quinta-feira, 17 de abril de 2014

China calibra seu distanciamento da Rússia

16/4/2014, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

O MRE da Rússia, Sergey Lavrov e o Presidente da China, Xi Jinping  (Pequim, 15/4/2014)
Do cuidado com as palavras nas declarações e notícias; do tom contido da cobertura pelos jornais; e até da linguagem corporal dos dois principais personagens, na “visita de trabalho” que o Ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, fez a Pequim, ontem, se depreende que a China mostrou relutância e não quer ver-se arrastada para as tensões atuais com o Ocidente, sobre a Ucrânia. Detalhe interessante: deixando Pequim, Lavrov viajou para o Vietnã.

Em declaração lacônica, comentada pela televisão chinesa, o Presidente Xi Jinping destacou a importância de trocas de alto nível entre os dois países, com reforço na “colaboração” em assuntos internacionais e regionais. Mas Xi apenas “trocou algumas ideias” com Lavrov “sobre a crise na Ucrânia”.

Wang Yi
A agência de notícias chinesa Xinhua está dando integral cobertura à narrativa oficial ucraniana, segundo a qual haveria “mão dos russos” nas agitações no leste e no sul da Ucrânia. Durante a visita de Lavrov, o Ministro chinês de Relações Exteriores, Wang Yi, não arredou pé da posição de Pequim, de atitude justa e sem vieses em relação à crise ucraniana, e manifestou desaprovação a qualquer movimento que possa desestabilizar a situação na Ucrânia.

Wang repetiu a sugestão chinesa, de que que crie um “mecanismo multilateral de diálogo”. A versão da rede Xinhua apenas menciona rapidamente, de passagem, a Ucrânia. O contraste entre o que dizem a imprensa russa (na divulgação da viagem de Lavrov) e a imprensa chinesa (durante e depois da visita) não poderia ser maior. 

Chama a atenção que qualquer movimento que os russos façam agora, para cancelar a reunião “dos 4” em Genebra, na 5ª-feira (17/4/2014), motivados pelo ataque militar contra o leste da Ucrânia, já estará em oposição à posição declarada dos chineses. Antes de viajar, Lavrov havia dito que ataque militar, como o que aconteceu, levaria Moscou a afastar-se da reunião em Genebra.

Gennady Gatilov
Parece que Moscou começa a descartar a reunião de Genebra e começa a preferir iniciar mais uma sessão no Conselho de Segurança da ONU. O Vice-Primeiro-Ministro de Relações Exteriores da Rússia, Gennady Gatilov sugeriu que Moscou está considerando as opções. Pela narrativa russa, a reunião de Genebra seria inútil, porque o que se vê desenrolar-se na Ucrânia é, nada mais nada menos, que ampla operação da CIA, item da agenda para empurrar a OTAN para bem próximo das fronteiras leste da Rússia.

A manifesta reserva de Pequim durante a visita de Lavrov pode ser atribuída a três fatores principais.

Primeiro, a situação da Ucrânia está evoluindo de tal modo que Pequim não pode excluir a possibilidade de, em algum momento, se a situação de segurança no leste e sul da Ucrânia dominados pela Rússia se agravar, ou se houver banho de sangue, a Rússia ser obrigada a intervir. Se isso acontecer, Pequim será fortemente pressionada a assumir publicamente a defesa da soberania e da integridade territorial da Ucrânia.

Chuck Hagel
Segundo, Washington já começou a explorar o mal-estar latente na região do Pacífico Asiático e o “perigo” de a China fazer-se “de Ucrânia” contra os países vizinhos. Faltou um milímetro para que o Secretário de Defesa dos EUA, Chuck Hagel pronunciasse a palavra “China”.

Mais uma vez, o governo Obama usou a ocasião do 35º aniversário da Lei de Relações com Taiwan para apresentar os EUA, por implicação, como amigo, guia e guardião confiável dos países regionais que venham a ter disputas com a China.

Dito de outro modo: os EUA estão explorando o espectro de uma China potencialmente beligerante, para reforçar seu próprio “pivô” na direção do Pacífico Asiático.

Terceiro, sem dúvida alguma a China tem razões para fixar-se nessa “atitude justa e sem vieses” na questão da Ucrânia: assim fazendo, deixa espaço para que EUA e Rússia interpretem a posição chinesa, cada um, como se favorecesse um dos lados e as respectivas narrativas sobre a Ucrânia.

De fato, a China tem relutado consistentemente em permitir que a Rússia apareça como fator de peso na configuração do “novo tipo de relacionamento” entre China e EUA. Mas há aí também uma contradição fundamental: por um lado, a Rússia aparece como potência “demandada” na ordem mundial; mas, por outro, a China é acionista daquela mesma ordem “demandante” e só tem a perder num mundo em desordem e caos.

Pode-se dizer que há aí uma curiosa inversão de papéis em relação à Guerra Fria, quando Moscou rejeitou a insistência de Mao Tse-tung, que entendia que a União Soviética devia arriscar uma guerra nuclear contra os EUA para fazer avançar a causa comunista. Conta-se que Nikita Khrushchev teria dito:

Há gente [Mao] que diz que se pode construir uma nova sociedade sobre os cadáveres e a ruína do mundo. Será que sabem que, se se dispararem as ogivas nucleares, o mundo acabará de tal modo arruinado, que os sobreviventes invejarão os mortos?
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Comentário de uma moradora da Vila Vudu (Chica Cerva): De fato, a grande “inversão de papéis” não é essa, que o embaixador Bhadrakumar comenta, mas outra.
Hoje, são os EUA que tentam empurrar Rússia e China para guerra (nuclear, claro, mas pode ser qualquer guerra) entre ambas, para fazer avançar a causa do capitalismo norte-americano, que é capitalismo belicista de predação e é causa reles.
Retóricas de Guerra Fria & Khrushchevs à parte, nunca saberemos se Mao não estava, então, coberto de razão!
Primeiro, porque, bem feitas as contas, naquele tempo as “ogivas nucleares” eram bombinhas-de-traque, comparadas às que há hoje.
Segundo, porque o capitalismo à chinesa NÃO É capitalismo belicista de predação e NÃO É causa reles.



[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.


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