Autor: Samuel Pinheiro
Guimarães
24 de abril de 2014
Texto enviado por Luiz
Alberto Moniz Bandeira
Países membros do MERCOSUL |
Integração regional e
acordos de livre comércio
- a
estratégia dos países desenvolvidos de procurar sair da crise através de
políticas agressivas de abertura de mercados de terceiros países,
de proteção de sua produção doméstica e de manipulação cambial, que
desvaloriza suas moedas;
- a
política chinesa de expansão de suas exportações de produtos
industriais e de abertura de mercados para seus produtos e para seus
investimentos, em especial para a produção de commodities (produtos
primários);
- a
importância do comércio intra-firma que chega a atingir 60% do
comércio mundial, o que torna limitada e bastante retórica o conceito de
livre comércio;
- a presença avassaladora de megaempresas multinacionais, e de empresas estrangeiras de menor porte, na economia brasileira, não só no setor industrial, mas crescentemente no setor de serviços, tais como educação e saúde.
3. Esta
participação pode ocorrer:
- em
esquemas em que se encontram países desenvolvidos e países
subdesenvolvidos, como é o caso do NAFTA, North America Free Trade Agreement, que inclui os Estados
Unidos, o Canadá e o México;
- ou
em esquemas em que se encontram somente países subdesenvolvidos, como é o
caso do Mercosul, de que participam a Argentina, o Brasil, o Paraguai, o
Uruguai e a Venezuela;
- ou através de acordos de “livre comércio” bilaterais, como o tratado de livre comércio entre o Chile e os Estados Unidos.
4. No
primeiro caso, a economia dos países subdesenvolvidos (e sua política econômica
interna e sua política externa) se torna altamente dependente da
economia e das políticas praticadas pelo sócio desenvolvido e sobre as
quais não tem influência maior por não participar de seu sistema
político/administrativo e, portanto, das decisões de política econômica
que são adotadas pelo Governo do país desenvolvido.
5. No
segundo caso, os países subdesenvolvidos podem formar:
- uma
zona de livre comércio em que os países eliminam os obstáculos tarifários
e não tarifários ao comércio intra-zona enquanto mantém suas tarifas
aduaneiras nacionais em relação às exportações de empresas situadas em
terceiros países extra-zona;
- uma
união aduaneira em que os países eliminam os obstáculos tarifários e não
tarifários ao comércio intra-zona e estabelecem uma tarifa aduaneira comum
em relação às importações provenientes de empresas situadas em países
extra-zona;
- uma união econômica (e eventualmente monetária) em que os países integrantes da união aduaneira também estabelecem políticas econômicas (cambial, tributária, trabalhista, creditícia etc.) comuns.
O MERCOSUL
6. O
Mercosul é uma união aduaneira, denominada de imperfeita, devido à dupla
cobrança de impostos de importação, à exclusão de setores, a extensas listas de
exceções etc..
7. Desde
que o Mercosul foi criado, em 1991, foram os seguintes os seus principais
resultados:
- o
comércio entre os países do Mercosul aumentou mais de onze vezes desde
1991 enquanto que o comércio mundial cresceu apenas cinco vezes;
- a
expansão dos investimentos das empresas privadas nacionais dos países
participantes em outras economias do Mercosul;
- o
grande influxo de investimentos diretos provenientes de países altamente
desenvolvidos, com excedente de capital, e da China, dirigido aos países
do Mercosul;
- o
financiamento de obras de infraestrutura nos países do bloco por entidades
financeiras de países do Mercosul;
- a
criação de um fundo, o FOCEM, Fundo de Convergência Estrutural do
Mercosul, com contribuições diferenciadas (97 % do Brasil e da Argentina)
para, através de recursos não reembolsáveis, permitir a realização de
obras de infraestrutura, em especial no Paraguai e no Uruguai, que recebem
80% dos recursos, com o objetivo de reduzir assimetrias entre os países
membros do Mercosul e criar melhores condições para o desenvolvimento;
- o
aumento da mobilidade da mão de obra através da assinatura de acordos de
residência e de previdência social;
- a
coordenação e o intercâmbio de experiências em programas sociais, em
especial no campo de combate à pobreza;
- a defesa e a consolidação da democracia.
