8/5/2014, [*] Slavoj Žižek, London Review ofBooks, vol. 36, n. 9, pp.
36-37
Traduzido por um amiguinho da Vila Vudu
Comentário da Rita Befe merendeira (e
tradutora) da Vila Vudu: O artigo que aí vai
é uma merda. Não vale naaaaaaaaaada. É liberal metido a inteligentíssimo. Tem
de “inteligente” - “interessante”, o que tem de liberal metido a besta.
Nós, Vila Vudu, já decidimos há muitos anos que
Stálin não é importante, que foi um acidente histórico, que cresceu no vazio
que o destino abriu na história do mundo, só porque Lênin morreu apenas sete
anos depois de 1917. SE-TE-A-NOS. De 1917 até 1924, são só sete anos. Nem
Deus-Criador-Onipotente-em-Pessoa fez mais pela humanidade, em apenas sete
anos, que Lênin.
Além do mais, Stálin matou muito menos gente
que, por exemplo, Obama ou Israel.
Recebemos esse artigo traduzido por um
amiguinho nosso, que odeia Putin (e a gente aqui, adooora Putin). E a tradução
está excelentemente bem feita.
Então, decidimos distribuir a tradução, porque,
afinal, qualquer merda, mesmo que se empenhe em demonstrar que Putin “é”
Stálin, sempre será melhor e mais aproveitável que qualquer “editorial” de O
Globo (ou de qualquer merda do grupo GAFE – Globo, Abril, FSP, Estado) ou “comentário”
de algum renatomachado, ou qualquer “correspondente” babão, lá, a babar “notícias”
sobre “Putin está isolado”.
Além do mais, sim, é puuuura verdade o que Žižek escreveu aí, no meio de um oceano de asnices liberais: “A lição que
liberais apavorados têm de aprender é que só uma esquerda mais radical pode
salvar o que valha a pena salvar hoje, do legado liberal”. OK. Não é lá grande
coisa (afinal de contas... por que, diabos, alguém se interessaria por salvar
carké merda do “legado liberal”?!). Mas, sim, é melhor do que o que se lê no
Brasil-2014 [vejam aí].
Praça Maidan em 20/2/2014 (clique na imagem para aumentar) |
Viram-se
várias vezes, pela televisão, em cenas dos protestos em massa em Kiev contra o
governo de Yanukovich, manifestantes derrubando estátuas de Lênin. Era jeito
fácil de demonstrar ira: as estátuas funcionavam como símbolo da opressão
soviética; e a Rússia de Putin é vista como continuação da política soviética
de dominação, pelos russos, sobre os vizinhos [Žižek já tá falano
igualzin kenén a Hilária Clinton. HAJA SACO!].
Mas não
esqueçam que as estátuas de Lênin só começaram a surgir por todas as esquinas
da União Soviética, em 1956: até então, as estátuas de Stálin, sim, ocupavam
todas as esquinas. Mas depois da denúncia “secreta” por Krushchev, contra
Stálin, no 20º Congresso do PC, estátuas de Lênin, sim, substituíram, em massa,
as estátuas de Stálin: Lênin foi usado, literalmente como suplente de Stálin.
Foi o que também se viu, bem claramente, quando, em 1962, houve uma mudança no design
da primeira página do Pravda. Até ali, no canto superior esquerdo da
página 1, havia dois perfis, Lênin e Stálin, lado a lado. Pouco depois que o
22º Congresso rejeitou Stálin publicamente, o perfil não só foi removido, mas
foi também substituído por um segundo perfil de Lênin. E passaram a ser dois
Lênins idênticos, impressos lado a lado. Em certo sentido complexo, a repetição
tornou Stálin ainda mais presente, na ausência, do que jamais antes.
