13/2/2014, [*] Pepe Escobar, Russia Today
Traduzido pelo
pessoal da Vila Vudu
Presidente da Câmara dos EUA, Rep. John Boehner, 2º. à esquerda, sai do Capitólio com sua equipe de segurança 11/2/2014. (Foto: AFP / TJ Kirkpatrick) |
Se, pelo
menos, o Congresso dos EUA fosse tão divertido de assistir quanto A Trapaça,
o filme (em Portugal, Golpada Americana). [1]
Para começar,
o líder da maioria, o Republicano John Boehner não é Christian Bale. Para nem
falar de Jeremy Renner. Mas trapaceiro, sim, isso ele é.
Praticamente
ninguém fora dos EUA lembra que Boehner começou a urdir a trapaça que se
converteria em sua marca registrada há nada menos de três anos. Foi extorsão
espetacular que bem poderia ter sido planejada por alguma máfia. Boehner
ameaçou forçar os EUA ao calote da própria dívida, se o governo Obama não se
rendesse e fizesse alguns pesados cortes no orçamento. Tipo “Obedeça, ou sua
casa será incendiada”.
Agora parece
que a trapaça – como no filme – já não continuará a render (e não por que
Boehner tenha sido “interceptado” pelo FBI). O Líder da Maioria, de fato, se
autointerceptou; e reapareceu no Congresso dos EUA com nova proposta para o
teto da dívida dos EUA.
A lei foi
aprovada, basicamente graças aos votos dos Democratas (199 Republicanos votaram
contra a proposta de Boehner). Apesar de terem sido alertados pelo próprio
Boehner, de que “não vamos conseguir fazer história sozinhos”, os Republicanos
enfureceram-se. E, como se podia prever, a imprensa-empresa norte-americana
enlouqueceu de ira por conta da “rendição” (quando falavam de Boehner) e da
“vitória” (quando falavam do presidente Obama), como se se tratasse da final da
disputa de snowboard half pipe em Sochi (quando Shaun White,
nascido nos EUA, perdeu para Iouri
“iPod” Podladtchikov, nascido na Rússia).
Previsivelmente,
a máfia – a gangue dos grupelhos de direita disfarçados em “organizações” como
Fundo dos Conservadores do Senado [orig. Senate Conservatives Fund (SNC)],
e patriotas do Tea Party e de Freedomworks – quer, e o que mais
quereria?! – a cabeça de Boehner. O homem cometeu pecado imperdoável: liquidou
o “governo mínimo” e não vai “impedir o gasto massivo e a dívida que estão
destruindo nosso país”, segundo o SNC.
Siga o
dinheiro
É verdade que
ele tem o carisma de restos de salada esquecidos na geladeira, mas Boehner é
trapaceiro bem informado. Mudou seu plano de jogo por duas simples razões.
#1 (e mais importante): para tranquilizar o
dinheiro grosso de Wall Street, que
abomina agitação política.
#2 é mais turva. Boehner calculou que, por
extensão tranquilizaria também o Partido Republicano, que obedece aos Patrões
do Universo e seus especialíssimos interesses, mas foi sequestrado pelos
fanáticos doidos estilo Tea Party. O
problema, contudo, persiste; até líderes do partido como Paul Ryan e Cathy
McMorris Rodgers – que redigiram a resposta (terminalmente tediosa) à fala de
Obama sobre o Estado da Nação – apoiaram os insurgentes.
O Senador dos EUA Richard Burr (R-NC), vestindo o paletó, caminha ao plenário do Senado para votação sobre elevação do teto da dívida, no Capitólio dos EUA em 12/2/2014. (Reuters / Jonathan Ernst) |
Numa linha,
para resumir: a trapaça inicial de Boehner foi ruim para os negócios. Basta
ouvir, para ter certeza, o que a diretora de investimentos e gerente de crédito
da Moody’s Investors Service, Anne
Van Praagh, disse sobre a nova proposta de Boehner:
Mais falta de consenso teria tido consequências
potencialmente negativas para o mercado e para a economia.
E o dinheiro
grosso, é claro, foi absolutamente atendido. Aqueles investidores que estão
pesadamente “comprados” na dívida vinham observando atentamente os papéis do
Tesouro dos EUA, que subiam desde fevereiro. Mensagem: O Congresso dos EUA não
vai ser doido de não aumentar a tempo o limite de endividamento, e não deixará
que esse monstro de $17 trilhões continue a crescer e crescer sem cobertura.
Mas... porque
essa loucura, sim, só aumenta, e com o Congresso dos EUA já alcançando o pico
negativo de menos de 10% de aprovação da população... nada, afinal, poderia ser
dado por resolvido; até que Boehner mudou sua proposta.
Seja como
for, não há garantia de que a trapaça original não volte à pauta. Afinal, o
Partido Republicano é, hoje, considerado pelos progressistas, em todos os EUA,
e, até, por conservadores civilizados e esclarecidos, como o Partido do “Não”.
Não a
qualquer coisa que Obama queira ou diga – principalmente o Obamacare. Não à
reforma da imigração. Não a uma estratégia nacional de segurança que faça algum
(qualquer) sentido. Não a todas as minorias, para nem falar uma maioria
absolutamente crucial: as mulheres (para muitos Republicanos, o estupro é
“legítimo”). Esse essencialmente é o território dos machos impotentes e
furiosos. Nem surpreende que estejam derrotados. Eles sabem que perderam. O
problema é que só sabem responder com ódio e violência, seja qual for a
questão.
Pois mesmo
assim, com sorte, quantidades astronômicas de dinheiro e manipulação pesada nos
veículos da imprensa-empresa, além de estoque infindável de mentiras
sistemáticas, eles têm ainda chance de conservar a maioria do Senado nas
eleições parlamentares de meio de mandato, em novembro. É fácil esquecer que,
apesar da manha calibrada, o governo Obama já entrou em modo de pato manco.
O governo
Obama tem meios para seduzir os Republicanos insurgentes; por exemplo, se mantiver
o orçamento do Pentágono como item à parte do orçamento, não controlável pelo
Congresso, só para permitir que o dinheiro para o Pentágono cresça e cresça até
o ano fiscal de 2016, quando La Hillaryator (Hillary Clinton +Terminator)
provavelmente estará trabalhando para a segunda vinda de Athena, dessa vez para
capturar a Casa Branca.
Que ninguém
se iluda: o show – e a trapaça – continuarão. E só acabam quando os Machos
Brancos e Furiosos quiserem que
acabem. Filme chato? Ora! Sempre se pode assistir à Trapaça-filme em
DVD, ou à segunda temporada de House of Cards no canal NetFlix!
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Nota dos tradutores
[1] Orig. American Hustle, filme de 2013.
No Brasil, “A Trapaça”. Em
Portugal, “Golpada Americana”. Trailer a seguir (legendado):
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[*] Pepe Escobar 1954) é
jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia
Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e
correspondente/ articulista das redes Russia Today, The
Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus
artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de
Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan: How the
Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
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