8. Para
o Brasil, foram os
seguintes os principais resultados da sua participação no Mercosul:
- o
comércio do Brasil com o Mercosul aumentou dez vezes entre 1991 e
2012 enquanto o comércio do Brasil com o mundo aumentou oito vezes;
- oitenta e quatro por
cento das exportações do Brasil para os países do Mercosul são produtos
manufaturados enquanto apenas 53% de suas exportações para os Estados
Unidos, 36% de suas exportações para a União Européia e 4% de suas
exportações para a China são produtos manufaturados;
- os
países do Mercosul, em especial a Argentina, absorveram 21% das
exportações totais de manufaturados brasileiros;
- o
Brasil teve superávits comerciais com todos os países do Mercosul
nos últimos dez anos enquanto tem tido déficit, nos últimos anos, com
os países altamente desenvolvidos;
- em
2013, o saldo comercial do Brasil com o Mercosul foi mais do que o
dobro do saldo total brasileiro, compensando os déficits comerciais com os
Estados Unidos de 11 bilhões de dólares e com a União Européia, de 3
bilhões de dólares;
- as
empresas de capital brasileiro realizaram investimentos importantes nos
países do Mercosul, que constituem sua área natural de expansão inicial
para o exterior;
- os
empréstimos feitos pelo BNDES para a realização de obras de infraestrutura
em países do Mercosul resultam em contratos com empresas brasileiras de
engenharia e na exportação de bens e serviços pelo Brasil;
- parte
importante dos investimentos diretos estrangeiros que se realizam no
Brasil tem como objetivo exportar para o conjunto de países que constituem
o Mercosul;
- a participação do Brasil no Mercosul permitiu contribuir para a consolidação e defesa da democracia na região e, portanto, para a estabilidade em nossa vizinhança imediata.
9. Apesar
de todos os seus êxitos, o Mercosul é criticado diariamente pela mídia
que logrou construir, em amplos setores da opinião pública, uma imagem
negativa do Mercosul como sendo um acordo e uma organização fracassados,
que prejudicam os interesses brasileiros, e de uma associação
“inconveniente” para o Brasil com países como a Argentina e a Venezuela.
10.
Este antagonismo das grandes redes de televisão, dos jornais e das revistas de
grande circulação decorre não de um exame dos fatos concretos, mas sim de uma posição
ideológica que tem os seguintes fundamentos:
- o
Brasil deve dar prioridade em suas relações internacionais aos países
desenvolvidos por serem eles grandes mercados, grandes fontes de capital e
principais geradores de tecnologia;
- o
Brasil deve se associar aos países altamente desenvolvidos por serem estes
democracias estáveis e defensores dos direitos humanos;
- o Brasil deve se associar aos países desenvolvidos por razões de identidade cultural e afinidade ideológica.
11.
Em contraste, os países subdesenvolvidos, nesse grupo incluídos os Estados da
América do Sul, seriam pequenos mercados, sem capacidade de investir e sem
dinamismo tecnológico; seriam Estados politicamente instáveis, periodicamente
ditatoriais e violadores dos direitos humanos; seriam sociedades cultural e
ideologicamente distintas da sociedade brasileira.
12.
Assim, no campo econômico, o Brasil não deveria participar de organismos como o
Mercosul ou de grupos de países tais como os BRICS e o IBAS (Forum India,
Brasil e África do Sul).
13.
No campo comercial, os órgãos da grande mídia diariamente argumentam que:
- o
Brasil deve se associar a esquemas como a Aliança do Pacífico que reuniria
economias bem sucedidas e dinâmicas;
- o
Brasil tem de se integrar, com urgência, nas cadeias produtivas mundiais;
- o
Brasil está arriscado a ficar “isolado” dos grandes processos de
negociação internacional em curso, tais como a Trans Pacific Partnership e o acordo de livre comércio entre
os Estados Unidos e a União Européia;
- o Brasil deve assinar acordos de livre comércio com os países altamente desenvolvidos ainda que para tal tenha de abandonar o Mercosul ou tenha de adotar uma estratégia de diferentes velocidades, omitindo que isto acarretaria o abandono, na prática, do Mercosul.
15.
Cada um desses quatro países assinou acordos de livre comércio com dezenas de
outros Estados ou blocos de Estados, tais como a União Européia e a China, uma
decorrência quase que necessária de terem negociado acordos com os Estados
Unidos.
16.
O comércio entre os países da Aliança do Pacifico é de pequena importância,
inclusive por não terem esses países uma oferta exportável diversificada, já
que não possuem parques industriais significativos (exceto o México, ainda que
com características especiais decorrentes da presença das maquiladoras)
e por serem competidores entre si no mercado internacional em muitos itens, em
especial minérios.
17.
Apesar de terem exibido taxas de crescimento relativamente altas nos últimos
anos isto não significou desenvolvimento econômico propriamente dito, pois não
se diversificaram suas estruturas produtivas e nem melhoraram os seus índices
de concentração de renda e de riqueza.
18.
Após assinar os acordos de “livre comércio” com os Estados Unidos, as
importações do Chile, do Peru e da Colômbia, provenientes dos Estados Unidos, aumentaram
muito mais do que suas exportações para os Estados Unidos e essas
exportações, ao contrário do que se argumentava para defender a celebração
desses acordos, continuaram concentradas nos mesmos produtos tradicionais e não
se diversificaram.