Mas há uma
ironia histórica, se se assiste a ucranianos que põem abaixo estátuas de Lênin
como sinal de que rejeitam a dominação soviética e querem afirmar a própria
soberania nacional. A idade de ouro da identidade nacional ucraniana não foi a
Rússia czarista – quando a autoafirmação nacional ucraniana foi sufocada – mas
a primeira década da União Soviética, quando a política soviética para uma
Ucrânia exaurida pela guerra e pela fome foi a “indigenização”. A cultura e a
língua ucraniana renasceram, com direitos à assistência pública à saúde, educação
pública e seguridade social ativadas. A “indigenização” seguiu os princípios
formulados por Lênin em termos bem claros:
O proletariado tem de lutar contra a opressão
dentro de um dado estado; esse é precisamente o significado da luta pela
autodeterminação. O proletariado tem de exigir o direito de as colônias
tornarem-se independentes, além do direito de independência para os países que “sua
própria nação” oprime. A menos que faça isso, o internacionalismo proletário
não passará de frase sem conteúdo; e serão impossíveis a confiança mútua e a
solidariedade de classe entre os trabalhadores de nações que oprimem e nações
oprimidas. [1]
Lênin |
Lênin
manteve-se até o final, sempre fiel a essa posição: imediatamente depois da
Revolução de Outubro, quando Rosa Luxemburgo argumentou que nações pequenas só
deveriam ganhar plena soberania se predominassem forças progressistas no novo
estado, Lênin manifestou-se a favor do direito incondicionado de todos os
estados buscarem a secessão e a independência.
Em sua última
luta contra o projeto de Stálin para uma União Soviética centralizada, Lênin
mais uma vez advogou o direito incondicional das pequenas nações à secessão
(naquele caso, estava em jogo a Geórgia), insistindo na plena soberania das
entidades nacionais que compunham o estado soviético – não surpreende que no
dia 27/9/1922, em carta ao Politburo, Stálin tenha acusado Lênin de
“liberalismo nacional”.
A direção na
qual Stalin já estava andando é clara desde a proposta que fez de que o governo
da Rússia Soviética deveria ser governo também das cinco outras repúblicas
(Ucrânia, Bielorrússia, Azerbaijão, Armênia e Geórgia):
Se a presente decisão for confirmada pelo
Comitê Central do Partido Comunista Russo, não será tornada pública, mas
comunicada aos Comitês Centrais das Repúblicas, para que circule entre os
órgãos soviéticos, os Comitês Centrais Executivos ou Congressos dos Soviéticos
das supracitadas Repúblicas, antes da convocação do Congresso de todos os
Sovietes da Rússia, no qual será declarado desejo daquelas Repúblicas.
Stalin |
A interação
da mais alta autoridade, o Comitê Central, com suas bases foi, pois, abolida: a
mais alta autoridade então simplesmente impunha seu desejo. Para somar insulto
à injúria, o Comitê Central decidiu que a base pediria que a mais alta
autoridade agisse, como se atendesse desejo da base. No caso mais conspícuo, em
1939, os três estados do Báltico (Lituânia, Letônia e Estônia) pediram para
unir-se à União Soviética, a qual atendeu os desejos deles. Em tudo isso,
Stálin estava voltado para a política czarista pré-revolucionária: a
colonização da Sibéria pela Rússia no século 17, e da Ásia muçulmana no século
19, já não eram condenadas como expansão imperialista, mas celebradas porque
estariam pondo essas sociedades tradicionais na trilha da progressiva
modernização. A política exterior de Putin é claramente continuação da linha
czarista-stalinista.
Depois da
Revolução Russa, segundo Putin, os bolcheviques causaram grave dano aos
interesses da Rússia:
Depois da
revolução, os bolcheviques, por várias razões – e que Deus as julgue –
acrescentaram várias partes do sul histórico russo à República da Ucrânia. Foi
feito sem qualquer consideração à constituição étnica da população, e essas
áreas hoje formam o sudeste da Ucrânia. [2]
Não
surpreende que já apareçam retratos de Stálin novamente nos desfiles militares
e nas celebrações públicas, enquanto os de Lênin vão sendo apagados. Em
pesquisa de opinião realizada em 2008 pela rede de Rossiya TV, Stálin
apareceu em terceiro lugar nos votos para escolher o maior russo de todos os
tempos: teve meio milhão de votos. Lênin apareceu em distante sexto lugar.
