13/3/2014, [*] MK Bhadrakumar,
Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Paraquedistas saem de base na Ásia Central para a Crimeia em 11/3/2014 (RIA Novosti) |
Quando um especialista em Rússia, de grande reputação, Stephen Cohen da New York University, diz que os EUA
estão a dois passos de uma Crise dos Mísseis de Cuba e, pela primeira vez, a
três passos de uma guerra contra a Rússia, as coisas parecem sombrias. Cohen
insiste: “Temos de conseguir pôr em andamento uma negociação...”. [1]
Mas os EUA estão-se preparando para confronto militar com a Rússia?
Parece, mais, que está em andamento uma campanha diplomática para isolar a
Rússia. Os telefonemas do presidente Barack Obama a seus contrapartes, o chinês
e o cazaque, na 2ª-feira, não são coisas de rotina.
Os
EUA esperam empurrar China e Cazaquistão para posição de
neutralidade. Obama tocou numa corda sensível para ambas as capitais, Pequim e
Astana – a santidade da integridade territorial dos estados-nação.
Nursultan Nazarbayev |
Significativamente, Obama
conclamou o presidente Nursultan Nazarbayev do Cazaquistão a assumir papel “ativo” na
crise da Ucrânia. Depois disso, a imprensa-empresa norte-americana tem
insinuado que Nazarbayev teria cancelado visita marcada a Moscou, na 3ª-feira (11/3/2014).
No que tenha a ver com os EUA, a visita do primeiro-ministro do governo de
Kiev, Arsenyii Iatsenyuk, à Casa Branca e ao Capitólio ontem (4ª-feira,
12/3/2014) é o fecho da história, quero dizer, significa que o novo governo de
Kiev recebeu legitimação internacional.
Em resumo: a partir desse ponto, se o referendo na Crimeia seguir adiante
como planejado, haverá pouco o que discutir com a Rússia. Na 5ª-feira
(13/3/2014), Iatsenyuk deve falar ao Conselho de Segurança da ONU em New York, ao mesmo tempo em que uma
delegação do Congresso dos EUA, liderada pelo irascível senador McCain chega a
Kiev.
Preveem-se discursos fortes. Outra vez, o real significado da Resolução
aprovada na Câmara de Deputados dos EUA na 3ª-feira (11/3/2014), condenando a
“intervenção” russa na Crimeia, está no grande apoio que recebeu. Baseado
nisso, o establishment político de Washington exige que Obama seja duro
no caso da Ucrânia.
Mas até aqui, além de declarações fortes, há bem pouco que os EUA possam
fazer para deter a Rússia. Até aqui, as sanções não
têm capacidade para realmente cortar fundo.
Enquanto isso, o Parlamento em Kiev invocou as promessas de segurança
feitas por EUA e Grã-Bretanha em 1994, como garantidores da soberania da
Ucrânia, para que usem todas as medidas, inclusive militares, para conter a
“agressão” da Rússia. Tecnicamente, se militares de EUA e/ou Grã-Bretanha se
envolverem, a OTAN estará automaticamente envolvida.
AWACS - Airborne Warning And Control System |
Na 2ª-feira (10/3/2014), a OTAN também anunciou sua intenção de mobilizar
equipamento aéreo embarcado de reconhecimento [orig. AWACS] na Polônia e
na Romênia, “para aumentar o conhecimento situacional da aliança”. Na 3ª-feira
(11/3/2014), a Rússia iniciou manobras massivas envolvendo uma divisão
aérea embarcada em condições de combate simulado.
Mas... o que mais podem fazer EUA ou OTAN?
O fato que não podem alterar é que o exército ucraniano não obedecerá
ordens dos novos líderes em Kiev.
Mais importante: os comandantes militares ucranianos que foram treinados
na Rússia, e mantêm relação muito próxima com seus contrapartes russos, jamais
combaterão contra forças armadas russas.
Isso significa que, se EUA ou OTAN quiserem intervir militarmente em
futuro próximo, terão de agir eles mesmos, quer dizer, terão de pôr os próprios
coturnos em solo, como se diz.
Dito em termos simples, é ideia inconcebível, num momento em que dois
terços da opinião pública britânica opõe-se a qualquer intervenção do Reino
Unido na Ucrânia.
Em termos ainda mais claros, portanto, se o referendo na Crimeia decidir a
favor de uma integração à Rússia, e se Moscou aceitar a integração, nada haverá
que EUA ou seus aliados da OTAN possam fazer para impedir. O governo Obama
parece bem consciente dos limites do que os EUA podem fazer para retaliar
contra a Rússia.
Na conferência de imprensa em que Obama
apareceu ao lado de Iatsenyuk na Casa Branca ontem (4ª-feira, 12/3),
Obama voltou a “alertar” a Rússia sobre consequências à vista. Mas – e é muito
curioso – usou a expressão “um custo pelas violações da Rússia”, expressão que
ele, adiante, elaborou: disse que os EUA têm pronta uma “arquitetura” (...)
para aplicar consequências financeiras e econômicas a ações que [Moscou]
empreenda”.
