muito problemático para o presidente Barack Obama dos EUA –
nascido no Ano do Boi de 1961. Os problemas virão sob a forma de “obstáculos na
trilha dos segredos políticos”, segundo Chow Hon-ming, mestre de feng shui
que vive em Hong Kong.
Implica que será o inferno entre o governo Obama e os Republicanos,
empresas “terceirizadas” e lobbyistas no Beltway em Washington; não só em termos de Obamacare, salário mínimo e nova política para a imigração, mas
também no caso chave da história geopolítica de 2014: a possibilidade de um
acordo nuclear definitivo entre o Irã e o P5+1 – que, na essência, é a história
de uma possível détente entre Washington e Teerã.
Hassan Rouhani |
Algum mestre de feng shui deve tratar, imediatamente, de examinar o
mapa do presidente Hassan Rouhani do Irã – o qual também enfrentará tantos “obstáculos”
internos quanto Obama.
Se se examina a história, o Ano do Cavalo anterior foi 1954. Então, ambos,
EUA e Rússia, testavam suas bombas atômicas. Todos sabemos no que deu: o meme “MAD”
[louco] de Mutual Assured Destruction [Destruição Mútua Garantida]’
atravessou toda a Guerra Fria, até 1989. Esse, sim, foi tempo de turbulências!
1954 foi também o ano de Dien Bien Phu, quando o Vietnã derrotou a França
– vitória muito auspiciosa para o ex-Terceiro Mundo, contra o neocolonialismo
–, só para, anos depois, ter de enfrentar o Império excepcionalista (e armado
com napalm).
Assim sendo, o mundo precisa, talvez, em 2014, de um cavalo de Tróia:
parece que é todo de madeira, mas, de fato, é feito de material à prova de
fogo. Como o Exterminador Implacável, Terminator.
Kung Hei Fat Choy! [2]
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Notas dos tradutores
[1] Orig. Hot
to trot. Tradução arriscada, que se serve de um verso de Erasmo Carlos: “Pode vir quente que eu estou
fervendo”. Comentários e correções são bem-vindos.
[2] “Que todos fiquem ricos e sejam prósperos (muito respeitosamente)
imediatamente”. Saiba mais sobre esta expressão em
chinês.
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[*] Pepe Escobar 1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong
Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The
Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política do
blog Tom Dispatch e correspondente/ articulista das redes Russia
Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera.
Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de
Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan: How the
Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red Zone Blues: A Snapshot of
Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
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