Stálin não é celebrado como comunista, mas como restaurador da grandeza russa,
depois dos “desvios” antipatrióticos de Lênin. Recentemente, Putin usou o termo
Novorossiya (‘Nova Rússia’) para designar as sete províncias [oblasts]
do sudeste da Ucrânia, ressuscitando termo usado pela última vez em 1917.
Mas a
subcorrente leninista, embora reprimida, persistiu no submundo comunista da
oposição a Stálin. Muito antes de Solzhenitsyn, como Christopher Hitchens
escreveu em 2011,
(...) as questões cruciais sobre o Gulag já
estavam sendo postas por oposicionistas de esquerda, de Boris Souvarine a
Victor Serge a C.L.R. James, em tempo real e sob grande risco. Esses heréticos
corajosos e prescientes escreveram por fora da história (esperavam coisa
muito pior que aquilo e, inúmeras vezes, foi o que tiveram). [3]
Christopher Hitchens |
Esse dissenso
interno era parte natural do movimento comunista, em contraste claro com o
fascismo.
Não havia dissidentes no Partido Nazista – Hitchens
escreveu – que estivessem arriscando o
próprio pescoço para fazer-ver que o Führer havia atraiçoado a verdadeira essência no
nazi-socialismo.
Precisamente
por causa dessa tensão no coração do movimento comunista, o lugar mais perigoso
para estar, no momento dos expurgos dos anos 1930s, era o topo da pirâmide da nomenklatura:
no espaço de um par de anos, 80% do Comitê Central e do comando do Exército
Vermelho foram executados à bala. Outro sinal de dissenso pôde ser detectado
nos últimos dias do “socialismo realmente existente”, quando massas em protesto
cantavam hinos, inclusive hinos nacionais, para fazer-ver aos poderosos as
promessas que haviam feito, mas jamais cumpriram. Mas na Alemanha Oriental, no
início dos anos 1970s e em 1989, cantar em público o hino nacional era crime:
aquelas palavras (Deutschland einig Vaterland’ [Alemanha, pátria-mãe
unida] não casavam bem com a ideia de uma Alemanha Oriental como nova nação
socialista.
A
ressurgência do nacionalismo russo levou a se terem de reescrever alguns
eventos históricos. Filme biográfico recente, de Andrei Kravchuk, Admiral [Almirante [4]],
celebra a vida de Aleksandr Kolchak, o comandante russo-branco que governou a
Sibéria entre 1918 e 1920. Mas ninguém pode esquecer o potencial totalitário,
nem a vastíssima brutalidade, das forças brancas contrarrevolucionárias durante
esse período. Se os brancos tivessem vencido a Guerra Civil, Hitchens escreve,
“a palavra que o mundo usaria para “fascismo” seria palavra russa, não italiana
(...) O major-general William Graves, que comandou a Força Expedicionária dos
EUA durante a invasão da Sibéria em 1918 (evento cuidadosamente apagado de
todos os livros norte-americanos de história), escreveu em suas memórias sobre
o generalizado, letal antissemitismo que dominava a direita russa; e
acrescentou:
Duvido que a história encontre algum dia
qualquer país, durante os últimos 50 anos, no qual fosse possível cometer
assassinato em tão perfeita segurança, com menor risco de punição, do que na
Sibéria, durante o reinado do Almirante Kolchak.
Aleksandr Kolchak |
Verdade é que
os ucranianos conhecem muito bem a realidade da União Europeia. Sabem dos
problemas e das desigualdades: a mensagem deles é, simplesmente, que a situação
deles é muito pior que a dos europeus. A Europa tem problemas, OK. Mas são
problemas de rico.
Devemos nós,
pois, simplesmente apoiar o lado ucraniano [não russo] do conflito? Há pelo
menos uma razão “leninista” para que o façamos.
Nos últimos
escritos, já bem depois de ter renunciado à utopia de Estado e Revolução, [6]
Lênin explorou a ideia de um projeto modesto, “realista” para o bolchevismo.
