4/4/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online − The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da
Vila Vudu
Philip Breedlove, mostra o tamanho da "invasão" da Rússia na Ucrânia |
Quando
vocês estiverem lendo isso, a Rússia já terá invadido a Ucrânia. Pelo menos, é
o que o Supremo Comandante Aliado da Organização do Tratado do Atlântico Norte,
OTAN, o general da Força Aérea dos EUA, Philip Breedlove, anda espalhando.
Breedlove-Supremo diz que os russos estão “prontos p’ra sair em ataque” e podem
facilmente tomar o leste da Ucrânia. A imprensa-empresa ocidental já tirou do
armário os coletes à prova de bala.
Anders Fogh mostra... Mas bem menor... |
Mas
comparem-se Breedlove-Supremo e um diplomata adulto, o Ministro de Relações
Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, que pediu à OTAN que por favor desescale
essa retórica pró-guerra “irracional”, que também inclui pôr fim oficial a toda
a cooperação civil e militar com a Rússia e movimentos militares no Leste da
Europa.
Enquanto a
OTAN – abreviatura de Divisão Europeia do Pentágono – entra em surto, sobretudo
quando fala seu Secretário-Geral, o ridículo Anders Fogh Rasmussen, dinamarquês,
que está de partida, vejamos o que realmente se passa, baseados em vazamentos
dos dois campos, de Lavrov e do Secretário de Estado dos EUA, John Kerry.
O coração
da matéria – encoberto por uma barreira de histeria – é que nem Washington nem
Moscou querem que a Ucrânia apodreça como ferida purulenta. Moscou disse a
Washington, oficialmente, que não tem intenção de “invadir” a Ucrânia. E
Washington contou a Moscou que, apesar de toda sua retórica demente, não quer
expandir a OTAN nem para a Ucrânia, nem para a Geórgia.
Victoria Nuland idem... Mas muito maior! |
Faça
Washington o que fizer, não conseguirá convencer o Kremlin de que o putsch
em Kiev não foi orquestrado, em grande parte, por bandidos aliados ao Kaghanato
dos Nulands – da Secretária-Assistente de Estado dos EUA, Victoria Nuland. Ao
mesmo tempo, o Kremlin sabe que o tempo corre a seu favor – e que, assim, até
considerar a “invasão” do leste da Ucrânia seria totalmente contraproducente.
Juntem a
briga de gatos entre as enlouquecidas facções em Kiev, dos fascistas de “Santa”
Yulia “Matem todos os russos” Timoshenko; a Gazprom aumentando o preço do gás
natural, em 80%; e o Fundo Monetário Internacional pronto para lançar mais um
de seus sujos ajustes estruturais na Ucrânia, que fará a Grécia parecer
Cinderela brincando num jardim de rosas, e tudo que Moscou precisa fazer é
sentar, relaxar e assistir à carnificina (interna).
Já a invasão de "Santa" Yulia... |
O mesmo se
aplica aos países bálticos – que, nos termos da histeria da OTAN, podem ser
invadidos semana que vem. Como os países do Báltico são parte da OTAN, é
esperável, sim, que os Robocops de Bruxelas enlouqueçam total. Mas só
neoconservadores arrogantes/ ignorantes marca-registrada acreditam que Moscou
romperia complexas relações políticas/comerciais com a Europa – especialmente
com a Alemanha – arriscando uma guerra quente pelos países bálticos. Os alemães
não querem guerra nem fria nem quente. Ainda que, em evento extremamente
improvável, isso acontecesse, o que faria a OTAN super-macho, sob ordens do
Pentágono? Invadir território russo?
Não se aproveita,
nem como piada ruim.
Por falar
de piada ruim, difícil superar Olli Rehn, Vice-Presidente da kafkeana Comissão
Europeia, a dizer que “no interesse de manter a paz e a estabilidade em nosso
continente”, a União Europeia contribuirá para o pacote do
FMI/capitalismo-de-desastre de 11 bilhões de euros ($15 bilhões de dólares
norte-americanos) para detonar, desculpe, digo “ajudar” a Ucrânia, e,
isso, quando cidadãos da União Europeia estão desempregados e/ou lançados à
miséria, aos milhões.
Olli Rehn mostra pequena invasão |
Quanto à
prioridade de Berlin, é pelo menos tentar afastar a União Europeia de um crash
monumental, que implica manter a bordo o Clube Med e a Europa Central
igualmente devastados economicamente, ao mesmo tempo em que combate contra o
crescimento de um imundo neofascismo “normalizado”. “Massivo erro
de avaliação”, aos olhos dos alemães, não dá nem para o começo. Por que
acrescentar um confronto com Moscou a essa bouillabaise indigerível?
Novo eixo
em casa
Epifanias
de alta arrogância, como o editorial
doThe Guardian de 31/3[1] (“ele
ganhou uma península, mas perdeu um país”) são sem sentido. O mesmo vale para a
servil Polônia, em surto, pedindo mais “proteção” à máfia de Bruxelas.
Como
esperado, a imprensa-empresa ocidental está espalhando que Putin teria
“piscado”, quando telefonou ao presidente Obama dos EUA para tentar acertar um
pacote-solução – que inclui, crucialmente importante, a federalização da
Ucrânia. O governo Obama, apesar de congregar a mais espantosa seleção de
mediocridades, sabe que essa é a única via racional à frente. E não há
“pressão” que dobre Moscou. Vão longe os dias a go-go de impor qualquer
coisa a Boris Yeltsin, beberrão serial. Ao mesmo tempo, Moscou é negociador
realista – e sabe perfeitamente que a única solução possível para a Ucrânia tem
de ser construída com Washington.
A Ucrânia
assim é, na essência, um detalhe – a “Europa” não passa de assistidor fraco e
dependente. Com quem contar, na “Europa”? Com aquela não−entidade estilo
Magritte, sem cara, Presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy? Quem já
esteve em Bruxelas sabe que “Europa” permanece como grupamento de principados
que se bicam em incontáveis línguas. Maquiavel facilmente a definiria nesses
termos.
Presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, a não-entidade |
Além do
mais, o governo Obama não tem nem ideia do que quer na Ucrânia. Uma “democracia
constitucional”? Moscou pode até concordar com isso, embora sabendo, baseada em
montes e montes de razões históricas/culturais, que o plano está condenado ao
fracasso. Mas a linha vermelha dos russos já foi demarcada por eles, alto e
claro, várias e várias vezes: nada de bases da OTAN na Ucrânia.
Negociadores
racionais em Washington – minoria comprovada – com certeza já perceberam que se
não se joga bola com Moscou, a Rússia jogará muito duro no contexto das
negociações no P5+1 (membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, mais
a Alemanha) sobre o dossiê nuclear iraniano.
Só cegos
não verão que Moscou e Teerã caminham na direção de uma parceria estratégica
mais próxima, como Moscou e Pequim. Já há em casa um eixo geopolítico
estratégico real – Moscou-Pequim-Teerã – e todo o mundo em desenvolvimento já
percebeu que é aí que está a ação verdadeira. Mas no que tenha a ver com a
Ucrânia, o fato mais flagrante é que, aí, se trata, completamente, de EUA e
Rússia.
______________________
[*] Pepe Escobar (1954)
é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos,
traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João
Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
− Obama
Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.