terça-feira, 13 de maio de 2014

Ásia-Pacífico e Ucrânia? Até agora, nada a ver

10/5/2014, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

A IVa. Guerra Mundial
Há doidos já dizendo que começou a IIIª Guerra Mundial. “Doidos” no sentido de que essa ideia é impensável, indizível, não mencionável, em tempos termonucleares. Mas as tensões, sim, estão-se sobrepondo, nas relações entre as grandes potências.

É modo de dizer, mas Rússia e China, essa semana, parecem estar na trilha de testarem os limites do poder dos EUA. Por vias diferentes, Rússia e China estão “cutucando” a única superpotência na região da Ásia-Pacífico. Pode não passar de simples coincidência, mas pode nada ter a ver com coincidência e pode, sim, haver aí pensamento coordenado.

Relatos norte-americanos falam de “aumento significativo” na atividade aérea russa e “muito mais” atividade em águas na região do Pacífico Asiático num “show de força e para recolher inteligência”. Especialistas norte-americanos dizem dessas atividades que elas evocam a Guerra Fria.

Simultaneamente, as tensões espiralaram aos céus no Mar do Sul da China, envolvendo a China, de um lado; e Vietnã e Filipinas, do outro lado. Os especialistas abraçaram os diagnósticos pró um dos lados e já se puseram a “declarar” que “Pequim está dando grande salto na defesa de suas demandas territoriais, testando a decisão dos vizinhos armados – e também dos EUA” – como se lia no Wall Street Journal.

Mas, se se examina mais de perto, os dois desenvolvimentos parecem nada ter a ver um com o outro, e podem ser eventos de caráter completamente diverso. Seja como for, a China parece ter afastado para longe do Vietnã a sua plataforma de petróleo, e o bate-boca com as Filipinas faz Manila aparecer como tola, por ter detido um barco chinês e metido na cadeia 11 marinheiros por manter cativas algumas tartarugas – de fato, 30, as quais, infelizmente, vieram a falecer.

Mar do Sul da China e o contorno da porção oceânica disputada 
Em resumo, Pequim parecia ter conseguido “deter” Hanoi e está requerendo que Manila não seja desnecessariamente provocatória. As declarações dos chineses revelaram que há registro de 171 incidentes com barcos vietnamitas, que atropelam navios chineses.

O governo Obama, corretamente, pôs as tensões do Sul da China sob a perspectiva devida, e conclamou os dois lados e exercer a contensão e a moderação. Entrementes, os olhos de Washington estão treinados para acompanhar a próxima visita do Secretário do Tesouro dos EUA, Jacob Lew, a Pequim, amanhã, 3ª-feira (13/5/2014), como enviado especial do presidente Barack Obama.

Lew é interlocutor chave para Pequim e arquiteto do relacionamento EUA-China. Já tem audiência marcada com o presidente Xi Jinping. Obviamente, há item gordo nessa agenda.

As tensões que envolvem a Rússia, por sua vez, são diretamente rastreáveis até a crise na Ucrânia. A Rússia tem dado passos calibrados milimetricamente, e distribuído ruídos que deixem claro que suas capacidades militares existem e serão usadas, para evitar, assim, que EUA e OTAN metam os pés pelas mãos. Isso, por um lado.

Ao mesmo tempo, bufar alto e forte, ar quente e ar frio alternadamente, é tática útil para confundir o adversário sobre as reais intenções do bufador. Fato é que na 6ª-feira (9/5/2014) o presidente Vladimir Putin viajou para a Crimeia (ato que Washington imediatamente criticou como “provocatório e desnecessário”).

Vladimir Putin e veteranos da IIa Guerra Mundial depositam flores no Memorial dos Heróis em Sebastopol, Crimeia (9/5/2014 - Dia da Vitória)
Mas a visita de Putin coincide com os 70 anos da libertação da Crimeia, pelo Exército Vermelho, derrotando a ocupação nazista. Não há dúvida alguma de que a visita é riquíssima em simbologia política, em vários sentidos, todos importantes.

E numa direção, em especial, essa visita é muito, muito significativa, a saber: a visita de Putin à Crimeia cai praticamente na véspera do referendo à moda da Crimeia, que está sendo planejado pelos militantes pró-Rússia no leste da Ucrânia, a realizar-se domingo (11/5/2014), para decidir sobre o futuro da região. (já se realizou e os resultados são conhecidos, ver postagens anteriores, [Nrc]).

É altamente provável que o referendo resulte em secessão, com a região optando por separar-se da Ucrânia. O mais provável é que uma vasta fatia de terra, que cobre o leste e o sul da Ucrânia separe-se do país e declare-se nova república da Confederação Russa, sob o nome de “Novorossiya”.

Em termos táticos, o referendo põe abaixo a eleição presidencial marcada para 25 de maio de 2014 na Ucrânia, e que é [seria] crucialmente importante para re-estabelecer em Kiev algum governo eleito, representativo, que substitua o deposto presidente Viktor Yanukovich e o presidente “interino” lá instalado ninguém sabe por quem, mas com o apoio dos EUA.

Mas, diferente do que está fazendo em relação à China, em relação à Rússia o governo Obama fez o mais absoluto silêncio. Nem a volta de circunavegação do “Urso” em Guam, apitando na costa da Califórnia faria Obama pegar o telefone e ligar para o Kremlin [Moscou já anunciou que não atende telefonemas da Casa Branca, enquanto Kerry andar por lá (NTs)].

Mas, aconteça o que acontecer, no próximo dia 6 de junho de 2014, Obama não terá como esconder-se, no Desfile da Vitória, em Paris. Será a primeira excursão de Putin para fora das fronteiras russas, depois da reintegração da Crimeia na Federação Russa. As areias da Normandia terão algum efeito curativo? Quantas e quantas almas circularão por ali, naquelas praias. Rindo, provavelmente, dos “grandes líderes”.




[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.


4 comentários:

  1. "É modo de dizer, mas Rússia e China, essa semana, parecem estar na trilha de testarem os limites do poder dos EUA."
    Engraçado este senhor não citar os exercícios da OTAN ali, encostadinho da Rússia.
    Para ele isso não é "teste de limites"?
    Bom, este senhor, citando o WSJ, mostra o grau de "informação" que tem...

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. A diferença é que só agora China e Rússia "parecem estar na trilha de testar os limites do poder dos EUA", mas o que ficou subentendido é que " a única superpotência" está há MUITO TEMPO testando os limites de Rússia e China,,. Bhadrakumar é excelente analista de política internacional e usa os a mídia "main stream" como poucos, pois a informação SEMPRE pode ser encontrada mesmo distorcida, manipulada ou mesmo escondida. Aqui no bloguinho você pode encontrar várias traduções de artigos dele; é só usar o buscador.

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    2. Caro Castor, eu acompanho Bhadrakhumar já há bastante tempo e tenho-o na lista de analistas responsáveis.
      Entretanto, este artigo dele, em particular, me deixou meio p(*).
      Precisava citar o WSJ? Ele poderia passar muito bem sem isso.
      Abração.

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