Por causa do subdesenvolvimento econômico e do atraso cultural das massas
russas, escreve Lênin, não há meio pelo qual a Rússia possa “passar diretamente
ao socialismo”: tudo o que todo aquele poder soviético pode fazer é combinar a
política moderada do “capitalismo de estado” com a intensa educação cultural
das massas camponesas – não a lavagem cerebral pela propaganda, mas uma
imposição paciente, gradual, de padrões civilizados. Fatos e números revelaram
“que vastíssima quantidade de trabalho urgente ainda temos de fazer para
alcançar o padrão de um país civilizado comum da Europa Ocidental (...) Temos
de ter em mente a ignorância semiasiática da qual ainda não conseguimos nos
arrancar”.
Poder-se-á
pensar na referência que os manifestantes ucranianos fazem à Europa, como sinal
de que o objetivo deles é, também, “alcançar o padrão de um país civilizado
comum da Europa Ocidental”?
Mas aqui as
coisas rapidamente se complicam muito. O que, exatamente, significa a tal
“Europa” da qual falam os ucranianos que protestam? Não pode ser reduzida a uma
simples ideia: inclui elementos nacionalistas e, até, fascistas, mas recobre
também a ideia do que Etienne Balibar chama de igualiberdade [orig. égaliberté],
liberdade-na-igualdade, a única contribuição da Europa ao imaginário político
global, ainda que hoje, na prática, seja diariamente e ininterruptamente traída
pelas instituições e também pelos próprios cidadãos europeus. Entre esses dois
polos, há também uma confiança ingênua no valor do capitalismo europeu
liberal-democrático.
Etienne Balibar |
Nos protestos
na Ucrânia, a Europa pode ver-se, ela mesma, no que tem de pior e no que tem de
melhor: seu universalismo emancipatório e, também, a mais escura, horrenda
xenofobia.
Comecemos
pela escura, horrenda xenofobia. A direita nacionalista ucraniana é uma
instância do que se passa hoje, dos Bálcãs à Escandinávia, dos EUA a Israel, da
África Central à Índia: as paixões étnicas e religiosas estão explodindo e os
valores do Iluminismo estão em recuo. Essas paixões sempre estiveram lá,
fermentando; a novidade e vergonha nenhuma com que hoje são exibidas. Imagine
uma sociedade que tenha integrado plenamente nela mesma os grandes axiomas
modernos da liberdade, da igualdade, do direito à educação e à assistência à
saúde para todos, e na qual o racismo e o sexismo já fossem profunda e
completamente inaceitáveis e ridículos. Mas, na sequência, imagine que, passo a
passo, embora a sociedade continue a muito falar e falar a favor dos tais
axiomas, eles, de fato, já foram capados de toda a substância.
Há um
exemplo, da história europeia muito recente: no verão de 2012, Viktor Orbán,
primeiro-ministro da direita húngara, declarou que era indispensável um novo
sistema econômico na Europa Central.
Esperemos, disse ele, que Deus nos ajude e não tenhamos de inventar um novo tipo de sistema
político para substituir a democracia e que terá de ser introduzido em nome da
sobrevivência econômica (...) Cooperação
é questão de força, não de intenção. Talvez haja países onde as coisas não
operem assim, por exemplo os países escandinavos; mas gente esfarrapada,
metade-asiática, como nós, só se une se houver força.
Alguns velhos
dissidentes húngaros viram logo a ironia dessas palavras: quando o exército
soviético caminhou para Budapeste para esmagar o levante de 1956, a mensagem sempre
repetida ao ocidente pelos miseráveis líderes húngaros era que estariam
defendendo a Europa contra comunistas asiáticos. Agora, depois do colapso do
comunismo, o governo cristão-conservador pinta como seu principal inimigo a
democracia liberal multicultural consumista que a Europa Ocidental defende
hoje. Orbán já expressou suas simpatias pelo “capitalismo com valores
asiáticos”; se a pressão europeia continuar sobre Orbán, pode-se facilmente
imaginá-lo enviando mensagem ao Oriente: “Aqui, defendemos a Ásia!”.