19.
Ao contrário do que a grande mídia parece ignorar, voluntária ou
involuntariamente, o Mercosul (e, portanto, o Brasil) tem acordos de livre
comércio com o Chile, o Peru e a Colômbia em consequência dos quais já ocorreu
a redução a zero da maior parte das tarifas bilaterais e, em 2019, o comércio
entre o Mercosul (e o Brasil) e cada um desses países da Aliança do Pacifico
será totalmente livre.
20.
Quanto à integração na economia internacional e nas cadeias produtivas
mundiais, o fato de o comércio exterior brasileiro ter crescido de 108
bilhões de dólares em 2002 para alcançar 466 bilhões de dólares em 2012 e
de o fluxo de investimentos diretos estrangeiros ter crescido de 26 bilhões de
dólares em 2002 para alcançar 84 bilhões de dólares em 2012 revela que a
economia brasileira está longe de estar isolada ou não integrada na economia
mundial.
21.
Por outro lado, cerca de 40% do comércio exterior brasileiro, em especial de
produtos manufaturados, é um comércio intra-firma o que significa integração do
parque industrial instalado no Brasil em cadeias produtivas mundiais das
megaempresas multinacionais.
22.
No caso dos produtos primários, como a soja e o minério de ferro, o Brasil se
encontra integrado em cadeias produtivas ainda que isto ocorra na extremidade
de menor valor agregado dos produtos finais dessas cadeias, isto é, o Brasil
exporta produtos primários que são processados em países altamente
desenvolvidos e o resultado deste processamento muitas vezes são produtos que
vem a ser importados pelo Brasil, como é o caso de produtos siderúrgicos
importados pelo Brasil da China.
24.
Certamente, o Brasil não poderia competir com outros países, em especial
asiáticos, em termos de custos do trabalho, de benefícios tributários ou de
legislação ambiental a não ser que fosse promovido um extraordinário
retrocesso da legislação trabalhista e da legislação ambiental, para o que
não há nenhuma possibilidade de apoio político na sociedade brasileira.
25.
Não há dúvida de que os eventuais resultados das negociações entre
Estados Unidos e União Européia e das negociações da Trans Pacific Partnership virão a afetar o Brasil. Porém, o fato
inarredável de o Brasil não ter litoral no Oceano Pacífico torna extremamente
difícil reivindicar sua participação nas negociações da Trans Pacific Partnership enquanto que não sendo o Brasil membro da
União Européia (nem podendo ser por não estar situado naquele Continente) nem
sendo parte dos Estados Unidos torna impossível participar das negociações
entre a União Européia e os Estados Unidos, para o que, aliás, ninguém pensou
em convidá-lo.
Um acordo entre a União
Europeia e o MERCOSUL
26.
Finalmente, a mídia, organizações empresariais e economistas defendem a negociação de um acordo entre a União Europeia e o MERCOSUL como indispensável a uma
melhor inserção do Brasil na economia internacional, o que, segundo esses advogados,
permitiria a retomada de altas taxas de crescimento.
27.
Seria interessante examinar as prováveis consequências de um acordo
entre a União Européia e o Mercosul:
- como
a tarifa média para produtos industriais, cerca de 4%, na União Européia é
muito mais baixa do que a tarifa média aplicada no Mercosul, que é de
cerca de 12%, a União Européia teria no caso da eliminação recíproca da
maior parte, digamos 90%, das tarifas muito maior vantagem do que o Brasil
e o atual déficit brasileiro no comércio de produtos industriais com a
Europa, que já é significativo e crônico, se agravaria ainda mais;
o fato de o período de desgravação ser de quinze anos não afeta este
argumento;
- a
redução e a eventual eliminação das tarifas de importação do Mercosul
(inclusive do Brasil) não teria efeito positivo sobre o nível tecnológico
atual da indústria instalada no Brasil pois, de forma geral, a importação
de bens de capital já está livre de direitos quando não há similar
nacional. As empresas produtoras de bens de capital, nacionais ou
estrangeiras instaladas no Brasil, no caso de total liberalização do
comércio sofreriam forte impacto e talvez desaparecessem;
- como
o nível tecnológico médio da indústria brasileira é inferior ao nível
médio da indústria na União Européia, aquela não teria condições de
concorrer nos mercados europeus nem nos mercados do próprio Mercosul com
os produtos exportados pela indústria européia, agora livres de direitos
aduaneiros;
- um
dos estímulos para os investimentos diretos industriais europeus nos
países do Mercosul, que é “saltar a barreira tarifária” para produzir e
competir no mercado interno do bloco, deixaria de existir;
- em
consequência, o fluxo de investimentos diretos estrangeiros para a