Arsenii Iatsenyuk e Barack Obama na Casa Branca em 12/3/2014 |
Enquanto isso, os EUA anunciaram um pacote de ajuda à Ucrânia que inclui
“garantias para um empréstimo de $1 bilhão que pode ajudar a pavimentar o
caminho para reformas”, mas que não chega nem perto da proposta que a Rússia
apresentou para resgatar a economia ucraniana, de $15 bilhões.
A segunda
declaração do G7 distribuída na 5ª-feira (13/3/2014), fala de “outras
ações, individualmente e coletivamente” no caso de a Rússia anexar a Crimeia,
mas passa longe de qualquer especificação. No momento, o máximo que o G7 pode
fazer é suspender a participação dos russos nas reuniões preparatórias para a
reunião do G8 em junho, marcada para acontecer na Rússia.
Muito significativamente, a declaração de Obama na conferência de imprensa
não tem qualquer traço de postura beligerante, embora tenha dito bem claramente
que o apoio dos EUA ao governo da Ucrânia [de
fato, sempre disse isso escondendo os EUA por trás da tal “comunidade
internacional”; é ler e ver (NTs)] continuará inabalável. Mas limitou-se a
falar de apoio moral, político e econômico. Isso é uma coisa.
A segunda coisa é que Obama reconheceu os laços históricos muito próximos
que ligam Rússia e Crimeia. E bem profundamente escondida dentro da declaração
de Obama há uma sugestão tentadora, de que o futuro status da Crimeia
sempre pode ser regulado mediante um processo constitucional (para atender aos
interesses russos).
O que Obama não disse, mas pareceu deixar implícito foi que, embora “com a
mira de uma arma apontada para você”, as respectivas posições só endurecem; e
se uma trilha diplomática puder ser aberta, podem surgir novas possibilidades
de uma solução.
Em resumo, Obama, sim, ofereceu uma espécie de saída a Moscou – tanto
quanto aos EUA e ao ocidente – por onde escaparem do feio poço da confrontação.
Não há dúvidas de que Moscou avaliará cuidadosamente as nuanças da fala de
Obama, e tomará medidas para assegurar que aquelas palavras não são mero
diplomatês, mas emanam de avaliação realista do impasse total que se desenvolvendo,
pela qual o ocidente poderá ir até ali, mas não adiante daquilo, se a Rússia de
fato pisar no acelerador para a anexação da Crimeia.
Em termos imediatos, ainda restam quatro dias antes do referendo na
Crimeia. Obama quer que a Rússia pare de agir a favor do referendo, que criaria
um ponto sem volta.
Lembra, sim, os navios soviéticos aproximando-se de Cuba, há 52 anos. A
Crise dos Mísseis Cubanos só foi esvaziada quando os EUA reconheceram as
legítimas preocupações de Moscou com mísseis mirados contra a URSS, e agiram de
acordo. Cohen acerta, na sua analogia.
Notas dos tradutores
[1] Russia Expert Stephen
Cohen: “Two Steps From Cuban Missiles Crisis” (11/3/2014,
Larouchepac) – “Professor de Estudos Russos, Stephen Cohen, em entrevista a
Fareed Zakaria, da rede CNN, dia 9/3/2014. Excertos (ing.), aqui traduzidos:
Stephen Cohen |
Acho que estamos a dois passos de uma
crise como a Crise dos Mísseis Cubanos e, pela primeira vez, a três passos de
guerra com a Rússia.
E o prof. Cohen insistiu:
Temos de conseguir começar uma
negociação. Ao longo dos últimos 20 anos, os EUA movemos a OTAN diretamente
para as fronteiras da Rússia. Há dez anos, Putin anunciou muito claramente “eu
não gosto da OTAN juntos às minhas fronteiras, mas, vejam bem, eu tenho duas
linhas vermelhas: uma é a Geórgia’ (a ex-república soviética). E Putin entendia
que os EUA pisáramos naquela linha vermelha. E houve guerra. Agora Putin está
entendendo que pisamos outra vez a linha vermelha noutro ponto, na Ucrânia.
Respondendo a outra pergunta de Zakaria, Cohen disse:
Eu gostaria de perguntar a todo mundo,
inclusive ao presidente dos EUA: “A Rússia tem algum interesse legítimo? A
Rússia está de algum modo certa na sua narrativa? Porque temos duas narrativas
conflitantes. Agora, Putin quer que nós voltemos a 21 de fevereiro, quando o
acordo negociado pelos ministros de Relações Exteriores da ONU foi destruído
nas ruas. Ninguém pode fazer a história retroceder. Mas Obama
diz que precisamos conversar. E se fizermos isso, acho que as
negociações podem começar e posso imaginar uma saída que evitaria a guerra.
_________________
[*] MK
Bhadrakumar foi diplomata
de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre
temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Times Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor,
jornalista, tradutor e militante de Kerala.
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