G.K. Chesterton |
O populismo
anti-imigrantes de hoje já substituiu a barbárie direta, por uma barbárie com
face humana. É como uma regressão, da ética cristão do “ama teu próximo”, de
volta ao privilégio pagão da tribo, contra o Outro bárbaro. Ainda que se
represente como uma defesa de valores cristãos, aí está, isso sim, a maior
ameaça ao legado cristão.
Homens que começam a combater a Igreja em nome
da liberdade e da humanidade, escreveu G.K. Chesterton há um século, terminam por se afastar para bem longe da
liberdade e da humanidade, desde que possam lutar contra a Igreja (...) Os secularistas não detonaram coisas
divinas; mas detonaram coisas seculares, se é que isso os conforta, seja como
for.
Será que se
aplica também aos que defendem a religião? Fanáticos defensores de religião
começam por atacar a cultura secular contemporânea; nem chega a surpreender
quando terminam por apagar toda e qualquer experiência religiosa significativa.
Assim também,
muitos guerreiros liberais querem tanto combater o fundamentalismo
antidemocrático, que terminam por detonar toda e qualquer liberdade e toda e
qualquer democracia, se, com isso, se convencem de que estariam detonando o
terror. Qualquer “terrorista” está pronto a fazer voar pelos ares esse mundo
por amor a outro mundo, mas os que guerreiam contra o terror também estão
prontos a fazer voar pelos ares o seu próprio mundo democrático, de tanto que
odeiam o outro muçulmano. Alguns deles tanto amam a dignidade humana, que estão
prontos a legalizar a tortura, para defender a dignidade humana.
Os defensores
da Europa contra a ameaça do imigrante estão fazendo exatamente isso.
Em sua
aplicação, em seu zelo para proteger o legado judeu-cristão, estão prontos a
detonar o que é mais importante naquele legado. Os europeus anti-imigrantes e
defensores dessa Europa anti-imigrantes, não as multidões concebidas de
imigrantes que estariam à espera para invadir o continente, são a verdadeira ameaça
que pesa contra a Europa.
Um dos sinais
dessa regressão é um clamor, frequentemente ouvido na nova direita europeia,
por uma visão mais “equilibrada” dos dois “extremismos” (a direita e a
esquerda). O que mais se ouve é que se deve tratar a extrema esquerda
(comunismo) do mesmo modo como a Europa, depois da IIª Guerra Mundial tratou a
extrema direita (os fascistas derrotados). Mas de fato não há aí qualquer
equilíbrio: a equação fascismo = comunismo privilegia secretamente o fascismo.
Assim, ouve-se a direita dizer que o fascismo copiou o comunismo: antes de
tornar-se fascista, Mussolini foi socialista; Hitler, também, foi
Nacional-socialista; campos de concentração e violência genocida já eram traços
da União Soviética, uma década antes dos nazistas recorrerem a eles; a
aniquilação dos judeus foi claro precedente na aniquilação da classe inimiga,
etc..
Ernst Nolte |
O ponto,
nesses argumentos, é afirmar que um fascismo moderado foi resposta justificada
à ameaça comunista (argumento construído há muito tempo por Ernst Nolte, quando
defendeu o envolvimento de Heidegger com o nazismo). Na Eslovênia, a direita
está advogando a reabilitação da anticomunista Guarda Nacional [orig. anti-communist
Home Guard] que combateu contra os partisans durante a IIª Guerra
Mundial: fizeram a difícil escolha de colaborar com os nazistas para deter o
mal muito maior do comunismo.
Liberais
dominantes nos dizem que quando valores democráticos básicos estão sob ameaça
por fundamentalistas étnicos ou religiosos, temos de nos unir por trás da
agenda liberal democrática, salvar o que seja possível salvar e pôr de lado os
sonhos de transformação social mais radical. Mas há uma mácula fatal, nessa
conclamação à solidariedade: ela ignora o modo pelo qual o liberalismo e o
fundamentalismo são apanhados num ciclo vicioso. É a tentativa agressiva para
exportar a permissividade liberal que leva os fundamentalistas a resistir
veementemente na luta e a se autoafirmarem.