indústria no Mercosul (principalmente para o Brasil e a Argentina)
diminuiria, com efeitos negativos para o emprego e para o próprio
equilíbrio do balanço de pagamentos;
- uma
das consequências da eliminação de tarifas sobre as importações de
produtos industriais europeus é que seria, possivelmente em muitos casos,
melhor exportar para o mercado brasileiro do que continuar a produzir
aqui e assim os investimentos produtivos hoje existentes poderiam regressar
para seus países de origem ou não aumentar sua capacidade instalada no
Mercosul;
- as
regras relativas a investimentos estrangeiros, propriedade intelectual,
comércio de serviços, compras governamentais, defesa comercial se
tornariam ainda mais favoráveis às megaempresas multinacionais do
que se tornaram em decorrência da Rodada Uruguai, concluída em 1994, que
levou à criação da Organização Mundial do Comércio;
- a
possibilidade dos Governos do Mercosul de implementarem, nacional ou
regionalmente, políticas industriais, comerciais e tecnológicas se
tornaria ainda menor, devido, como dizem os economistas, à redução ainda
maior do policy space (espaço legal para a execução de
políticas) em decorrência dos compromissos assumidos no
eventual acordo;
- a
possibilidade de implementar políticas nacionais e regionais preferenciais
para as empresas instaladas nos países do Mercosul nos setores de
serviços, compras governamentais e outros deixaria de existir;
- a
eliminação das tarifas industriais decorrentes de um acordo União
Européia/Mercosul eliminaria a preferência de que gozam hoje as empresas
situadas no Mercosul em relação às empresas situadas fora do Mercosul e,
portanto, para as empresas da União Européia, o Mercosul, cuja essência
é a tarifa externa comum, deixaria de existir;
- a
assinatura de um acordo de livre comércio entre a União Européia e o
Mercosul, ao privilegiar as empresas européias no comércio com o Mercosul
(e com o Brasil) acarretaria imediatamente solicitações de nossos
principais parceiros comerciais, isto é, a China, os Estados Unidos, o
Japão para que negociássemos com eles acordos semelhantes, o que
seria praticamente impossível de recusar;
- a
tarifa externa comum, essência de uma união aduaneira, que já teria
deixado de existir para as empresas da União Européia, deixaria de existir
para os Estados Unidos, para o Japão, para a China e para outros países o
que significaria o fim do Mercosul,como união aduaneira e como
instrumento de desenvolvimento;
- a
possibilidade de desenvolvimento industrial brasileiro a partir de
empresas nacionais e estrangeiras instaladas no Brasil deixaria igualmente
de existir;
- os
efeitos sobre o emprego seriam significativos, com sérias consequências
sociais para países de elevado nível de urbanização, como a Argentina e o
Brasil, já que o salário médio por trabalhador na indústria é várias vezes
superior ao salário médio do trabalhador na agricultura e na mineração;
- no
que diz respeito ao comércio de produtos agrícolas, altamente regulamentado
na União Européia, que considera a proteção à sua agricultura uma
questão estratégica, o acordo não levaria a uma liberalização geral
do comércio e do acesso dos produtos agrícolas do Mercosul (e brasileiros)
aos mercados europeus;
- a
União Européia estaria disposta a conceder ao Mercosul tão somente quotas
de importação, livres de direitos, para determinados produtos agrícolas, o
que não significa necessariamente um aumento das receitas brasileiras (e
dos outros países do Mercosul) com a exportação desses produtos;
- segundo
a informação disponível, o volume de cada uma dessas quotas oferecidas
pela União Européia poderia ser, inclusive, inferior ao volume atualmente
exportado pelos países do Mercosul;
- esta oferta européia beneficiaria em principio não o Estado brasileiro em termos de aumento das receitas de exportação pois não aumentariam os volumes exportados enquanto que os exportadores de produtos agrícolas se beneficiariam apenas na hipótese de serem mantidos os preços pagos pelos importadores.
29.
O desenvolvimento econômico e social brasileiro depende do fortalecimento de
seu setor industrial enquanto que a defesa dos interesses brasileiros,
políticos e econômicos, na esfera internacional, cada vez mais competitiva e
conflituosa, dependem do fortalecimento do Mercosul, etapa indispensável para a
integração da América do Sul.
30.
O eventual acordo União Europeia/Mercosul será o início do fim do MERCOSUL e
o fim da possibilidade de desenvolvimento autônomo e soberano brasileiro e do
objetivo estratégico brasileiro de construir um bloco econômico e político na
América do Sul, próspero, democrático e soberano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.