Quando
ouvimos hoje os políticos a nos oferecerem escolha entre a liberdade liberal e
opressão fundamentalista, e propor triunfantes a pergunta retórica: “Vocês
querem mulheres excluídas da vida pública e privadas de direitos? Vocês querem
que todos os que critiquem a religião sejam condenados à morte?”, o que mais
deveria nos levar a desconfiar é que a resposta é absolutamente autoevidente:
quem desejaria tais coisas?
O problema é
que esse universalismo liberal há muito tempo já perdeu a inocência. O que Max
Horkheimer disse sobre capitalismo e fascismo nos anos 1930s aplica-se hoje num
contexto diferente: os que não querem criticar a democracia liberal que se
mantenham de bico calado também contra o fundamentalismo religioso.
E quanto ao
destino do sonho capitalista liberal-democrático europeu na Ucrânia? Ainda não
se pode ver com clareza, por hora, o que espera a Ucrânia dentro da União
Europeia. Já repeti várias vezes uma velha piada da década passada da União
Soviética, mas não poderia vir mais a propósito. Rabinovitch, judeu, quer
imigrar. O burocrata no guichê da imigração pergunta-lhe por quê, e Rabinovitch
responde: “Duas razões. A primeira é que tenho medo de que os comunistas percam
o poder na União Soviética, e o novo poder lançará a culpa pelos crimes dos
comunistas sobre nós, os judeus”. “Mas isso é total loucura” – o burocrata o
interrompe. – “Nada jamais mudará na União Soviética, o poder dos comunistas
durará para sempre!” “Pois é” – replica Rabinovitch. – “Essa é minha segunda
razão”.
Imaginem
conversa equivalente entre um ucraniano e um burocrata da União Europeia. O
ucraniano reclama: “Há duas razões pelas quais estamos em pânico cá na Ucrânia.
Primeiro, temos medo de que a Rússia pressione a União Europeia para que nos
abandone e deixe nossa economia entrar em colapso”. O burocrata da União
Europeia interrompe: “Mas o senhor pode confiar em nós! Nós nunca os
abandonaremos! De fato, vamos tomar conta do país de vocês e ensinar tudo que
vocês devem fazer”. “Pois é” – replica o ucraniano. – “Essa é minha segunda
razão”.
Alegria em Sinferopol, Capital da Crimeia com o resultado do Referendo (17/3/2014) |
A questão não
é se a Ucrânia merece a Europa, se é boa o bastante para entrar na União
Europeia, mas se a Europa de hoje pode atender às aspirações dos ucranianos. Se
a Ucrânia terminar numa mistura de fundamentalismo étnico e capitalismo
liberal, com oligarcas puxando as cordinhas, será tão europeia quanto é hoje a
Rússia (ou a Hungria). (Tem-se dado pouca atenção ao papel que desempenham os vários
grupos de oligarcas – os “pró-Rússia” e os “pró-ocidente” – nos eventos na
Ucrânia).
Alguns
comentaristas políticos têm dito que a União Europeia não tem dado suficiente
apoio à Ucrânia no conflito com a Rússia, que a resposta da União Europeia à
reintegração da Crimeia à Rússia [7] não foi suficientemente
empenhada. Mas há outro tipo de apoio que está ainda mais espantosamente
ausente: a proposta de qualquer estratégia viável para romper o impasse. A
Europa não estará em posição para oferecer tal estratégia, até que renove seu
compromisso com o núcleo emancipatório da própria história da Europa.
Só se
deixarmos para trás o cadáver putrefato da velha Europa, será possível
preservar vivo o legado europeu de igualiberdade [orig. égaliberté]. Não
se trata de os ucranianos aprenderem da Europa: a Europa tem de aprender a
corresponder ao sonho que motivou os manifestantes da Praça Maidan. A lição que
liberais apavorados têm de aprender é que só uma esquerda mais radical pode
salvar o que valha a pena salvar hoje, do legado liberal.
Os
manifestantes da Praça Maidan foram heróis, mas a verdadeira luta – a luta pelo
que a nova Ucrânia será – começa agora, e será muito mais dura que a luta
contra Putin [sic]. Será necessário um novo e mais arriscado heroísmo. Já se
viu esse heroísmo, nos russos que se opõem à paixão nacionalista e a denunciam
como ferramenta de poder. É mais que hora de se afirmar a solidariedade básica
de ucranianos e russos, e de se rejeitarem os próprios termos em que o conflito
está posto. O passo seguinte é manifestação pública de fraternidade, com redes
de organização criadas entre ativistas políticos ucranianos e a oposição a
Putin [NÃO E NÃO. Até segundo aviso, estamos com
Putin, nós e 85% dos russos. Mas... O que é que esses “intelectuais” pensam da
vida?! Será o Benedito?! (NTs)].
Aprovação de Putin na Rússia - Janeiro/14=60,6% e Maio/14=85,9% |
Pode soar
utópico, mas esse é o único pensamento que pode dar dimensão verdadeira
emancipatória aos protestos. É isso, ou seremos deixados prisioneiros de um
conflito entre paixões nacionalistas manipuladas por oligarcas [e os seus “intelectuais”, seus jornais, seus
jornalistas, seus Žižeks & coisa-e-tal (NTs)].
Esses jogos
geopolíticos não têm interesse algum para a política autenticamente
emancipatória.
_____________________
Notas dos tradutores
[1] Lênin, V.I., “The
Socialist Revolution and the Right of Nations to Self-Determination”,
jan-fev. 1916, (ing.).
[2] 19/3/2014, redecastorphoto, Vladimir
Putin, presidente da Rússia: Discurso sobre a Integração da Crimeia,
traduzido.
[3] HITCHENS, Christopher, Unacknowledged
Legislation: Writers in the Public Sphere, p. 274 Google Books.
[4] Alexander Kolchak (Admiral: film).
[5] Fica aí, porque, afinal, o homem escreveu isso. Mas fica tachado,
riscado, porque, se não se podem discutir sílaba a sílaba, esses “diagnósticos”
têm a importância que têm as opiniões babentas babosas, de qualquer
jornalisteca-loprete, dessas por aí, lixo do “jornalismo” que desgraça o
Brasil-2014.
[6] Estado
e Revolução (Lênin).
[7] No orig. lia-se “Russian occupation and
annexation of Crimea”. A Vila Vudu absolutamente nunca escreveu
nem escreverá tal expressão. Nenhum “fato” interessa. A Crimeia votou em
referendo (84% de aprovação), decidiu pela reintegração à Federação Russa,
solicitou que a Federação Russa a reintegrasse, a Federação Russa aprovou a
reintegração, a Crimeia foi reintegrada, Putin fez o discurso: os fatos que nos
mobilizam são esses, não outros.
________________________
[*] Slavoj Žižek (esloveno) Liubliana, 21 de
Março de 1949) é um filósofo e teórico crítico esloveno, professor da European
Graduate School e pesquisador sênior no Instituto de Sociologia da
Universidade de Liubliana. É também professor visitante em várias universidades
estadunidenses, entre as quais estão a Universidade de Columbia, Princeton, a New
School for Social Research, de Nova Iorque, e a Universidade de Michigan.
Interessante isso:
ResponderExcluir"O que mais se ouve é que se deve tratar a extrema esquerda (comunismo) do mesmo modo como a Europa, depois da IIª Guerra Mundial tratou a extrema direita (os fascistas derrotados)."
Esse sujeito sabe como foi tratada a extrema direita após a SGM? Os tais derrotados"?
Sabe que foram muito bem aproveitados pelos ingleses (e americanos depois) na Grécia?
E na Itália para lutar contra a eleição certa dos comunistas?
Sabe que o Bandera acabou trabalhando para a CIA?
Esse sujeito sabe mesmo como foram tratados os comunistas na Europa do pós guerra? Acha que foram mais bem tratados do que os nazistas, fascistas e falangistas?
Esse cara é um zé ninguém.
E eu concordo com a Rita.
E veja você que este artigo ainda é menos pior que o que se lê no grupo GAFE (Globo, Abril, FSP, Estado)... Por aí se vê a enorme MERDA que é a imprensa-empresa no OCIDENTE em geral e no Brasil em particular...
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